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MÚSICA
Crítica/"Nego"
Carlos Rennó aproxima clássicos americanos à MPB
Artistas como Gal Costa e João Bosco cantam versões de compositores judeus
MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando, em 1999, preparava os versos de
"Canções, Versões"
-álbum em que trazia para o
nosso idioma temas clássicos
dos compositores americanos
George e Ira Gershwin e Cole
Porter-, o letrista Carlos Rennó fez as seguintes contas: são
necessárias, em média, 17 sílabas em português para traduzir
um texto que, em inglês, consome apenas dez. Quase o dobro.
Uma década depois, Rennó
volta a lidar com essa equação.
"Nego", que ele lança nos próximos dias, traz suas versões para
"standards" americanos compostos por judeus: Richard
Rodgers e Lorenz Hart, Irving
Berlin, Harold Arlen, Jerome
Kern e Oscar Hammerstein e,
de novo, os irmãos Gershwin.
Sobre arranjos de Jacques
Morelenbaum, as novas letras
são apresentadas aqui nas vozes de Gal Costa, Moreno Veloso, João Bosco, Elba Ramalho e
Dominguinhos, entre outros.
Verter da língua de Shakespeare para a de Camões também é
-as contas de Rennó comprovam- resumir. E, se levarmos
em conta que poesia já é uma
forma sintética de linguagem,
uma versão bem feita de uma
grande letra de música pode ser
considerada a síntese da síntese, a poesia da poesia.
Com um número generoso
de achados poéticos, é isso que
Rennó consegue em muitos dos
mais de 60 minutos de "Nego".
O encarte bilingue confronta as
duas letras, a original e sua respectiva versão, para quem quiser se divertir pescando cada
um deles enquanto o disco toca.
Exemplos disso. Em "Mais
Além do Arco-Íris", versão para
"Over the Rainbow" (Harold
Arlen e Ira Gershwin) trazida
com doçura pela voz de Zélia
Duncan, a longa frase "Where
troubles melt like lemon
drops" encolhe para "Problemas viram picolé".
"Encantada", letra em português para "Bewitched, Bothered and Bewildered" (Rodgers
e Hart) -que aqui ganha interpretação especialmente sexy
de Maria Rita-, troca os versos
"I've seen a lot/ I mean a lot/
But now I'm like sweet seventeen a lot" pelos curtinhos "Vi
demais/ Vivi demais/ Mas hoje
eu já adolesci demais".
Mas todo caráter cerebral
desse preciosismo técnico desaparece -e isso é outra qualidade do trabalho- quando as
letras ganham corpo na voz dos
cantores. Especialmente na
dos cantores/compositores.
Erasmo Carlos, por exemplo,
põe para fora em "Verão"
("Summertime") sua veia blueseira em registro vocal ultracool, quente e aveludado, como
fez poucas vezes antes daqui.
Ou Seu Jorge, que nunca cantou tão bem na vida quanto em
"Estranha Fruta" ("Strange
Fruit"), em que dobra a voz em
um grave profundo (para ele) e
um agudo em falsete.
Surpresas como essas, que
escapam a qualquer técnica,
tornam "Nego" ainda mais saboroso. Mesmo para quem não
está nem aí para rimas, métricas, aliterações...
NEGO
Artista: vários
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 33,90
Avaliação: bom
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