DA ENVIADA AO RIO

Na noite de 28 de dezembro -a quinta passada, segundo o plano de filmagens de "Feliz Natal"-, Fabi (Graziella Moretto) estava sozinha em casa, sem a sogra, o marido e os dois filhos, que também vivem ali.
Ela apagou as luzes da sala e subiu para o quarto. Devia estar pensando no recente e desastroso Natal, que a família passou (des)unida, mas sem abrir mão do jogo de aparências.
Quando chegou em frente ao espelho, Fabi despiu-se, inteiramente e apenas para ela mesma. Foi a primeira cena de nudez que Moretto fez no cinema.
Conhecida por seus trabalhos com o diretor Fernando Meirelles ("Domésticas", "Cidade de Deus"), "que tem o desprendimento de incorporar colaborações dos atores aos personagens", a atriz acha coerente que a nudez total de uma personagem sua ocorra num longa em que toda a atuação é como "um salto sem rede".
Para Graziella, "os personagens de "Feliz Natal" não se definem por suas ações. Há um tabuleiro montado e tudo o que ocorre nele é fruto da fricção entre esses personagens", diz.
"Ah, Grazi", suspira, em sinal de admiração, o diretor Selton Mello, ao rever no monitor o modo como a atriz evita a artificialidade no ato banal de caminhar pela casa e apertar interruptores, seguida pela câmera.
"Esse é escancaradamente um plano de "Faces" [do norte americano John Cassavetes (1929-1989)], em que a mulher vai apagando as luzes da casa", comenta Mello, escancarando uma das inúmeras influências que invoca em "Feliz Natal".
"Quando a pessoa vai dirigir um primeiro filme, todas as referências vêm à tona, de espectador e de vivência", afirma.
Na cena de Moretto, Mello enxerga, além da alusão a Cassavetes, "o momento "Magnólia" [de Paul Thomas Anderson] do filme, em que cada um convive com a própria solidão".
No roteiro, ele percebe "uma coisa meio [David] Cronenberg nessa história de um cara que matou gente com um carro ir trabalhar num ferro velho". (SA)


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