São Paulo, quarta-feira, 19 de setembro de 2007

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"É impossível capturar Hollywood"

"Ela está sempre mudando", diz diretor, que gosta "da idéia dos estúdios e de pessoas chegando para encontrar seus sonhos"

Cineasta trabalha atualmente com música, pinturas, programa em 3D e um vídeo musical, enquanto busca idéias para novo filme

DA "HOLLYWOOD WATCH"

Leia a seguir a entrevista com David Lynch.

 

PERGUNTA - É verdade a história de que "Império dos Sonhos" surgiu quando o sr. viu Laura Dern andando na rua perto de sua casa?
DAVID LYNCH -
É inteiramente verdade. Digo que foi naquele momento que as coisas começaram a se desenrolar -quando a encontrei na rua e ela me disse: "David, precisamos fazer alguma coisa juntos outra vez". Eu disse "sim", e ao dizer "sim" comecei a puxar a corda, por assim dizer. Laura está maravilhosa no filme, e o que ela contribui para ele é essa capacidade de torná-lo real desde um nível profundo.

PERGUNTA - O que você responderia se alguém, sem saber de nada, se aproximasse e perguntasse inocentemente: "Sr. Lynch, do que trata "Império dos Sonhos'?"?
LYNCH -
Eu responderia exatamente o que está no cartaz: "A história de uma mulher com problemas".

PERGUNTA - E você deixaria que partissem desse ponto?
LYNCH -
Com certeza, porque um filme é um filme, e as palavras são diferentes para pessoas diferentes. O negócio todo é viver o mundo no cinema, e pedir que se coloque em palavras tudo o que acontece num filme é um absurdo. Sei que isso é algo que as pessoas gostam de fazer, de certo modo.

PERGUNTA - Até que ponto o filme foi feito segundo o roteiro, e até que ponto foi improvisado no set?
LYNCH -
Não houve improvisação. Improvisar é simplesmente deixar a coisa solta, dizer "Não faço idéia do que está acontecendo. Vamos simplesmente ver o que acontece". E, a meu ver, não é assim que se deve fazer nada. As idéias vêm, e você põe essas idéias no papel, e, dali em diante, as idéias ditam tudo e você trabalha para fazer o filme ser fiel à idéia. Não há improvisação, exceto em algumas instâncias raras em que alguma coisa começa a se desenvolver baseada na idéia e então mais ou menos se desenvolve de maneira improvisada. Isso já aconteceu, mas é raro.

PERGUNTA - Você rodou o filme com câmera digital, em lugar de na película. Até que ponto isso foi libertador para você?
LYNCH -
A palavra "Livre", se você a escrevesse com L maiúsculo, a fizesse tão alta quanto o Empire State Building e a sublinhasse muito -foi tão libertador assim. É tão belo, e de tantas maneiras diferentes. Depois dessa experiência, eu nunca mais poderei voltar a filmar em película.

PERGUNTA - Seus filmes com freqüência confundem muito o espectador. Supondo que você leia resenhas, com que freqüência já ficou sentado resmungando "Não, não. Eles não entenderam o principal"?
LYNCH -
Leio resenhas muito raramente, mas é tão lindo que as pessoas tenham sua visão própria das coisas, e isso é muito importante. Todos nós enxergamos o mesmo mundo, mas temos idéias distintas sobre o que está acontecendo. O mesmo acontece num filme. Quanto mais abstrato, maior é a diferença de interpretações. Então é assim que funciona. O filme é o mesmo, mas os espectadores são diferentes, então o filme vai trazer à tona mais e mais coisas diferentes à medida que se torna mais abstrato.

PERGUNTA - Você respeita a pessoa que diz "Detestei, não entendi" tanto quanto a pessoa que afirma "Adorei e acho que captei cada minuto"?
LYNCH -
Respeito sim, porque é preciso. Nenhum filme agrada a todos. Existem pessoas que têm uma cabeça muito concreta e não apreciam abstrações, e há outras que amam quando a coisa fica abstrata. E o filme não é todo abstrato, mas todo filme do qual eu gosto contém abstrações e desencadeia todo um processo mental e emocional, e isso é muito belo e importante.

PERGUNTA - Já houve extras em DVDs anteriores de seus filmes, mas nada que se compare aos extras de "Império dos Sonhos". O que o levou a acrescentar 75 minutos de material adicional?
LYNCH -
Também neste caso, é um mundo digital, então rodei coisas que acabaram não ficando no filme. Mas, quando comecei a juntar as cenas em seqüência, uma coisa diferente começou a acontecer nesta área que estamos intitulando "Outras Coisas que Aconteceram". Essa parte dos extras me emocionou e fez o mundo girar um pouco mais longe para mim. Então mergulhei fundo.

PERGUNTA - Você nunca aderiu realmente a Hollywood, e Hollywood nunca aderiu realmente a você, mas o que você acha da indústria cinematográfica hoje em dia?
LYNCH -
Não há como pensar nada de Hollywood, em dia nenhum. Ela está sempre mudando, e é impossível capturá-la porque está sempre se modificando. Adoro viver em Hollywood. Embora eu nunca tenha feito um filme de estúdio, gosto da idéia toda dos estúdios e da idéia das pessoas chegando para encontrar seus sonhos. Adoro o mistério daqui, a sensação da era dourada de Hollywood que ainda está presente aqui. Adoro o perfume dos jasmineiros à noite. Há uma coisa linda, linda acontecendo, mas o filme mostra apenas alguns momentos pequenos dela. Um lugar traz idéias à mente, e acho que há ainda mais idéias aqui. E estou ocupado tentando captá-las.

PERGUNTA - Se um alto executivo de um estúdio o procurasse e dissesse: "Queremos trabalhar com você. Você pode fazer seu filme à sua maneira. Você poderá fazer a edição final. E aqui estão algumas idéias realmente boas de histórias possíveis...", até que ponto você estaria aberto a isso?
LYNCH -
Eu estaria muito aberto, se dissessem o que você falou e se eu gostasse das idéias. Eu estaria muito aberto a ouvir as idéias. E há muitas grandes pessoas em Hollywood em quem eu provavelmente confiaria e com quem adoraria trabalhar, mas elas não me disseram isso.

PERGUNTA - Em que mais você está trabalhando no momento?
LYNCH -
Estou trabalhando com música, estou trabalhando com algumas pinturas, estou trabalhando com algumas coisas de argila. Estou trabalhando sobre um programa em 3D para criar uma sala que vai ser construída. Estou editando um vídeo musical. Acabei de concluir um comercial. Acabei de concluir uma tomada fixa de sapatos estranhos. E estou tentando captar idéias para o próximo filme.

PERGUNTA - A impressão que se tem é que você não curte ficar sem fazer nada.
LYNCH -
Gosto de trabalhar. Não gosto de férias. Não gosto de tempo sem fazer nada. Há coisas demais para se fazer.


Tradução de CLARA ALLAIN


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