São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009

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Fantasia não tem lugar na TV, diz Talma

Diretor da nova série "Ger@l.com", Roberto Talma afirma que é difícil concorrer com "emissoras que só mostram desgraça"

Diretor comanda o núcleo que lança série para pré-adolescentes, na qual os personagens conversam bastante pela internet

AUDREY FURLANETO
DA SUCURSAL DO RIO

Diretor da série "Anos Dourados" (1986), a segunda mais vendida para o exterior pela Globo (foi exibida em 15 países), e de novelas como "Pai Herói" e "Água Viva", Roberto Talma, 60, afirma que a fantasia não tem mais lugar na TV.
Há 40 anos na emissora, ele dirige o núcleo que lança amanhã a série "Ger@l.com", para pré-adolescentes e na qual os personagens conversam bastante pela internet.
À Folha, Talma diz que é difícil concorrer com "emissoras de merda que só mostram desgraça" e que a saída é tornar a dramaturgia, mesmo num programa infantil, mais realista.

 

FOLHA - O senhor fez "Anos Dourados", um dos maiores sucessos da Globo. Por que a emissora não emplacou entre os jovens mais produtos como aquele?
ROBERTO TALMA
- Em "Anos Dourados", eu tinha uns 30 anos. Estava no auge da minha forma, contando um pouco da minha história. Se você coloca um problema dos anos 50 hoje, não é problema. Lá, discuti virgindade, traição, paixão adolescente, impossibilidade, frustração, [diferenças de] classes sociais que sempre existiram no Brasil, que é uma coisa esquisita pra dedéu.

FOLHA - Mas não existem mais problemas como esses de outras formas atualmente?
TALMA
- Olha, não existe, não. A virgindade com 13, 14 anos, já dançou. Fiz "Anos Dourados" em 1986. A pulverização do sexo hoje é inacreditável. Você não sabe o que era colocar uma menina nua, no início das novelas, 20, 30 anos atrás. Você não sabe a dificuldade que era. Hoje, elas leem aquela bodega [roteiro] e já entram no estúdio nuas. Ficou natural. E hoje existe o mito de que qualquer um é celebridade. Me poupe!

FOLHA - A TV alimenta isso.
TALMA
- Nós somos culpados, não só a mídia e a TV. Qualquer pessoa que bota a bunda de fora é famosíssima. Você conhece a pessoa pela bunda, jamais pelo que ela fez. Aí fica difícil. Uma menina de 15, 16 anos já está na vida. Como é que se cria algo que faça o espectador pensar: "Caramba, que divino! Eles ainda estão tentando [manter a virgindade]". Agora, não. Todo mundo já rodou pra caralho, não tem nada para descobrir.

FOLHA - Em "Ger@l.com", as crianças muitas vezes se comunicam via internet, e não pessoalmente. O senhor acha saudável a criança usar webcam, por exemplo, o dia todo?
TALMA
- Eu acredito que webcam, essas coisas todas, não. Mas PSP [videogame portátil], joguinhos, tudo bem. E é o seguinte: o mundo não está muito católico, não, né? Não dá para você deixar o moleque solto. Às vezes uma hora em casa na internet é melhor que duas horas sem saber onde o cara está.

FOLHA - A TV não deveria criar produtos infantis mais lúdicos?
TALMA
- Se você acompanhar pelo mundo, não tem mais isso. Quando eu comecei a fazer a parte da manhã aqui na Globo, a [roteirista] Mariana Caltabiano tinha uns bonequinhos que eram lindos. Fizemos um projeto que era bom pra caramba. Eram uns velhinhos que se perderam no espaço e tal. Na primeira reunião que tivemos em São Paulo com garotos de 8 a 12 anos, o que a gente sofreu de ver a falta de informação, a agressividade... Quando você usa um boneco, até os cinco anos, a criança aceita; depois dos cinco anos, a garotada toda acha que estamos tentando enganá-los. Eles ficavam possessos num nível assustador, em função de achar que estavam sendo enganados.

FOLHA - Por quê?
TALMA
- Porque eles passam o dia com a mãe ligadona nessas emissoras de merda, que estão cobrindo só desgraça. Na cabeça deles, deixa de ter o lúdico, não existe! Volta e meia a gente toma uma porrada [perda de audiência] por causa de novela das seis, das sete, porque são horários, vamos dizer assim, que mexem muito com os [telejornais] locais ["Negócio da China", dirigida por Talma, teve a pior audiência dos últimos anos no horário das 18h]. O que acontece é o seguinte: que novela você tem que fazer para suplantar aquele menino que sequestra a namorada, a amiga da namorada, fica durante uma semana cercado de policiais com 500 mil pessoas, dão um microfone para esse analfabeto de merda e ele se torna ídolo? O que você tem que colocar para brigar contra isso? Com essa realidade dura, crua e nojenta que nós temos no Brasil? Quer dizer, no mundo inteiro é assim. Torna-se inviável! A internet é o mais próximo da realidade, mas ainda pode existir lá uma coisa lúdica.

FOLHA - Há diretores, como Jorge Furtado, que tentam algo menos realista, como a série "Decamerão".
TALMA
- É uma série de época, mas é uma história de corno. De corno, de traição, de ser humano. É "a" que deu para "b", que deu para "c".

FOLHA - A série que o senhor vai lançar é realista também.
TALMA
- Não sei se vocês viram, mas meus personagens sonham. Sonham que estão voando, por exemplo. Tem um monte de coisa lá que eu acho que vai chegar às crianças.


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