São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2004 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO BONASSI De eleição também se vive! Houve corpo a corpo, empurra-empurra, troca-troca. Alguns passaram por cima,
outros pelo meio e houve ainda os
que se deixaram ficar pra trás, temendo danos escandalosos aos
patrimônios duvidosos que
amealharam em desgovernos
custosos. Muitos lançaram-se de
suas plataformas e acabaram
aterrizando nos fundos dos quintais de outros animais racionais,
fechando acordos furtivos pela
paz em seus domínios selvagens
demais. Havia o rubor e o rumor
conspiratório de que inimigos históricos tinham se tornado aliados
histéricos e amigos esquizofrênicos, deixando a todos atônitos de
desprezo e prestando enorme desserviço à compreensão dessa gigantesca confusão. Como nos ensinarão essa tradição de falta de
respeito e a deterioração de passados ilibados? Curioso é que ainda que nem todos os cargos mandavam em tantos cidadãos (dependendo do lugar em que sucedia a votação, havendo capitais
internacionais, lideranças regionais e cidadezinhas mesquinhas),
travaram-se guerras com soldados verdadeiros como se estivesse
em disputa o planeta Terra inteiro! Dizia-se à boca-de-urna pequena que alguns ficariam livres
da polícia enquanto outros se
prenderiam moralmente à malícia da política dos interesses a
qualquer preço. Por isso candidatos mais ou menos limpos do que
os outros normais se prepararam
vaidosamente para as festividades eleitorais: tomaram banhos
cheirosos, pentearam cabelos lustrosos, lustraram carecas patéticas e ergueram as faces caquéticas
com fios de ouro ou de ovos, conforme a fome, possibilidade financeira e urbanidade sorrateira
dos presentes. Os presentes foram
bons e fartos. Tão fartos quanto
podemos ficar disso tudo a ponto
de pedir pra parar, esquecer, desobrigar. Justamente essa geração
que implorou pelo voto direto, engoliu o indireto num mundo de
vetos e agora parece perecer de
desejo de poder, advogando de
forma efusiva a suposta democracia das eternas medidas provisórias exclusivas. Acontece que as
alianças consumiram os dedos, os
anéis foram doados e flagraram-se movimentos suspeitos de mãos.
Valeu tudo: cuspe na cara, tapa
nas costas, chute por baixo ou
mesmo por cima das guias e correntinhas cheias de promessas de
sarjeta. Os comerciais de realizações continuaram fantásticos e
incríveis de se ver, por mais bonitos que parecessem aos nossos
olhos. Não queriam os administradores mostrar as rugas da feiúra de sua "experiência"? Como se
nós, os financiadores dessa representação toda, tivéssemos que ter
apenas a melhor impressão impossível que eles têm das possibilidades de si próprios? Não... De alguns se desconfiava que faltassem
com a verdade, de outros, que fossem claramente mentirosos. Clareza também não rima com esses
troços, infelizmente. As malas
pretas vão, vem e como por milagre se transformam em campanhas de civilidade, como o vinho
em vinagre e a maldade em bondade. Quem diabos são esses que
precisam parecer tão bonzinhos
nessas glebas de pecados? Deus foi
invocado por muitos deles e, se
proteger a todos, qual será a ideologia do seu bem-bom? O fato é
que alguns caciques perderam os
poderes, de forma que seus índios
migraram para magias maiores e
outros saberes... A direita pareceu
ser isolada e silenciada, o que não
quer dizer que ficará quietinha
para sempre. A esquerda se viu
dividida nas disputas dos pequenos burgueses e funcionários concursados... embora a evidência
dessa indecência é que esses lados
foram misturados, estando tão
trocados que nem sabemos mais
pra que lado devemos partir, nem
aonde vamos conseguir chegar. |
|