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"É impossível capturar Hollywood"
"Ela está sempre mudando", diz diretor, que gosta "da idéia dos estúdios e de pessoas chegando para encontrar seus sonhos"
Cineasta trabalha atualmente com música, pinturas, programa em 3D e um vídeo musical, enquanto busca idéias para novo filme
DA "HOLLYWOOD WATCH"
Leia a seguir a entrevista com David Lynch.
PERGUNTA - É verdade a história de
que "Império dos Sonhos" surgiu
quando o sr. viu Laura Dern andando na rua perto de sua casa?
DAVID LYNCH - É inteiramente
verdade. Digo que foi naquele
momento que as coisas começaram a se desenrolar -quando a encontrei na rua e ela me
disse: "David, precisamos fazer
alguma coisa juntos outra vez".
Eu disse "sim", e ao dizer "sim"
comecei a puxar a corda, por assim dizer. Laura está maravilhosa no filme, e o que ela contribui para ele é essa capacidade de torná-lo real desde um nível profundo.
PERGUNTA - O que você responderia se alguém, sem saber de nada, se
aproximasse e perguntasse inocentemente: "Sr. Lynch, do que trata
"Império dos Sonhos'?"?
LYNCH - Eu responderia exatamente o que está no cartaz: "A
história de uma mulher com
problemas".
PERGUNTA - E você deixaria que
partissem desse ponto?
LYNCH - Com certeza, porque
um filme é um filme, e as palavras são diferentes para pessoas diferentes. O negócio todo
é viver o mundo no cinema, e
pedir que se coloque em palavras tudo o que acontece num
filme é um absurdo. Sei que isso
é algo que as pessoas gostam de
fazer, de certo modo.
PERGUNTA - Até que ponto o filme
foi feito segundo o roteiro, e até que
ponto foi improvisado no set?
LYNCH - Não houve improvisação. Improvisar é simplesmente deixar a coisa solta, dizer
"Não faço idéia do que está
acontecendo. Vamos simplesmente ver o que acontece". E, a
meu ver, não é assim que se deve fazer nada. As idéias vêm, e
você põe essas idéias no papel,
e, dali em diante, as idéias ditam tudo e você trabalha para
fazer o filme ser fiel à idéia. Não
há improvisação, exceto em algumas instâncias raras em que
alguma coisa começa a se desenvolver baseada na idéia e
então mais ou menos se desenvolve de maneira improvisada.
Isso já aconteceu, mas é raro.
PERGUNTA - Você rodou o filme
com câmera digital, em lugar de na
película. Até que ponto isso foi libertador para você?
LYNCH - A palavra "Livre", se
você a escrevesse com L maiúsculo, a fizesse tão alta quanto o
Empire State Building e a sublinhasse muito -foi tão libertador assim. É tão belo, e de tantas maneiras diferentes. Depois
dessa experiência, eu nunca
mais poderei voltar a filmar em
película.
PERGUNTA - Seus filmes com freqüência confundem muito o espectador. Supondo que você leia resenhas, com que freqüência já ficou
sentado resmungando "Não, não.
Eles não entenderam o principal"?
LYNCH - Leio resenhas muito
raramente, mas é tão lindo que
as pessoas tenham sua visão
própria das coisas, e isso é muito importante. Todos nós enxergamos o mesmo mundo,
mas temos idéias distintas sobre o que está acontecendo. O
mesmo acontece num filme.
Quanto mais abstrato, maior é
a diferença de interpretações.
Então é assim que funciona. O
filme é o mesmo, mas os espectadores são diferentes, então o
filme vai trazer à tona mais e
mais coisas diferentes à medida
que se torna mais abstrato.
PERGUNTA - Você respeita a pessoa
que diz "Detestei, não entendi" tanto quanto a pessoa que afirma
"Adorei e acho que captei cada minuto"?
LYNCH - Respeito sim, porque é
preciso. Nenhum filme agrada
a todos. Existem pessoas que
têm uma cabeça muito concreta e não apreciam abstrações, e
há outras que amam quando a
coisa fica abstrata. E o filme
não é todo abstrato, mas todo
filme do qual eu gosto contém
abstrações e desencadeia todo
um processo mental e emocional, e isso é muito belo e importante.
PERGUNTA - Já houve extras em
DVDs anteriores de seus filmes, mas
nada que se compare aos extras de
"Império dos Sonhos". O que o levou a acrescentar 75 minutos de
material adicional?
LYNCH - Também neste caso, é
um mundo digital, então rodei
coisas que acabaram não ficando no filme. Mas, quando comecei a juntar as cenas em seqüência, uma coisa diferente
começou a acontecer nesta
área que estamos intitulando
"Outras Coisas que Aconteceram". Essa parte dos extras me
emocionou e fez o mundo girar
um pouco mais longe para
mim. Então mergulhei fundo.
PERGUNTA - Você nunca aderiu
realmente a Hollywood, e Hollywood nunca aderiu realmente a você, mas o que você acha da indústria
cinematográfica hoje em dia?
LYNCH - Não há como pensar
nada de Hollywood, em dia nenhum. Ela está sempre mudando, e é impossível capturá-la
porque está sempre se modificando. Adoro viver em Hollywood. Embora eu nunca tenha
feito um filme de estúdio, gosto
da idéia toda dos estúdios e da
idéia das pessoas chegando para encontrar seus sonhos. Adoro o mistério daqui, a sensação
da era dourada de Hollywood
que ainda está presente aqui.
Adoro o perfume dos jasmineiros à noite.
Há uma coisa linda, linda
acontecendo, mas o filme mostra apenas alguns momentos
pequenos dela. Um lugar traz
idéias à mente, e acho que há
ainda mais idéias aqui. E estou
ocupado tentando captá-las.
PERGUNTA - Se um alto executivo
de um estúdio o procurasse e dissesse: "Queremos trabalhar com você.
Você pode fazer seu filme à sua maneira. Você poderá fazer a edição final. E aqui estão algumas idéias realmente boas de histórias possíveis...", até que ponto você estaria
aberto a isso?
LYNCH - Eu estaria muito aberto, se dissessem o que você falou e se eu gostasse das idéias.
Eu estaria muito aberto a ouvir
as idéias. E há muitas grandes
pessoas em Hollywood em
quem eu provavelmente confiaria e com quem adoraria trabalhar, mas elas não me disseram isso.
PERGUNTA - Em que mais você está
trabalhando no momento?
LYNCH - Estou trabalhando
com música, estou trabalhando
com algumas pinturas, estou
trabalhando com algumas coisas de argila. Estou trabalhando sobre um programa em 3D
para criar uma sala que vai ser
construída. Estou editando um
vídeo musical. Acabei de concluir um comercial. Acabei de
concluir uma tomada fixa de
sapatos estranhos. E estou tentando captar idéias para o próximo filme.
PERGUNTA - A impressão que se
tem é que você não curte ficar sem
fazer nada.
LYNCH - Gosto de trabalhar.
Não gosto de férias. Não gosto
de tempo sem fazer nada. Há
coisas demais para se fazer.
Tradução de CLARA ALLAIN
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