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Aplauso não enche barriga
Maguy Marin olha para as questões sociais da AL no espetáculo que vem ao Brasil em 2003
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ANA FRANCISCA PONZIO
ENVIADA ESPECIAL A LYON
A América Latina é o tema do
novo espetáculo da coreógrafa
francesa Maguy Marin. Intitulado
"Les Applaudissements Ne Se
Mangent Pas", que no português
corriqueiro pode ser traduzido
como "aplausos não enchem barriga", a nova criação de Marin estreou segunda-feira na França, na
10ª Bienal da Dança de Lyon.
Destaque da programação da
bienal, que neste ano tem a América Latina como tema, "Les Applaudissements" deve chegar ao
Brasil em 2003. É o que Marin informou à Folha em entrevista exclusiva, depois da estressante estréia em Lyon, que teve de ser
adiada por três dias por causa da
luxação de costela sofrida por um
bailarino durante os ensaios.
"Sou filha de espanhóis que trabalharam duro quando se instalaram na França. Por isso, sou sensível à luta dos povos pobres e excluídos", disse Marin. A seguir,
trechos de sua entrevista.
Folha - Que referências você utilizou para desenvolver "Les Applaudissements"?
Maguy Marin - Há muitos anos
mantenho contato com latino-americanos e o testemunho dessas pessoas me ajudou bastante.
Também me serviram de referência as viagens que fiz à América
Latina. Além disso, li muito sobre
o continente, principalmente livros de Eduardo Galeano. Outras
fontes foram artigos sobre a economia da região e o livro "A Dívida", escrito pelo jornalista e escritor francês Maurice Lemoine.
Folha - A cultura latino-americana geralmente é associada às festas populares e essa visão pode ser
confirmada inclusive na Bienal de
Lyon deste ano. Seu espetáculo, no
entanto, escapa disso para transmitir uma visão dramática. Como
você vê a América Latina?
Marin - É muito duro o que se
passa na América Latina. Me parece que, desde que foi descoberto, esse continente sofre uma pilhagem permanente. Há povos
que foram mortos, há o genocídio
praticado contra os índios. Penso
que a América Latina é um laboratório, onde os países ricos fazem testes para ver como podem
ganhar mais dinheiro. Há um sistema econômico bem construído,
em que o dinheiro está sempre
nas mãos das mesmas pessoas e
instituições, as quais não têm interesse em mudar essa situação.
Acho que as democracias que
existem hoje na América Latina
são ditaduras disfarçadas, mesmo
realizando eleições livres. Quanto
mais leio sobre o assunto, mais
me revolto, mais me dá vontade
de falar a respeito. Por isso, me recuso a falar sobre o lado festivo da
América Latina, sobre a generosidade de suas populações, sobre a
música ou os lugares lindos que lá
existem. Isso todo mundo já sabe.
Folha - Como surgiu o título de
seu espetáculo?
Marin - Trata-se de uma expressão que Eduardo Galeano utilizou
para dizer que o FMI e o Banco
Mundial aplaudem os países subdesenvolvidos quando estes pagam suas dívidas. Porém, essas
estruturas econômicas não se importam com o sacrifício que impõem aos povos pobres.
Folha - A palavra falada costuma
fazer parte de seus espetáculos.
Por que desta vez, trabalhando
com tema tão forte, você as elimina
para dar exclusividade à dança?
Marin - Não há uma razão especial. Durante o processo de criação, improvisávamos muito a
partir de palavras. Depois, percebi
que, por serem muito precisas, seria mais forte não pronunciá-las.
Instalou-se então o silêncio e passamos a trabalhar com a sugestão,
concentrada na expressividade
dos movimentos.
Folha - A trilha sonora de Denis
Mariotte é como um som sem muita variação, que vibra sob tensão.
Essa abordagem se estende à coreografia?
Marin - É isso mesmo, a coreografia também é uma vibração
sob tensão. É como se houvesse
uma tensão que se torna forte a
ponto de provocar um cisma humano, uma catástrofe natural.
BIENAL DA DANÇA DE LYON. Até 29 de
setembro. Site: www.biennale-de-lyon.org.
A jornalista Ana Francisca Ponzio viajou a convite da organização da Bienal
da Dança de Lyon
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