São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 2002

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Aplauso não enche barriga


Maguy Marin olha para as questões sociais da AL no espetáculo que vem ao Brasil em 2003


ANA FRANCISCA PONZIO
ENVIADA ESPECIAL A LYON

A América Latina é o tema do novo espetáculo da coreógrafa francesa Maguy Marin. Intitulado "Les Applaudissements Ne Se Mangent Pas", que no português corriqueiro pode ser traduzido como "aplausos não enchem barriga", a nova criação de Marin estreou segunda-feira na França, na 10ª Bienal da Dança de Lyon.
Destaque da programação da bienal, que neste ano tem a América Latina como tema, "Les Applaudissements" deve chegar ao Brasil em 2003. É o que Marin informou à Folha em entrevista exclusiva, depois da estressante estréia em Lyon, que teve de ser adiada por três dias por causa da luxação de costela sofrida por um bailarino durante os ensaios.
"Sou filha de espanhóis que trabalharam duro quando se instalaram na França. Por isso, sou sensível à luta dos povos pobres e excluídos", disse Marin. A seguir, trechos de sua entrevista.

Folha - Que referências você utilizou para desenvolver "Les Applaudissements"?
Maguy Marin -
Há muitos anos mantenho contato com latino-americanos e o testemunho dessas pessoas me ajudou bastante. Também me serviram de referência as viagens que fiz à América Latina. Além disso, li muito sobre o continente, principalmente livros de Eduardo Galeano. Outras fontes foram artigos sobre a economia da região e o livro "A Dívida", escrito pelo jornalista e escritor francês Maurice Lemoine.

Folha - A cultura latino-americana geralmente é associada às festas populares e essa visão pode ser confirmada inclusive na Bienal de Lyon deste ano. Seu espetáculo, no entanto, escapa disso para transmitir uma visão dramática. Como você vê a América Latina?
Marin -
É muito duro o que se passa na América Latina. Me parece que, desde que foi descoberto, esse continente sofre uma pilhagem permanente. Há povos que foram mortos, há o genocídio praticado contra os índios. Penso que a América Latina é um laboratório, onde os países ricos fazem testes para ver como podem ganhar mais dinheiro. Há um sistema econômico bem construído, em que o dinheiro está sempre nas mãos das mesmas pessoas e instituições, as quais não têm interesse em mudar essa situação. Acho que as democracias que existem hoje na América Latina são ditaduras disfarçadas, mesmo realizando eleições livres. Quanto mais leio sobre o assunto, mais me revolto, mais me dá vontade de falar a respeito. Por isso, me recuso a falar sobre o lado festivo da América Latina, sobre a generosidade de suas populações, sobre a música ou os lugares lindos que lá existem. Isso todo mundo já sabe.

Folha - Como surgiu o título de seu espetáculo?
Marin -
Trata-se de uma expressão que Eduardo Galeano utilizou para dizer que o FMI e o Banco Mundial aplaudem os países subdesenvolvidos quando estes pagam suas dívidas. Porém, essas estruturas econômicas não se importam com o sacrifício que impõem aos povos pobres.

Folha - A palavra falada costuma fazer parte de seus espetáculos. Por que desta vez, trabalhando com tema tão forte, você as elimina para dar exclusividade à dança?
Marin -
Não há uma razão especial. Durante o processo de criação, improvisávamos muito a partir de palavras. Depois, percebi que, por serem muito precisas, seria mais forte não pronunciá-las. Instalou-se então o silêncio e passamos a trabalhar com a sugestão, concentrada na expressividade dos movimentos.

Folha - A trilha sonora de Denis Mariotte é como um som sem muita variação, que vibra sob tensão. Essa abordagem se estende à coreografia?
Marin -
É isso mesmo, a coreografia também é uma vibração sob tensão. É como se houvesse uma tensão que se torna forte a ponto de provocar um cisma humano, uma catástrofe natural.


BIENAL DA DANÇA DE LYON. Até 29 de setembro. Site: www.biennale-de-lyon.org.

A jornalista Ana Francisca Ponzio viajou a convite da organização da Bienal da Dança de Lyon



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