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ANÁLISE
A ciência ainda não sabe como entrar no sonho de outra pessoa
SUZANA HERCULANO-HOUZEL
COLUNISTA DA FOLHA
No filme de Christopher
Nolan, sonha-se imediatamente ao adormecer conectado a uma máquina.
O tempo sonhado é estendido em relação ao tempo
real; há sonhos, sonhos dentro de sonhos e outros dentro
desses, todos podendo ser
compartilhados por cossonhadores, ligados à mesma
máquina, e dos quais se acorda com uma "senha" musical
e sensação de queda.
São recursos narrativos
que fazem o roteiro funcionar, mas que pouco têm a ver
com a realidade.
Desde 1953, quando foi
descoberta a fase do sono
chamada de REM (sigla em
inglês para movimento rápido dos olhos), sabe-se que
sonhos ricos em imagens são
concentrados aí e não ocorrem logo ao adormecer.
Durante a noite, sonha-se
várias vezes, em fases REM
cada vez mais longas, que
chegam a durar uma hora antes do despertar. O tempo
passado em sono REM, contudo, é proporcional à extensão dos sonhos lembrados:
ao contrário do tempo estendido no filme, uma história
vivida, lembrada ou sonhada
tem a mesma duração.
E não deveria ser diferente, já que hoje entendemos os
sonhos como reativações de
memórias iniciadas durante
o dia, um palco de experimentação com o seu banco
de dados pessoal.
IMPENETRÁVEIS
Estudos mostram que, durante os sonhos, as regiões
de córtex associativo no cérebro, que participam das percepções sensoriais internas,
são fortemente ativadas, juntamente a outras estruturas
que dão o tom emocional às
nossas vivências, de maneira
semelhante a quando se imagina ou se lembra de experiências anteriores.
Ao contrário, as regiões
sensoriais primárias, que recebem informação diretamente dos sentidos, ficam
pouco ativas: durante os sonhos, o cérebro dá prioridade
a processar informações internas, de maneira quase independente dos sentidos.
Por isso, e ao contrário do
que ocorre no filme de Nolan,
não é comum que os estímulos externos que acontecem
durante o sono sejam incorporados aos sonhos.
É possível, claro, sonhar
que se estava sonhando. Mas
isso ocorre ao longo de um
mesmo sonho: até onde se
sabe, não há níveis diferentes de sono REM.
Existem drogas que facilitam ou dificultam a ocorrência de sono REM, mas não
que o induzem diretamente.
E, mesmo que exames mostrem as partes do cérebro ativadas durante o sono, não é
possível (ainda) saber com o
que alguém sonhava.
Sonhos são pessoais, privados e praticamente impenetráveis; a única maneira
de interferir no seu conteúdo
é através das experiências vividas no estado acordado.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL , neuro-cientista, é autora de "Pílulas de Neuro-ciência para uma Vida Melhor" (Sextante)
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