São Paulo, quinta-feira, 19 de agosto de 2010

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comida

O mistério do polvo

Animal de oito tentáculos se tornou raro na costa brasileira e escasso nos cardápios de São Paulo

LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO

Sumiram os polvos corpulentos da costa brasileira. Chefs de cozinha estão aflitos atrás do bicho, em falta em São Paulo. Desde junho a oferta tem caído -só restam animais pequenos, abaixo do peso ideal para consumo (acima de dois quilos).
"Não existe certeza científica, mas sugiro que haja uma pesca em excesso. Está se pescando tanto polvo juvenil que eles não crescem", diz o pesquisador científico do Instituto de Pesca de São Paulo Acácio Tomás. "Se diminuir a pesca, rapidamente [a oferta] se recupera."
Polvos vivem pouco (cerca de dois anos), mas se reproduzem com velocidade -e o ano inteiro. Fêmeas chegam a botar até 400 mil ovos -a estimativa é a de que apenas dois alcancem a idade adulta. Durante a chocagem, as mães deixam de se alimentar, definham e morrem.
Ocupam o longo da costa, mas preferem águas frias, onde acumulam mais gordura e ficam mais suculentos.
São capturados de forma peculiar, ao menos no Sul e no Sudeste. Reintroduzida nos anos 2000, a pesca de pote -distribuídos ao longo da costa e presos por um fio- atrai os animais, que se escondem em rochas depois de se alimentar. Depois de três dias em média, as armadilhas são içadas do mar.
Embora mais ecológica, não é única. Há pescadores que ainda o fazem de modo predatório, com uma rede que arrasta animais -machuca e às vezes mata.

SUMIÇO
Um dos reflexos do "sumiço" do polvo da costa brasileira é a importação de cefalópodes espanhóis. Paola Carosella, do Arturito, acaba de comprar um contêiner de 400 quilos do animal, que teve de manter estocados nos congeladores do fornecedor.
Antes de adquirir essa remessa, a chef vinha usando polvo massageado, que passa por uma máquina onde é batido para ficar mais macio. "Ultimamente estava vindo com 500 g e eu não compro polvo com menos de 1,5 kg porque é muito bebê."
Bella Masano, do Amadeus, fez outra manobra. Para não privar seus clientes do prato, passou a servi-lo no menu-degustação. "Nunca tinha acontecido do meu fornecedor falar "não tenho polvo grande". Só no menu-degustação posso trabalhar com um tentáculo menor."
Já Gabriela Barreto, do Chou, não teve saída: sob protesto, tirou o carro-chefe do menu há uma semana, até que a situação se normalize. "Quanto menor é o polvo, maior é a perda ao limpá-lo e o custo vai lá para cima."
André Mifano foi por um caminho semelhante. Apesar de manter dois pratos (pelo menos quando recebe bons exemplares), deixou de lançar uma novidade ("monólogo do polvo") que vinha planejando há algum tempo. "Preciso de um megapolvo. Tentáculos pequenos ficam com consistência de frango."
No Sal, Henrique Fogaça trabalha com quatro fornecedores e apenas um tem lhe vendido o animal nos padrões. Raphael Despirite, do Marcel, não usa o produto em grande volume, mas também tem sentido falta de encontrá-lo. "Parece que está em extinção."

BICHO DIFÍCIL
Não importa quanta técnica tenha um cozinheiro. Quando se trata do preparo desse bicho difícil, todos eles têm uma superstição. Batê-lo no tanque, dar choque térmico, cozinhá-lo com uma rolha na panela ou, ainda, com um palitinho espetado em um de seus tentáculos.
Vários deles também já mudaram suas formas de preparo ao longo da carreira. Paola Carosella antes usava "panela de barro, pouquíssima água e fogo muito baixo". Hoje faz diferente: cozinha na panela de pressão, submerso em água.
"Deixo o polvo na água até que fique complemente fria. As carnes relaxam quando esfriam e têm capacidade de absorver o que tem por perto. Ficam mais suculentas", diz.
"E é um animal que se beneficia com o congelamento, pois as fibras quebram e ele fica mais macio. Mas o polvo não tem de ser como um filé mignon, tem de ter certa resistência", diz a chef. "Se fica macio demais, desmancha e parece um queijo de Minas."
Gabriela Barreto mergulha três vezes o polvo na água quente antes de deixá-lo cozinhar em fervura branda. "Dizem que isso ajuda a fazer com que ele não fique retraído de uma vez, pois, quando se coloca o polvo na água fervente, ele se contrai e a carne fica rija", diz. "Mas faço isso mais por superstição [risos]."
Bella Masano aprendeu a estratégia do palitinho com o prestigiado chef português Vitor Sobral. "Na hora em que o polvo está cozido, o palitinho sai facilmente do tentáculo. Nunca deu errado."


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