São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br


VIA AÉREA
O papa Bento 16 é cidadão paulistano; vereador que propôs a homenagem quer entregar a honraria no Vaticano


São Paulo no peito

De Law Kin Chong, acusado de contrabando, ao papa Bento 16, a Câmara Municipal de SP concedeu mais de 200 medalhas e títulos que nunca foram entregues. E agora quer espetar as honrarias no peito dos agraciados

Um armário no terceiro andar da Câmara Municipal de São Paulo abriga cerca de 160 pastas de camurça, envelopes e canudos. São títulos de cidadão paulistano e diplomas de gratidão da cidade, concedidos por vereadores há décadas-e ainda não entregues aos homenageados. Há mais de 200 honrarias "engavetadas". Entre elas, a do papa Bento 16, a do chinês Law Kin Chong, preso por crimes como falsificação e lavagem de dinheiro, e a do líder do MST José Rainha.

 

Para limpar o armário, que guarda até diplomas de 1961, a Câmara está fazendo um "mutirão" de entrega das homenagens. Serão três etapas. A primeira, nesta quarta, distribuirá 30 honrarias propostas por parlamentares falecidos. A segunda, em outubro, é para ex-vereadores entregarem títulos aos familiares de homenageados já falecidos (como o ex-presidente Costa e Silva, Roberto Marinho, Franco Montoro, Nair Bello e Rolim Amaro). A terceira, em dezembro, para o que sobrar.
 

O chinês Law Kin Chong, acusado pela Polícia Federal de ser o maior contrabandista do país, não foi incluído na lista dos que devem receber o diploma de cidadão da cidade na primeira leva, desta semana. Mas está na fila, e dela não sairá -uma vez concedido, o título não pertence mais à casa, e sim ao homenageado. Chong foi agraciado em 1997, pelo ex-vereador Hanna Gharib - que, dois anos depois, perderia o mandato de deputado estadual acusado de liderar um esquema de propinas a fiscais da prefeitura. Gharib defende a homenagem: "Ele havia gerado um número enorme de empregos na rua 25 de março. A gente não tem bola de cristal".
 

A bispa Sonia Hernandes, da igreja Renascer em Cristo, por exemplo, recebeu a medalha Anchieta em 2004, das mãos da vereadora Claudete Alves (PT). Este ano, foi presa nos Estados Unidos por crimes como contrabando de divisas, conspiração e falso testemunho. Claudete Alves freqüenta a Renascer. E justifica a homenagem: "A honraria para a bispa Sônia não foi religiosa, mas pelo trabalho social que ela faz com viciados em drogas e no "Expresso da Solidariedade", um ônibus que percorre as comunidades carentes levando cidadania e auto-estima".
 

Na fila das homenagens da Câmara está também José Rainha Júnior, líder do MST que responde em liberdade a condenações por incêndio criminoso, furto qualificado, porte ilegal de arma e dano ao patrimônio público. O título de cidadão paulistano de Rainha foi aprovado em 2000, depois de muita polêmica. "Fui chamado de amigo de terrorista, invasor de terras, disseram que ele era assassino", conta o autor da proposta, o ex-vereador Adriano Diogo, do PT, que hoje é deputado estadual. Dificilmente, porém, uma honraria é reprovada pela Câmara. Rainha recebeu os votos e pode ser chamado ainda este ano para receber o diploma-cidadão.
 

Os problemas de Rainha com a Justiça não foram os maiores obstáculos para que a homenagem a ele fosse aprovada -e sim a sua ligação com o movimento dos sem-terra. O respeitado fotógrafo Sebastião Salgado, por exemplo, quase ficou sem o título por causa de suas ligações com movimentos de esquerda, diz o mesmo Adriano Diogo, autor da proposta de conceder a Salgado um título de cidadão. "Reclamaram até porque convidei o [ator] Sérgio Mamberti para entregar o diploma a ele. Ninguém queria presidir a sessão solene", diz Diogo. "No meio daquele pântano, o único que me ajudou, por incrível que pareça, foi o Brasil Vita [ex-vereador ligado a Paulo Maluf, que ficou 40 anos na Câmara]. Ele se ofereceu para presidir a sessão e tudo terminou bem", diz Diogo.
 

O ex-boxeador e ex-vereador Eder Jofre se orgulha de sua lista de homenageados, que inclui o médium Chico Xavier e Leonel Brizola, já falecidos. "Ninguém para quem eu dei título foi preso", diz. As honrarias ainda estão pendentes na Câmara, que não as entregou durante os quatro mandatos de Jofre (1986/ 2000).
 

O vereador Domingos Dissei, do DEM, correu risco zero: ele concedeu título de cidadão paulistano ao papa Bento 16. Dissei, no entanto, não pretende dividir o momento divino da homenagem com os colegas. Recentemente, ele retirou a honraria da casa, para entregá-la pessoalmente. Tentou na visita do pontífice a São Paulo. Fracassou. Agora, sonha mais alto. "Quero ir ao Vaticano para dar o título a ele", diz.
 

Crítico contumaz da "elite" de São Paulo, o ex-ministro Ciro Gomes (PSB-CE) também está na fila para receber o título de cidadão paulistano, aprovado em 1998. E nem sabia disso - até ser informado pela coluna. Mas o que ele fez por São Paulo? Ciro fica contrariado com a pergunta. "Como é que alguém que luta na causa pública nacional não passa por São Paulo? Na elite desta cidade, infelizmente, viceja um provincianismo sofrido, dramático. Talvez você esteja sendo vítima disso", diz ele ao repórter. "Eu era candidato a presidente, então a homenagem pode ter sido uma convocação para que eu me comprometesse com a cidade. Um título nem sempre é dado por gratidão. Às vezes, é por uma boa intenção da cidade", diz Ciro. "Outras vezes, é por ociosidade mesmo, pelo vereador não ter o que fazer."
 

O autor da homenagem a Ciro é o vereador Edivaldo Estima, do PPS, que cumpre o quarto mandato. "O Ciro é nordestino como eu, cabra bom", diz ele. Estima concedeu título paulistano também a Luiz Gonzaga Lira, gerente de vendas da Toyota. Motivo: "Ele é meu amigo. É um cabra sofredor, que chegou do Nordeste, do nada, e hoje é um vencedor".
 

No começo do ano, a Câmara decidiu criar uma "comissão de admissibilidade" para analisar o currículo dos candidatos às honrarias paulistanas. Ela é formada por dois vereadores. Um deles, Rogério Farhat (PTB), que se elegeu como "o advogado do "Programa do Ratinho", em 2000, já tem o seu homenageado. Adivinhe? É isso mesmo: Farhat aprovou a concessão da medalha Anchieta para o ex-chefe Carlos Massa, o Ratinho.


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: O preço da cultura
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.