São Paulo, quarta-feira, 19 de agosto de 2009

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Rock cabeção

Com letras viajantes, banda Cidadão Instigado questiona a modernidade e sugere volta a vida mais tranquila

Leonardo Wen/Folha Imagem
Fernando Catatau, Rian Batista, Regis Damasceno, Dustan Gallas, Clayton Martin e Kali lAlaia: grupo buscou unir técnicas ‘antigas’ e elementos eletrônicos no processo de gravação do disco

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O sol causa efeitos estranhos nas pessoas. Em uma praia argelina, com a cabeça fritando, Meursault matou um árabe "por causa do sol". Esse era "O Estrangeiro", o principal romance de Albert Camus.
Em clima menos existencialista, sob o sol escaldante de Fortaleza, o cearense Fernando Catatau começou a ver coisas, como o sisudo Neil Young dançando reggae com uma nativa, e gritou "Uhuuu!".
Referências díspares, cruzadas e inusitadas fazem parte do universo do Cidadão Instigado, a banda deste cantor e compositor de 37 anos. Sediado em São Paulo desde 2000, o grupo, um dos mais cultuados da cena alternativa, ao lado de nomes como Hurtmold, lança seu terceiro disco, que carrega o enigmático título "Uhuuu!".
O grito de guerra de surfistas também é o refrão de "Escolher pra Quê?", que começa com os versos "O sol vem queimando nossas pestanas/ o sol vem rachando nossas banhas". Catatau explica: "Tenho vários amigos hippies em Fortaleza, que moram em comunidades perto da praia, das dunas". "É uma brincadeira entre a gente: "Uhuuu, resistência jovem". Eu já surfei muito no passado."
Ainda que esteja "solar" musicalmente, o Cidadão Instigado não deixou de lado os temas e os climas mais sombrios que sempre o... instigaram.
Em 2002, com o disco de estreia, "O Ciclo da Decadência", a banda tinha um caráter teatral, épico, lembrando Tom Zé e Cordel do Fogo Encantado. Com o seguinte, "Cidadão Instigado e o Método Túfo de Experiências" (2005), deixou evidente a influência do romantismo brega, de Marcio Greyck a Roberto Carlos. Mas não pense que o Cidadão é banda irresponsável, que usa o gênero apenas para fazer graça.
"Não tenho problemas com esse rótulo. Mas eu nem me acho brega. É apenas meu jeito de falar sobre amor. Se a música é boa, é boa. Pode ser sofisticada, brega, o que for", afirma Catatau. "Quando era criança, lá em Fortaleza, eu ouvia muita música de rádio AM. E sempre tocava balada romântica de roqueiro: Scorpions, Black Sabbath, Kiss.... Não vejo diferença. Só porque é cantado em inglês não é brega?"
As músicas de "Uhuuu" mostram como o Cidadão conseguiu fundir esses dois universos sem perda para nenhum dos lados.
"Contando Estrelas", por exemplo, tem teclados que remetem ao som de radinho de pilha do quarto de empregada e termina desacelerada, com guitarras que lembram as viagens psicodélicas do Pink Floyd. "Doido" segue a mesma linha, com letra que versa sobre paranoia; Arnaldo Antunes participa desta e também de "O Cabeção" -Catatau, por sinal, produziu o novo disco do cantor.

Recomeçar
Ainda que faça questão de enfatizar que o Cidadão é uma banda, e não projeto de um homem só, Catatau se mostra um catalisador de talentos. Entre seus projetos paralelos estão participações como guitarrista de Otto, Cibelle, Vanessa da Mata e Instituto Racional.
Com exceção de "Escolher pra Quê?", as letras e músicas do disco são de Catatau. Nelas, são recorrentes a noção de valorização do passado e a ideia de recomeços na vida. "Minha mãe tinha loja num shopping de Fortaleza, apartamento próprio, carro, casa de praia. A gente tinha tudo. Daí veio o Collor e tirou tudo. Meu pai também perdeu tudo. Daí, em 1994, vim pela primeira vez pra São Paulo e fui morar no Bexiga, num lugar bem barra-pesada."
"O Nada", que abre o disco, aborda de certa maneira esse tema. "Abram as portas das suas casas/ deixem os ladrões entrarem", canta Catatau. "A ideia é bem simples: você tem que se desapegar dos bens materiais. Se você se garantir, você pode reconstruir tudo de novo", diz o músico. Com o novo disco, não é preciso ser surfista para gritar "Uhuuu!".


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