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Novos poetas nomeiam o agora e "agoram-se"
Revista "Inimigo Rumor" aposta no fragmento
NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Se a idéia de totalidade está
previamente fracassada, o melhor a fazer não é lamentar-se
nem acreditar num grande futuro, que também não virá.
Nem luminoso nem catastrófico a ponto de justificar uma total desilusão. O que resta, então, para os produtores da cultura? Transformar o presente
em tempo e em linguagem. Nomear o agora e "agorar-se".
É o que fazem os novíssimos
poetas na revista "Inimigo Rumor", publicação da editora
Sette Letras, do Rio de Janeiro
e da editora Cosacnaify, de São
Paulo. Os 15 novos poetas apostam no fragmento, na fala do
agora. Os cortes dos versos são
inesperados, estranhos, com
aparência de prosa gratuita. O
tempo métrico é trôpego: "cruza uma esquina e vê. desligou/ a
chamada na hora/ precisa, a
voz cortada outra/ vez antes de
seguir/pelas ramblas"; um título de poema que é: "O QUE
PASSOU PELA CABEÇA DO
VIOLINISTA EM QUE A
MORTE ACENTUOU A PALIDEZ AO DESPENHAR-SE
COM SUA CABELEIRA NEGRA & SEU STRADIVARIUS
NO GRANDE DESASTRE AÉREO DE ONTEM"; ou "Venho
tomar café/ como quem reincide no vício./ Disse/ a mim mesma/ uns dias atrás" ou "sabe
aquele tecido que quanto mais
a gente lava/mais fica macio e
desbotado?", alguns dentre
inúmeros exemplos de pontuação insólita, interrupções bruscas, criando descontinuidade.
A descontinuidade é uma das
chaves para a transformação do
tempo caótico em coisa, em nome e em alguma luz. Não mais o
total; mas o completo parcial. É
o que aparece na entrevista que
a revista traz com o escultor Richard Serra, sobre seu último
trabalho, a série "Torqued
Ellipses". Em meio a uma extensa explanação sobre o projeto, o artista diz ter criado um
espaço desestabilizador e de
desorientação. E afirma que o
significado de uma obra não está nas intenções, mas em seu
esforço e atividade. O esforço
não como demonstração de
destreza, mas como ação, mesmo que desorientada e desorientadora. O tempo como ato e
não somente como potência.
Finalmente, no polêmico ensaio final da revista, Ricardo
Domeneck procura entender o
porquê da ínfima repercussão
da produção poética no Brasil.
Recusa um cânone, a formação
de uma tradição e sua continuidade, e propõe uma poesia antenada com seu tempo e as determinações históricas e tecnológicas, quebrando tabus sobre
a necessidade da arte de adequar-se aos meios de comunicação de massas.
Em outras palavras, o "Make
it New" de Pound precisa hoje
ser acrescido do "Make it Necessary". Afinal, o tempo também pede algumas coisas ao
homem. Precisamos responder
ao tempo e, por isso, revistas
como essa são necessárias.
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