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Fantasia não tem lugar na TV, diz Talma
Diretor da nova série "Ger@l.com", Roberto Talma afirma que é difícil concorrer com "emissoras que só mostram desgraça"
Diretor comanda o núcleo que lança série para pré-adolescentes, na qual os personagens conversam bastante pela internet
AUDREY FURLANETO
DA SUCURSAL DO RIO
Diretor da série "Anos Dourados" (1986), a segunda mais
vendida para o exterior pela
Globo (foi exibida em 15 países), e de novelas como "Pai
Herói" e "Água Viva", Roberto
Talma, 60, afirma que a fantasia não tem mais lugar na TV.
Há 40 anos na emissora, ele
dirige o núcleo que lança amanhã a série "Ger@l.com", para
pré-adolescentes e na qual os
personagens conversam bastante pela internet.
À Folha, Talma diz que é difícil concorrer com "emissoras
de merda que só mostram desgraça" e que a saída é tornar a
dramaturgia, mesmo num programa infantil, mais realista.
FOLHA - O senhor fez "Anos Dourados", um dos maiores sucessos da
Globo. Por que a emissora não emplacou entre os jovens mais produtos como aquele?
ROBERTO TALMA - Em "Anos
Dourados", eu tinha uns 30
anos. Estava no auge da minha
forma, contando um pouco da
minha história. Se você coloca
um problema dos anos 50 hoje,
não é problema. Lá, discuti virgindade, traição, paixão adolescente, impossibilidade, frustração, [diferenças de] classes sociais que sempre existiram no
Brasil, que é uma coisa esquisita pra dedéu.
FOLHA - Mas não existem mais
problemas como esses de outras formas atualmente?
TALMA - Olha, não existe, não.
A virgindade com 13, 14 anos, já
dançou. Fiz "Anos Dourados"
em 1986. A pulverização do sexo hoje é inacreditável. Você
não sabe o que era colocar uma
menina nua, no início das novelas, 20, 30 anos atrás. Você não
sabe a dificuldade que era. Hoje, elas leem aquela bodega [roteiro] e já entram no estúdio
nuas. Ficou natural. E hoje
existe o mito de que qualquer
um é celebridade. Me poupe!
FOLHA - A TV alimenta isso.
TALMA - Nós somos culpados,
não só a mídia e a TV. Qualquer
pessoa que bota a bunda de fora
é famosíssima. Você conhece a
pessoa pela bunda, jamais pelo
que ela fez. Aí fica difícil. Uma
menina de 15, 16 anos já está na
vida. Como é que se cria algo
que faça o espectador pensar:
"Caramba, que divino! Eles ainda estão tentando [manter a
virgindade]". Agora, não. Todo
mundo já rodou pra caralho,
não tem nada para descobrir.
FOLHA - Em "Ger@l.com", as crianças muitas vezes se comunicam via
internet, e não pessoalmente. O senhor acha saudável a criança usar
webcam, por exemplo, o dia todo?
TALMA - Eu acredito que webcam, essas coisas todas, não.
Mas PSP [videogame portátil],
joguinhos, tudo bem. E é o seguinte: o mundo não está muito
católico, não, né? Não dá para
você deixar o moleque solto. Às
vezes uma hora em casa na internet é melhor que duas horas
sem saber onde o cara está.
FOLHA - A TV não deveria criar produtos infantis mais lúdicos?
TALMA - Se você acompanhar
pelo mundo, não tem mais isso.
Quando eu comecei a fazer a
parte da manhã aqui na Globo,
a [roteirista] Mariana Caltabiano tinha uns bonequinhos que
eram lindos. Fizemos um projeto que era bom pra caramba.
Eram uns velhinhos que se perderam no espaço e tal. Na primeira reunião que tivemos em
São Paulo com garotos de 8 a 12
anos, o que a gente sofreu de
ver a falta de informação, a
agressividade... Quando você
usa um boneco, até os cinco
anos, a criança aceita; depois
dos cinco anos, a garotada toda
acha que estamos tentando enganá-los. Eles ficavam possessos num nível assustador, em
função de achar que estavam
sendo enganados.
FOLHA - Por quê?
TALMA - Porque eles passam o
dia com a mãe ligadona nessas
emissoras de merda, que estão
cobrindo só desgraça. Na cabeça deles, deixa de ter o lúdico,
não existe! Volta e meia a gente
toma uma porrada [perda de
audiência] por causa de novela
das seis, das sete, porque são
horários, vamos dizer assim,
que mexem muito com os [telejornais] locais ["Negócio da
China", dirigida por Talma, teve a pior audiência dos últimos
anos no horário das 18h]. O que
acontece é o seguinte: que novela você tem que fazer para suplantar aquele menino que sequestra a namorada, a amiga da
namorada, fica durante uma
semana cercado de policiais
com 500 mil pessoas, dão um
microfone para esse analfabeto
de merda e ele se torna ídolo? O
que você tem que colocar para
brigar contra isso? Com essa
realidade dura, crua e nojenta
que nós temos no Brasil? Quer
dizer, no mundo inteiro é assim. Torna-se inviável! A internet é o mais próximo da realidade, mas ainda pode existir lá
uma coisa lúdica.
FOLHA - Há diretores, como Jorge
Furtado, que tentam algo menos
realista, como a série "Decamerão".
TALMA - É uma série de época,
mas é uma história de corno.
De corno, de traição, de ser humano. É "a" que deu para "b",
que deu para "c".
FOLHA - A série que o senhor vai
lançar é realista também.
TALMA - Não sei se vocês viram,
mas meus personagens sonham. Sonham que estão voando, por exemplo. Tem um monte de coisa lá que eu acho que vai chegar às crianças.
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