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Cultura refém
Movido a patrocínio público ou privado, mercado cultural brasileiro não consegue se sustentar sozinho; bilheterias, em poucos casos, bancam shows, peças e filmes
Divulgação
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Senton mello em cena do filme "Meu nome não é Johnny"
ANA PAULA SOUSA
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
Se, numa canetada, acabassem os incentivos fiscais destinados à cultura, os palcos brasileiros esvaziariam. Mesmo
aqueles ocupados por artistas
que, na discussões sobre a nova
Lei Rouanet, têm sido definidos como "consagrados". As bilheterias sozinhas, salvo exceções, não pagam peças, shows e
filmes feitos no país. O mercado da cultura brasileiro não é
autossustentável.
"O artista famoso precisa de
lei", crava Sergio Ajzemberg,
que trabalha com marketing
cultural. "Existe um circuito fechado de artistas que vivem de
Lei Rouanet", diz Juca Muller,
produtor de shows nacionais
(Detonautas) e internacionais
(Earth Wind & Fire). "As empresas querem associar suas
marcas aos grandes nomes, não
a desconhecidos." As leis, além
de tornarem mais visível quem
já tem nome, inflaram os custos
e agigantaram o mercado cultural. Mas teria o público
acompanhado esse ritmo? Os
números indicam que não.
O dinheiro de imposto que as
empresas destinam à cultura
beneficiou certos artistas, mas
não chegou à população. É esse
descompasso entre produção e
acesso que tem feito com que
sejam contestados projetos
bancados com lei e, ainda assim, caros. "Os automóveis têm
redutor de IPI e as pessoas entendem o porquê. No caso da
cultura, isso não é totalmente
aceito", diz o advogado Fábio
de Sá Cesnik. "Todo mundo diz
que o teatro é caro. É? Alguém
sabe quanto eu gasto para produzir uma peça?", pergunta
Antonio Fagundes.
E quanto custa a turnê de um
músico? A bilheteria é capaz de
bancar todos os custos?
Depende. Leninha Brandão
(que trabalha com Vanessa da
Mata e Lenine) diz que precisou captar R$ 660 mil de uma
empresa de cosméticos para
que Lenine fizesse um disco e
shows em diversas capitais do
país com ingresso a R$ 40.
Já Marcelo Lobato (de Marcelo D2 e Pitty) afirma que a bilheteria paga as despesas. "Faço a agenda de meus artistas e
vendo os shows para contratantes locais. Ou esses contratantes pagam os cachês usando
bilheteria ou se viram para arrumar patrocínio."
A discussão torna-se ainda
mais complexa quando a cultura confunde-se com o entretenimento -em tese, comercialmente viável. "Quem trabalha
com entretenimento tende a
entregar às pessoas o que elas
querem, ou seja, pensa no freguês. Às vezes isso tem ligação
com a cultura, às vezes não",
delimita Pena Schmidt, superintendente do Auditório Ibirapuera. "Mas essa linha é tênue",
diz, lembrando que, do rei que
encomendava obras a um artista, passando pelo Estado e pelas gravadoras, a música sempre foi subsidiada.
Schmidt se pergunta se poderia ser diferente. E responde:
"Com a estrutura de teatros
que temos, não. Fala-se muito
nos cinemas, mas os teatros
também foram vendidos para
igrejas. Por não haver incentivo
para a construção de teatros,
proliferou a indústria do montar e desmontar palcos. Nas casas pequenas, o que banca um
show é a venda de bebidas."
No Auditório Ibirapuera, a
bilheteria responde por 10% do
orçamento da casa. Parte é bancado pela TIM, sem leis, e parte
vem do aluguel para eventos fechados. No Teatro Alfa, a conta
é semelhante. A bilheteria responde por 20% do orçamento.
Metade da arrecadação vem
dos patrocínios e 30% do aluguel para eventos.
Segundo Elizabeth Machado,
superintendente do Alfa, um
espetáculo orçado em R$ 600
mil rende, na bilheteria, cerca
de R$ 100 mil. Por que a conta
não fecha? "Porque eu teria de
cobrar R$ 400 reais. E aí a conta não fecharia porque o teatro
não lotaria." O produtor Emílio
Kalil, que trará o grupo de Pina
Baush para o Brasil, ainda não
conseguiu patrocínio e, apesar
dos ingressos esgotados, antevê
o prejuízo. "A temporada custa
R$ 1 milhão. São 58 pessoas,
dois contêineres, dez dias de
hotel, locomoção, estrutura
técnica. É uma estrutura caríssima, que o público não vê, diz.
E antes das leis, como isso era
pago? Em primeiro lugar, é preciso dizer que, pós-leis, cerca de
100 mil empresas prestadoras
de serviço -de alimentação a
luz- se oficializaram para entrar na engrenagem de notas
fiscais e prestação de contas.
"Se você quer filmar numa esquina, o dono da padaria te cobra. Há 30 anos não era assim",
exemplifica o cineasta Hector
Babenco. Mas há outras respostas.
"Muitos produtores iam chorar no colo dos governos", diz
Kalil. "O governo brasileiro,
historicamente, trabalhou com
incentivos. Nos anos 1970, as
gravadoras tinham desconto
nos impostos se investissem
em artistas nacionais", diz Cesnik. Há quem vá mais longe.
"Tínhamos uma população
acostumada a ir ao teatro, ao cinema", diz Ajzemberg. É essa
uma das diferenças entre o Brasil e os países europeus. "A média da população brasileira não
consome cultura."
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