|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ator precoce, Selton Mello vira diretor maduro
Aos 34 anos, ator cuja carreira começou na infância dirige seu primeiro longa, evitando "erro" comum aos estreantes
"Feliz Natal", que está sendo filmado no Rio de Janeiro, acompanha autor de crime involuntário e sua família em desconstrução
Rafael Andrade/Folha Imagem
|
O diretor Selton Mello, em cenário da casa em que roda seu primeiro longa, "Feliz Natal" |
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Ator desde a infância, astro
de TV no início da juventude,
um dos primeiros de sua geração a trocar as novelas pelo ressurgente cinema nacional dos
90, Selton Mello está aposentando a fama de artista precoce.
Ele esperou até os 34 anos
para dirigir seu primeiro longa-metragem. Foi tempo suficiente para observar que "é um erro
comum de alguém que vai fazer
o primeiro filme querer revolucionar a linguagem cinematográfica, mudar os parâmetros,
fazer a obra de sua vida".
Com "Feliz Natal", Mello não
ambiciona tanto. Quer apenas
"contar uma história", que ele
mesmo escreveu, em parceria
com Marcelo Vindicatto.
É a história de Caio (Leonardo Medeiros) e se passa entre
os dias 24 e 28 de dezembro,
"essa época em que todos fazem seus balanços", num ano
em que ele retorna para casa,
como "o cara que causa espécie", conta o diretor.
Quatro anos antes do retorno, Caio deixara para trás sua
cidade, seus amigos e sua família, atormentado pela culpa de
um crime involuntário -atropelou e matou uma mulher.
Raduan Nassar
As razões da partida de Caio
são expressas no filme aos poucos e sem alarde. As de sua volta
estão sintetizadas numa frase
que Mello emprestou do escritor Raduan Nassar: "Estamos
sempre indo para casa".
A referência a Nassar não é
aleatória. É desse autor o livro
"Lavoura Arcaica", que o diretor Luiz Fernando Carvalho
transformou num filme em que
Selton Mello interpreta o irmão mais novo de Leonardo
Medeiros e no qual ambos têm
atuações irreparáveis.
Antes de começar a rodar
"Feliz Natal", há quatro semanas, no Rio de Janeiro, Mello
fez sua própria volta para casa.
Escreveu a Carvalho, contando
que dirigiria o primeiro longa.
"Eram poucas palavras", afirma Carvalho à Folha. "Mas eu
sentia o caminho que ele buscava e sentia que ele me pedia o
que nem precisaria pedir -minha mão apoiando os sonhos
dele. Ele sabe o que a arte exige
de nós e não recua. Por isso,
merece ser possuído pela expressão de seu espírito".
Irmãos
Mello jamais pensou em alguém diferente de Medeiros
para protagonizar "Feliz Natal", porque ""Lavoura Arcaica"
foi de fato um encontro. Somos
irmãos", afirma o diretor.
Já a idéia de convidar Paulo
Guarnieri para ser o irmão
bem-sucedido de Caio lhe ocorreu "numa virada de página de
revista na espera do dentista".
Quando folheava a revista,
Mello deparou com uma foto
do enterro do ator Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006),
na qual seu filho Paulo estava
próximo do caixão.
A imagem desencadeou um
turbilhão de lembranças.
"Quando cheguei ao Rio, moleque, para fazer novela, Paulo
era o rei em novelas. Ele e o
Cássio Gabus Mendes eram os
jovens atores que "mandavam
bem", que faziam uma novela
atrás da outra, que tinham os
personagens bacanas", diz Mello, que vê na decisão de Paulo
Guarnieri de afastar-se da TV
porque "perdeu o tesão" de fazer novela uma coincidência
com sua própria trajetória.
Convite aceito, Paulo Guarnieri retorna ao cinema aos 45
anos, como marido de Graziella
Moretto e filho de Darlene Glória, que ganhou um personagem inexistente nas primeiras
versões do roteiro.
O papel da mãe da família
que se desconstrói no Natal
surgiu após uma entrevista de
Mello com Darlene, para a edição especial de aniversário do
programa "Tarja Preta", que ele
dirige para o Canal Brasil.
Efeito
Alguns dias depois do encontro, "ainda sob o efeito da entrevista", Mello telefonou para
a estrela de "Toda Nudez Será
Castigada" (1973) sondando se
ela gostaria de atuar num filme
dele. Ouviu um sonoro sim.
"Há um afã no cinema para
lançar alguém, descobrir pessoas, ter novidades. Mas existe
muita gente boa que está fora
da jogada. Essas pessoas me interessam muito", diz o diretor.
O ator Lúcio Mauro completa o núcleo familiar do elenco,
no papel do severo ex-marido
de Darlene e pai irreconciliável
com o filho marcado pelo erro.
Todos os atores assistiram às
primeiras cenas de seus personagens, numa montagem preliminar de "Feliz Natal", que Mello vem fazendo artesanalmente. A cada semana, no dia de folga da equipe, ele convida todos
para uma festa em sua casa e
exibe o trabalho em progresso.
Sem querer, o diretor que
não pretende revolucionar a
linguagem do cinema acha que
descobriu "quase um método
novo" de fazer filmes. "O filme
está dentro da cabeça do diretor. Se ele começa a abrir, generosamente, para a equipe inteira o filme que está pensando,
todo mundo entra numa e fica
tudo mais bonito", diz.
Texto Anterior: Pesquisa mostra que a qualidade do tomate desestimula consumo Próximo Texto: Frases Índice
|