São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 2005

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ERUDITO/CRÍTICA

Volodos exercita suas dificuldades transcendentais

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Ao final do quarto bis -uma transcrição do "Largo" do "Concerto para Oboé e Orquestra", em dó menor, de Alessandor Marcello (1684-1750)-, aconteceu uma coisa rara. O pianista Arcadi Volodos deixou o acorde morrer e continuou escutando. A platéia nem respirava. Até que um ansioso não agüentou e começou a aplaudir. Viu-se sozinho e parou. Seriam mais alguns segundos de silêncio, até que começasse a ovação, no meio de uma seqüência de seis extras: meia hora de bis.
Àquela altura o russo já estava tocando, claramente, para si mesmo, o que não quer dizer que não estivesse tocando para nós também. Eram peças de uma dificuldade transcendental, coisas como a "Marcha Rákóczy", de Liszt (1811-86), ou uma delirante paráfrase volodiana da "Marcha Turca", de Mozart (1756-91). Mas, ali como antes, na segunda parte do concerto de anteontem -quatro peças de Liszt montadas como se fossem uma sonata-, a dificuldade tinha uma estranheza própria, espiritual e abstrata.
Depois de ter tocado duas sonatas pouco freqüentadas de Schubert (1797-1828), a primeira, inacabada, em mi maior, e a "Sonata em Fá Menor, D. 625", valorizando linhas internas e enfatizando os cromatismos aberratórios, com uma concentração incrível e sem um gesto que não fosse essencial, Volodos conferia às peças de Liszt uma outra distinção.
Para além do que há de espetáculo nas proezas pianísticas de obras como o "Vallée d'Obermann" ou "La Prédication aux Oiseaux", essa música, com Volodos, e depois de Schubert, soava como um exercício moderno de sonoridades em contraste e/ou em choque; mas também como aventuras do sobre-humano, audácias imaginativas de um músico-ator, no shakespeareano palco sem palavras. Ninguém ali estava exibindo os dedos. Tudo tinha sentido musical, e esse sentido era de uma coragem austera.
No meio da ovação, Volodos fica parado, quase sorrindo, olhando para cima. É um tipo incomum, indecifrável. Chegou a São Paulo no domingo; mas nem tocou num piano até uma hora antes do concerto (quer dizer: só teve meia hora de ensaio). Parece morar noutro planeta. E mora: num outro mundo, maior e melhor. É o planeta Música.


Arcadi Volodos
    
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 0/xx/11/3258-3344)
Quanto: R$ 80 a R$ 180


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