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Quanto vale o Cristo?
Herdeiros querem vetar o comércio de imagens de obras como o ícone carioca
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Se está na rua, é do povo. Nem
sempre. Apoiados na nova lei de
direitos autorais, aprovada em
1998, herdeiros de artistas que tiveram suas obras exibidas durante anos em praça pública estão se
mexendo para começar a fazer
valer os seus direitos.
A polêmica da hora gira em torno dos direitos sobre a imagem
símbolo, e por isso mais reproduzida, da cidade do Rio de Janeiro:
a estátua do Cristo Redentor.
Inaugurada em 1931, a escultura
de 38 m instalada sobre o morro
do Corcovado foi criada sob encomenda da Arquidiocese do Rio
pelo artista plástico francês Paul
Landowski (1875-1961), cujos herdeiros agora brigam para impedir
que a obra seja explorada comercialmente sem a sua autorização.
"Não existe nenhum documento que mostre que Paul Landowski tenha cedido os direitos autorais de sua obra a um terceiro", argumenta Christiane Ramonbordes, superintendente da ADAGP
(Société des Auteurs dans les Arts
Graphiques, Plastiques, Photographiques), associação francesa
que, desde 1953, administra direitos autorais de artistas franceses.
Assim toda e qualquer reprodução comercial do Cristo precisa
ser autorizada pela família Landowski, pelo menos até a obra cair
em domínio público -70 anos
após a morte do escultor, em 1961.
"Antes de qualquer coisa, a estátua é um patrimônio da cidade do
Rio, assim como a Torre Eiffel é
de Paris e a Estátua da Liberdade é
de Nova York", contrapõe Paulo
Bastos, 49, subsecretário de turismo da cidade do RJ. "A população
contribuiu na construção da estátua, que até onde sei é de propriedade da Arquidiocese do Rio."
Procurada pela reportagem, a
assessoria de imprensa da entidade reiterou a propriedade da obra,
mas negou-se a comentar o tema.
"A Torre Eiffel é de domínio público. Mas, se falarmos do Arco da
Defesa ou da pirâmide do Louvre,
cujos titulares ainda são vivos, os
usuários pagam para fazer reproduções. Se alguém quiser usar a
imagem do Cristo Redentor, na
França, também tem de pagar",
rebate Ramonbordes, que esteve
na última semana em São Paulo
para o 1º Congresso de Gestão Coletiva de Direitos Autorais.
Seguindo esse raciocínio, do
mesmo modo que a secretaria de
turismo e a igreja e todos que empregaram a imagem da estátua
para fazer santinhos, cartões-postais, camisetas etc., o longa-metragem "Redentor", que acabou
de chegar aos cinemas, em tese,
também deveria ter pedido autorização dos herdeiros de Landowski para explorá-la no filme e
em seu material de divulgação.
"Do nosso ponto de vista, a lei
brasileira autoriza a inclusão em
obras de arte de estátuas que estão
em logradouros públicos", defende Leonardo Monteiro de Barros,
41, sócio-diretor da produtora
responsável, Conspiração Filmes.
"Ainda não fomos procurados,
mas se quiserem conversar, a gente conversa", adianta.
"Nossa orientação é primeiro
notificar. A idéia é o diálogo. Se
não houver composição, aí vamos
à Justiça", diz Maria Luiza Egea,
diretora da Autvis (Associação
Brasileira dos Direitos de Autores
Visuais), que representa os interesses da ADAGP no Brasil.
Segundo a advogada, muitos
ainda desconhecem a alteração
do Código Civil de 73, que permitia, sim, a livre reprodução de
obras de arte instaladas em logradouros públicos. A nova lei, de 98,
suprime esse artigo e cria um que
permite apenas a "representação"
dessas mesmas obras.
"As obras podem ser representadas em pinturas, desenhos e fotografias pessoais, mas sem finalidade comercial", destaca.
Situação semelhante vive a família do escultor Victor Brecheret
(1894-1955). Símbolo da cidade de
São Paulo, o Monumento às Bandeiras, inaugurado em 1952, é diariamente fotografado e reproduzido em suvenires ligados à memória da capital paulista.
Para o desembargador Luis Fernando Gama Pelegrini, 64, genro
de Brecheret, todas as reproduções da obra precisam passar pela
aprovação dos dois filhos do artista. "O fato de o monumento pertencer à prefeitura e de ser um
cartão-postal da cidade não guarda nenhuma relação com o direito autoral, que é da minha mulher", diz. "Pode filmar, fotografar, mas não pode fazer um pôster, por exemplo. Porque aí começa a haver interesse econômico."
Durante o congresso sobre direitos autorais, Pelegrini debateu
o assunto com Heitor Estanislau
do Amaral, sobrinho de Tarsila
do Amaral, que fez uma ressalva
quanto à função social das obras
de arte. "Deve haver um convívio
entre o interesse social e o dos
herdeiros. Mas o interesse do artista não pode ser anulado pelo
interesse público. Não há ninguém melhor do que ele para dizer o que fazer com a sua obra",
concluiu o desembargador.
Durante a produção desta reportagem uma integrante da família do artista Carlos Oswald
(1882-1971) enviou um e-mail
sustentando que ele havia sido o
autor do croqui do Cristo e que,
assim como o engenheiro Heitor
Silva Costa, que participou da realização da obra, também deveria
receber os créditos.
A superintendente da ADAGP
contesta: "Em caso de co-autoria,
os outros também teriam direito.
Mas isso está fora de cogitação.
Landowski é o único autor da
obra". A briga está só começando.
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