São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 2005

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MÚSICA

Atração do Tim Festival e ex-integrante do quinteto de Miles Davis, saxofonista defende os riscos na música contemporânea

Shorter enfrenta o inesperado no Brasil

Naokazu Oinuma - 24.ago.2002/Associated Press
O saxofonista Wayne Shorter durante show em Tóquio, no Japão


RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Chamar o saxofonista Wayne Shorter de "uma das maiores lendas vivas do jazz" é um daqueles clichês inevitáveis.
Com longa carreira na música, solo e ao lado do grupo Weather Report, Shorter encontrou seu auge tocando com o lendário quinteto de Miles Davis, entre 1964 e 1970, quando presenteou o mundo com composições como "Footprints", hoje já escrita em pedra no cânone do jazz. Depois de um período de menor relevância, Shorter retomou há alguns anos seu lugar no panteão jazzístico e, aos 72 anos, chega nesta semana ao Brasil com seus músicos (Danilo Perez, piano; John Patitucci, baixo; Brian Blade, bateria) para apresentações no Tim Festival, no Rio e em São Paulo.
Em entrevista por telefone de um quarto de hotel no Texas, onde se apresentou na semana passada, ele falou sobre música e tudo que ela pode significar e fazer pelas pessoas.
 

Folha - Como serão os shows no Brasil?
Wayne Shorter -
Nós tocamos muitas músicas que não gravamos e fazemos algo que chamamos de "continuação". Não ensaiamos, tocamos músicas que inventamos na hora, nos arriscamos. Chamamos isso de "lidar com o inesperado". Muitas pessoas nos Estados Unidos -com o furacão, Iraque e tudo isso- não sabem lidar com o inesperado. Não é algo ensinado nas universidades. Então, nós fazemos isso. Miles [Davis] costumava dizer: "Você já tentou tocar como se não soubesse tocar?" Isso é lindo. Ele me dizia para esquecer minhas aulas de música.

Folha - Você tenta tocar assim?
Shorter -
Claro!

Folha - E soa tão bem como quando você toca sabendo tocar?
Shorter -
Quando tocamos juntos dessa maneira, aparecem muitas informações excitantes e ousadas. Estamos dizendo algo sobre realidade e ilusão. E há tantas ilusões pelas quais as pessoas chegam até a morrer, achando que estão dando suas vidas pelo bem da realidade. É como uma música comercial de três minutos. Elas fazem sucesso, dão dinheiro, algumas pessoas passam um longo tempo fazendo esse tipo de música. Elas estão criando uma zona de conforto, para onde as pessoas vão, elas se sentem bem com esse tipo de música e rejeitam tudo que é desconhecido. As pessoas querem fazer parte de um clube.

Folha - Você acha que isso pode ser percebido através da música, mesmo instrumental?
Shorter -
Ah, sim. Às vezes me perguntam o que eu acho da música que está sendo feita atualmente. Me perguntam se eu ouço idéias novas. Mas eu não procuro por isso. Eu presto atenção na música e na pessoa que a faz. Eu presto atenção no fator humano, no inesperado, no desconhecido. Eu vejo se a música está falando de nobreza, daquela essência nobre que todo ser humano tem dentro de si e que muitas vezes está dormente. Muitas pessoas não sabem como despertar sua nobreza, ou têm medo de despertá-la.

Folha - Que tipo de música você acha que tem essas qualidades?
Shorter -
Qualquer música pode ser assim. Você pode fazer música com qualquer coisa, se você não tem medo de ser criticado. Você pode criar sons com qualquer coisa, mas não adianta nada se não sabe nada da vida. Para mim, não faz diferença se a música é feita com panelas ou sintetizadores, se o autor entende a essência da vida. Senão, são apenas sons.

Folha - Então a música pode fazer diferença na vida das pessoas?
Shorter -
Sim! Todos perguntam quem são os novos heróis, quem são os sábios de hoje, mas as pessoas não perceberam que neste momento cada pessoa tem que despertar sua própria sabedoria. Então, ao invés de ouvir uma música que mantenha essa sabedoria dormente, é hora de ouvir música para despertá-la. Às vezes as pessoas dizem: "Eu não sabia que eu estava dormente, mas eu ouvi Charlie Parker e acordei". Ou então despertaram ouvindo Igor Stravinsky, Villa-Lobos, Frank Sinatra, Tom Jobim, João Gilberto, Milton Nascimento... Muita gente vai despertar quando ouvir Elis Regina cantar. Ou a filha dela, Maria Rita. Quero dizer que pretendo fazer música que diga: "A vida é uma aventura eterna".

Folha - Você quer que as pessoas saiam do seu show diferentes?
Shorter -
Sim, mas não acho que todos estão dormindo e eu sou o único desperto. Eu também tenho que me despertar todos os dias, todos os minutos. Estou indo ao Brasil para me despertar!


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