São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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Monitores da Faap ganham mais do que os da USP

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Bienal do ingresso gratuito e do discurso pró-inclusão social será aquela em que uns monitores vão ganhar mais do que outros. Um aluno de artes plásticas da USP vale 43,8% a menos do que o estudante do mesmo curso da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), segundo os pagamentos a monitores da 26ª Bienal Internacional de São Paulo.
Os da Faap recebem uma bolsa de R$ 800 por mês; os da USP, Unesp (Universidade Estadual Paulista) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), entre outras, ganham uma ajuda da Bienal de R$ 15 por dia. O ganho 43,8% menor foi estimado a partir da hipótese de que o monitor trabalharia 30 dias por mês.
A Folha entrevistou cinco monitores, e eles disseram que não sabiam da existência de pagamentos diferenciados. Uma aluna do terceiro ano de artes plásticas da Faap, que prefere não ter o seu nome divulgado, classificou a situação de "absurda": "Os alunos da Faap deveriam ganhar menos porque são os mais ricos".
O valor médio da mensalidade do curso de artes lá é de R$ 1.400.
Por conta do pagamento diferenciado, o departamento de artes plásticas da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP elaborou um documento em que questiona os critérios da Bienal, segundo a Folha apurou.
O chefe do departamento do curso da USP, Marco Bucci, não revela o teor do texto por considerar que haveria quebra de hierarquia universitária -o texto foi encaminhado à pró-reitoria de cultura, que analisaria a conveniência de divulgá-lo ou não.
Tanto a Bienal quanto a Faap dizem que não há discriminação: os valores pagos são diferentes porque as condições são diferenciadas. "Não há discriminação porque não sabemos quem é da Faap e quem não é", diz o presidente da Fundação Bienal, Manoel Pires da Costa. Ele conta que não sabia que a Faap "dava [ao monitor] um valor tão significativo". Os alunos da Faap recebem da escola.
A Faap foi escolhida para cuidar da formação dos monitores da Bienal por causa da reputação do seu curso de artes, de acordo com Pires da Costa. Não há dinheiro envolvido no processo. A Faap faz o serviço em troca da promoção indireta da faculdade que ocorre durante a mostra, segundo ele.
Desde o ano passado, na Bienal de Arquitetura, a Faap cuida da formação e fornece monitores à fundação. Com a Bienal de arte, porém, a faculdade não tinha alunos suficientes. Dos 300 monitores necessários, a Faap forneceu 137 alunos; os demais vieram de outras escolas.
"Não existem dois tipos de monitores. Essa leitura é muito cruel. Não estamos pagando por esse trabalho. É uma bolsa", argumenta Silvio Passarelli, diretor da Faculdade de Artes Plásticas da Faap. Foram chamados alunos de outras faculdades, segundo Passarelli, porque na Bienal de Arquitetura a Faap fora acusada de monopolizar o monitoramento.
A função da bolsa, afirma, é evitar que os estágios fiquem restritos às grandes corporações: "Damos a bolsa para que o aluno possa fazer estágio na periferia".
Ele diz que a Bienal queria que a Faap arcasse com todos os pagamentos, mas o departamento jurídico recusou a proposta, sob o argumento de que era ilegal.
Com a negativa, a Bienal buscou monitores que topassem fazer o trabalho voluntário em troca do curso de arte que os monitores têm de passar. Só depois decidiu que os alunos deveriam receber R$ 15 como ajuda.
"Não cobramos nada pelo curso e ele não vai servir só para a Bienal. Vai formar monitores para o mercado. É uma forma de inclusão", diz Pires da Costa.
Nilton Correia, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas, diz que o pagamento diferenciado para uma mesma função é ilegal. Isso só é permitido em dois casos: quando há tempo de serviço diferente ou quando a formação cultural distingue um dos profissionais.


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