São Paulo, quinta-feira, 19 de julho de 2007

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Ator precoce, Selton Mello vira diretor maduro

Aos 34 anos, ator cuja carreira começou na infância dirige seu primeiro longa, evitando "erro" comum aos estreantes

"Feliz Natal", que está sendo filmado no Rio de Janeiro, acompanha autor de crime involuntário e sua família em desconstrução

Rafael Andrade/Folha Imagem
O diretor Selton Mello, em cenário da casa em que roda seu primeiro longa, "Feliz Natal"


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Ator desde a infância, astro de TV no início da juventude, um dos primeiros de sua geração a trocar as novelas pelo ressurgente cinema nacional dos 90, Selton Mello está aposentando a fama de artista precoce.
Ele esperou até os 34 anos para dirigir seu primeiro longa-metragem. Foi tempo suficiente para observar que "é um erro comum de alguém que vai fazer o primeiro filme querer revolucionar a linguagem cinematográfica, mudar os parâmetros, fazer a obra de sua vida".
Com "Feliz Natal", Mello não ambiciona tanto. Quer apenas "contar uma história", que ele mesmo escreveu, em parceria com Marcelo Vindicatto.
É a história de Caio (Leonardo Medeiros) e se passa entre os dias 24 e 28 de dezembro, "essa época em que todos fazem seus balanços", num ano em que ele retorna para casa, como "o cara que causa espécie", conta o diretor.
Quatro anos antes do retorno, Caio deixara para trás sua cidade, seus amigos e sua família, atormentado pela culpa de um crime involuntário -atropelou e matou uma mulher.

Raduan Nassar
As razões da partida de Caio são expressas no filme aos poucos e sem alarde. As de sua volta estão sintetizadas numa frase que Mello emprestou do escritor Raduan Nassar: "Estamos sempre indo para casa".
A referência a Nassar não é aleatória. É desse autor o livro "Lavoura Arcaica", que o diretor Luiz Fernando Carvalho transformou num filme em que Selton Mello interpreta o irmão mais novo de Leonardo Medeiros e no qual ambos têm atuações irreparáveis.
Antes de começar a rodar "Feliz Natal", há quatro semanas, no Rio de Janeiro, Mello fez sua própria volta para casa. Escreveu a Carvalho, contando que dirigiria o primeiro longa.
"Eram poucas palavras", afirma Carvalho à Folha. "Mas eu sentia o caminho que ele buscava e sentia que ele me pedia o que nem precisaria pedir -minha mão apoiando os sonhos dele. Ele sabe o que a arte exige de nós e não recua. Por isso, merece ser possuído pela expressão de seu espírito".

Irmãos
Mello jamais pensou em alguém diferente de Medeiros para protagonizar "Feliz Natal", porque ""Lavoura Arcaica" foi de fato um encontro. Somos irmãos", afirma o diretor.
Já a idéia de convidar Paulo Guarnieri para ser o irmão bem-sucedido de Caio lhe ocorreu "numa virada de página de revista na espera do dentista".
Quando folheava a revista, Mello deparou com uma foto do enterro do ator Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), na qual seu filho Paulo estava próximo do caixão.
A imagem desencadeou um turbilhão de lembranças. "Quando cheguei ao Rio, moleque, para fazer novela, Paulo era o rei em novelas. Ele e o Cássio Gabus Mendes eram os jovens atores que "mandavam bem", que faziam uma novela atrás da outra, que tinham os personagens bacanas", diz Mello, que vê na decisão de Paulo Guarnieri de afastar-se da TV porque "perdeu o tesão" de fazer novela uma coincidência com sua própria trajetória.
Convite aceito, Paulo Guarnieri retorna ao cinema aos 45 anos, como marido de Graziella Moretto e filho de Darlene Glória, que ganhou um personagem inexistente nas primeiras versões do roteiro.
O papel da mãe da família que se desconstrói no Natal surgiu após uma entrevista de Mello com Darlene, para a edição especial de aniversário do programa "Tarja Preta", que ele dirige para o Canal Brasil.

Efeito
Alguns dias depois do encontro, "ainda sob o efeito da entrevista", Mello telefonou para a estrela de "Toda Nudez Será Castigada" (1973) sondando se ela gostaria de atuar num filme dele. Ouviu um sonoro sim.
"Há um afã no cinema para lançar alguém, descobrir pessoas, ter novidades. Mas existe muita gente boa que está fora da jogada. Essas pessoas me interessam muito", diz o diretor.
O ator Lúcio Mauro completa o núcleo familiar do elenco, no papel do severo ex-marido de Darlene e pai irreconciliável com o filho marcado pelo erro.
Todos os atores assistiram às primeiras cenas de seus personagens, numa montagem preliminar de "Feliz Natal", que Mello vem fazendo artesanalmente. A cada semana, no dia de folga da equipe, ele convida todos para uma festa em sua casa e exibe o trabalho em progresso.
Sem querer, o diretor que não pretende revolucionar a linguagem do cinema acha que descobriu "quase um método novo" de fazer filmes. "O filme está dentro da cabeça do diretor. Se ele começa a abrir, generosamente, para a equipe inteira o filme que está pensando, todo mundo entra numa e fica tudo mais bonito", diz.


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