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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
BIQUÍNI, SÓ PRETO A cartunista diz usar só bíquinis negros porque não quer chamar a atenção no vilarejo de cem pessoas onde vive no Uruguai; "meus cabelos já são demais"

Mulheres alteradas vão às compras

Quando não está desenhando mulheres que reclamam de celulite ou discutem a diferença que faz na vida aquele sapato, a cartunista argentina Maitena reclama da celulite, embasbaca-se diante de shorts que a deixam com "pernas lindas" e não consegue entrar numa loja sem sair com uma sandália, como fez nas três que visitou em São Paulo com a Folha.
"Mulheres alteradas sou eu", poderia dizer a cartunista, parodiando a divisa do escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880). Age como as personagens que desenha. "Mulher, como dizem os homens, é tudo igual", debocha. O sucesso e o olhar impiedoso sobre o seu sexo, porém, diferenciam Maitena.
Aos 41 anos, ela é um dos maiores fenômenos do humor latino-americano. Seus livros já venderam 1 milhão de exemplares e suas tiras são publicadas em 18 países (da França ao México, da Holanda à Grécia). Nada mal para uma cartunista que, em 1992, planejava abandonar o desenho e abrir um restaurante.
Ela até já havia tido um em Santelmo, em Buenos Aires, em 1982, chamado La Antiga Tasca de San Fermin. Teve também um quiosque de cigarros e foi dona de um bar no Uruguai, numa praia chamada La Pedrera: "Eu era uma péssima empresária. Bebia tudo o que deveria vender". Fama, ela só havia alcançado no obscuro circuito de quadrinhos underground, no qual publicava histórias eróticas em revistas como "El Vibora", de Barcelona. Dinheiro, à época, era pouco mais que miragem.
Até que "Mulheres Alteradas" estourou na Espanha em 1997. Há dois anos, ela abandonou Buenos Aires e foi morar em La Pedrera, num vilarejo onde vivem cem pessoas, com uma filha de quatro anos e o marido e agente, Daniel Kon. Seus dois filhos mais velhos, de 23 e 21 anos, continuam em Buenos Aires. Enquanto fazia compras, ela falou sobre o que diferencia homens de mulheres, teorizou sobre sua obsessão por sapatos e esboçou um tratado geral da celulite.

Alteradas x estressados
"Somos alteradas porque fazemos muitas coisas ao mesmo tempo. Temos muitas frentes de combate abertas: no trabalho, com o corpo, com o amor, com os filhos, como mãe, como amigas. Queremos fazer muitas coisas, e não se pode fazer tantas coisas bem. Algo sempre sai mal. É por isso que sempre estamos correndo. É por isso que sentimos culpa quando não cuidamos bem dos filhos. Se descuidamos do corpo, sentimos culpa. Se não somos boas amantes, nos sentimos umas bruxas. A mulher alterada não é histérica. Histérica é aquela que seduz e depois não quer. As mulheres que eu desenho são mulheres que querem ser tocadas, querem casar e ter filhos.
Os homens se estressam, e isso é pior. Nós, mulheres, somos mais expressivas, choramos mais, gritamos mais, rimos mais, colocamos tudo para fora. Os homens engolem tudo e têm mais acidez, ficam doentes. É por isso que os cabelos dos homens caem. Nas mulheres cai tudo, menos os cabelos."

Machismo
"Alguns homens estúpidos me acusam de feminista. Mas não me interessa o que pensam os homens estúpidos. Meus leitores homens são todos inteligentes e sensíveis. Os outros que fiquem vendo televisão."

Ode ao feminismo
"Às vezes sou dura com as mulheres, mas há uma gota de ternura nas minhas críticas. Sou dura porque sou crítica comigo mesma e com as mulheres em geral. E, às vezes, sou um pouco machista e não gosto disso. Lamentavelmente, fomos todos educados por uma geração de pais e mães machistas, e é difícil acabar com isso. Como mãe, tenho atitudes machistas com meus filhos. Quando eram adolescentes e não voltavam de uma festa, o que me preocupava era minha filha, não meu filho. Isso é machismo. A garota às vezes sabe se cuidar melhor do que o menino. Quando a garota tem três namorados que telefonam a toda hora, a mãe fica preocupada. "Você é muito fácil, não pode..." Mas quando o filho tem três namoradas, ela fica orgulhosa: "Muito bem...". Quando uma garota deixa o quarto bagunçado, a mãe fica louca: "Arruma seu quarto, menina não pode ser bagunçada". E um homem tampouco. É um tipo de machismo que todas temos."

Tratado geral da celulite
"Câncer só algumas mulheres têm, mas celulite todas têm, cedo ou tarde. É por isso que minhas personagens se preocupam mais com celulite. É horrível. É algo que se apodera do seu corpo como um "alien". É um ser estranho que te invade, que transforma a tua carne.
Todos os homens dizem que não ligam para celulite, mas na praia olham só para as que não têm celulite. Não sejam mentirosos. Celulite é uma grande injustiça da natureza. Por que os homens não têm celulite? As únicas mulheres que não têm celulite são os travestis."

Somos machistas
"Se não tivesse existido o feminismo, todas nós estaríamos passando roupa. Acho que o feminismo foi o movimento político mais importante do último século por causa das mudanças sociais que gerou. Foi mais importante que o socialismo. Graças a ele, as mulheres puderam ser socialistas. Antes, as mulheres não eram nada. Quando as meninas de 20 anos dizem que o feminismo é só uma antiguidade, tenho vontade de dizer: "Vocês não podem cuspir contra o ventilador". É muito fácil criticar o feminismo quando se tem todas as liberdades que o movimento conquistou."



@ - bergamo@folhasp.com.br

MARIO CESAR CARVALHO (INTERINO)
COM CLEO GUIMARÃES E ALVARO LEME



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