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comida
O mistério do polvo
Animal de oito tentáculos se tornou raro na costa brasileira e escasso nos cardápios de São Paulo
LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO
Sumiram os polvos corpulentos da costa brasileira.
Chefs de cozinha estão aflitos
atrás do bicho, em falta em
São Paulo. Desde junho a
oferta tem caído -só restam
animais pequenos, abaixo
do peso ideal para consumo
(acima de dois quilos).
"Não existe certeza científica, mas sugiro que haja
uma pesca em excesso. Está
se pescando tanto polvo juvenil que eles não crescem",
diz o pesquisador científico
do Instituto de Pesca de São
Paulo Acácio Tomás. "Se diminuir a pesca, rapidamente
[a oferta] se recupera."
Polvos vivem pouco (cerca
de dois anos), mas se reproduzem com velocidade -e o
ano inteiro. Fêmeas chegam
a botar até 400 mil ovos -a
estimativa é a de que apenas
dois alcancem a idade adulta. Durante a chocagem, as
mães deixam de se alimentar, definham e morrem.
Ocupam o longo da costa,
mas preferem águas frias,
onde acumulam mais gordura e ficam mais suculentos.
São capturados de forma
peculiar, ao menos no Sul e
no Sudeste. Reintroduzida
nos anos 2000, a pesca de pote -distribuídos ao longo da
costa e presos por um fio-
atrai os animais, que se escondem em rochas depois de
se alimentar. Depois de três
dias em média, as armadilhas são içadas do mar.
Embora mais ecológica,
não é única. Há pescadores
que ainda o fazem de modo
predatório, com uma rede
que arrasta animais -machuca e às vezes mata.
SUMIÇO
Um dos reflexos do "sumiço" do polvo da costa brasileira é a importação de cefalópodes espanhóis. Paola Carosella, do Arturito, acaba de
comprar um contêiner de
400 quilos do animal, que teve de manter estocados nos
congeladores do fornecedor.
Antes de adquirir essa remessa, a chef vinha usando
polvo massageado, que passa por uma máquina onde é
batido para ficar mais macio.
"Ultimamente estava vindo
com 500 g e eu não compro
polvo com menos de 1,5 kg
porque é muito bebê."
Bella Masano, do Amadeus, fez outra manobra. Para não privar seus clientes do
prato, passou a servi-lo no
menu-degustação. "Nunca
tinha acontecido do meu fornecedor falar "não tenho polvo grande". Só no menu-degustação posso trabalhar
com um tentáculo menor."
Já Gabriela Barreto, do
Chou, não teve saída: sob
protesto, tirou o carro-chefe
do menu há uma semana, até
que a situação se normalize.
"Quanto menor é o polvo,
maior é a perda ao limpá-lo e
o custo vai lá para cima."
André Mifano foi por um
caminho semelhante. Apesar
de manter dois pratos (pelo
menos quando recebe bons
exemplares), deixou de lançar uma novidade ("monólogo do polvo") que vinha planejando há algum tempo.
"Preciso de um megapolvo.
Tentáculos pequenos ficam
com consistência de frango."
No Sal, Henrique Fogaça
trabalha com quatro fornecedores e apenas um tem lhe
vendido o animal nos padrões. Raphael Despirite, do
Marcel, não usa o produto
em grande volume, mas também tem sentido falta de encontrá-lo. "Parece que está
em extinção."
BICHO DIFÍCIL
Não importa quanta técnica tenha um cozinheiro.
Quando se trata do preparo
desse bicho difícil, todos eles
têm uma superstição. Batê-lo
no tanque, dar choque térmico, cozinhá-lo com uma rolha na panela ou, ainda, com
um palitinho espetado em
um de seus tentáculos.
Vários deles também já
mudaram suas formas de
preparo ao longo da carreira.
Paola Carosella antes usava
"panela de barro, pouquíssima água e fogo muito baixo".
Hoje faz diferente: cozinha
na panela de pressão, submerso em água.
"Deixo o polvo na água até
que fique complemente fria.
As carnes relaxam quando
esfriam e têm capacidade de
absorver o que tem por perto.
Ficam mais suculentas", diz.
"E é um animal que se beneficia com o congelamento,
pois as fibras quebram e ele
fica mais macio. Mas o polvo
não tem de ser como um filé
mignon, tem de ter certa resistência", diz a chef. "Se fica
macio demais, desmancha e
parece um queijo de Minas."
Gabriela Barreto mergulha
três vezes o polvo na água
quente antes de deixá-lo cozinhar em fervura branda.
"Dizem que isso ajuda a fazer
com que ele não fique retraído de uma vez, pois, quando
se coloca o polvo na água fervente, ele se contrai e a carne
fica rija", diz. "Mas faço isso
mais por superstição [risos]."
Bella Masano aprendeu a
estratégia do palitinho com o
prestigiado chef português
Vitor Sobral. "Na hora em
que o polvo está cozido, o palitinho sai facilmente do tentáculo. Nunca deu errado."
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