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MARCELO COELHO
A lógica do extremismo e algumas obviedades fora de hora
Bombardear o Afeganistão certamente não vai acabar com o terrorismo internacional nem prevenir outros ataques
contra os Estados Unidos. Isso é
bastante óbvio, e foi mais ou menos o que disse uma deputada
americana, Barbara Lee, há alguns dias.
Tudo indica, entretanto, que essa opinião é minoritária no momento. Barbara Lee ficou sozinha
no Congresso. Foi a única que
não quis autorizar o presidente
Bush a usar força militar máxima
em resposta aos atentados da semana passada. Foram 420 votos a
um.
Claro que, depois de um ataque
terrorista dessas dimensões, o espírito é mesmo de vingança, e há
pouca gente disposta a raciocinar
friamente sobre o que pode acontecer.
Ainda mais porque fica no ar a
idéia de que "é preciso fazer alguma coisa". Essa frase sempre me
assusta. Quando alguém simplesmente diz que "é preciso fazer alguma coisa", há 99% de probabilidade de que seja feita a coisa errada.
Não vou discorrer sobre geopolítica e assuntos estratégicos. Mas
arrisco alguns comentários.
Todo mundo está dizendo que o
Taleban ficou isolado. Afinal, o
"mundo árabe" condenou quase
unanimemente o atentado, e os
Estados Unidos obtiveram apoio
até mesmo de tradicionais inimigos seus.
Logo o tiro saiu pela culatra.
Nunca os Estados Unidos estiveram tão fortes e coesos, e os extremistas, se tivessem pensado melhor (mas eles pensam? são capazes dessa atividade tão refinada,
tão ocidental?), enfim, se tivessem
pensado só um pouquinho, não
teriam cometido o atentado.
Acho que não é bem assim. Especulo um pouco: veja-se o caso
do Paquistão. Muito bem que o
governo paquistanês declare seu
apoio aos Estados Unidos e se disponha a caçar Bin Laden. Mas o
que acha disso a população paquistanesa? É bem possível que
muita gente considere o apoio aos
EUA uma traição ao islamismo. E
passe a apoiar o Taleban.
Não é claro que isso pode ocorrer em todo o mundo muçulmano? Suponho que em cada país
árabe exista uma oposição ao governo. Se o governo se torna excessivamente pró-americano numa situação de guerra a um país
árabe, é automática, a meu ver, a
"talebanização" das oposições.
O sentido do atentado, a meu
ver, é bem esse: expandir o Taleban por todos os países árabes.
O raciocínio é o mesmo no Ocidente e no islã. As autoridades
americanas dizem: "Quem não
está conosco está contra nós". Invocam-se os valores da civilização
ocidental. Acho razoável imaginar que um "formador de opinião" muçulmano termine dizendo: "Quem apóia os Estados Unidos está contra nós e é um inimigo dos valores do islamismo".
Outro aspecto. Os Estados Unidos têm de comprar o apoio de todos os países da região. Mas há
países rivais entre si. Será que os
EUA, mesmo com seu imenso poder, têm condições de agradar ao
Paquistão sem desagradar à Índia, por exemplo? Se todos estão a
favor dos americanos, não vai ser
difícil contentar a todos ao mesmo tempo?
Passada a comoção imediata
em torno do atentado, é inevitável que algumas obviedades sejam lembradas. O poderio militar
americano foi construído para lidar com países inimigos. Países
são lugares. Podem ser encontrados no mapa e, consequentemente, podem ser bombardeados.
Contudo nenhum presidente
americano até hoje teve a idéia de
usar a bomba atômica contra a
Máfia, por exemplo. Ouvi falar de
planos para pôr fogo em todas as
plantações de coca da América do
Sul, mas pouca gente acredita que
isso dê certo.
É evidente que, para cada Bin
Laden que matarem, nascerão
outros 200. Repito o que um amigo me disse há alguns dias. Quantos jovens radicais, em todo o
Oriente Médio, não gostariam de
ter feito um atentado desses? Não
um atentado qualquer, mas o
mais espetacular ataque jamais
cometido contra os Estados Unidos. Bin Laden, ou seja lá quem
for, provou que é possível fazer isso. Não haverá, nesses países,
uma fila de gente para entrar na
sua organização?
Parece até de mau gosto um raciocínio desses -coisa de radicais, de criptoxiitas. Criou-se um
tal clima na opinião pública
mundial que só a retaliação militar "faz sentido". É preciso que seja espetacular, cinematográfica,
como o próprio atentado.
O mero registro jornalístico dos
fatos vem carregado de "sentido",
de emoção, de ideologia. "America under attack" e "America's
New War", dizem os logotipos da
CNN, com uma bandeirinha
americana tremulando ao lado.
Tudo se estetiza: as cenas de resgate se impregnam do heroísmo
fotogênico e saudável dos tempos
pré-Vietnã.
As imagens são reais, claro, não
foram feitas de encomenda. Mas,
escolhidas a dedo, correspondem
a um ideal de americanidade há
muito em desuso. Vêm substituir,
depois de quase 40 anos, aquela
foto da menina vietnamita chorando, nua, depois de um ataque
de napalm.
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