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ERUDITO/CRÍTICA
Volodos exercita suas dificuldades transcendentais
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Ao final do quarto bis -uma
transcrição do "Largo" do
"Concerto para Oboé e Orquestra", em dó menor, de Alessandor
Marcello (1684-1750)-, aconteceu uma coisa rara. O pianista Arcadi Volodos deixou o acorde
morrer e continuou escutando. A
platéia nem respirava. Até que um
ansioso não agüentou e começou
a aplaudir. Viu-se sozinho e parou. Seriam mais alguns segundos
de silêncio, até que começasse a
ovação, no meio de uma seqüência de seis extras: meia hora de bis.
Àquela altura o russo já estava
tocando, claramente, para si mesmo, o que não quer dizer que não
estivesse tocando para nós também. Eram peças de uma dificuldade transcendental, coisas como
a "Marcha Rákóczy", de Liszt
(1811-86), ou uma delirante paráfrase volodiana da "Marcha Turca", de Mozart (1756-91). Mas, ali
como antes, na segunda parte do
concerto de anteontem -quatro
peças de Liszt montadas como se
fossem uma sonata-, a dificuldade tinha uma estranheza própria, espiritual e abstrata.
Depois de ter tocado duas sonatas pouco freqüentadas de Schubert (1797-1828), a primeira, inacabada, em mi maior, e a "Sonata
em Fá Menor, D. 625", valorizando linhas internas e enfatizando
os cromatismos aberratórios,
com uma concentração incrível e
sem um gesto que não fosse essencial, Volodos conferia às peças
de Liszt uma outra distinção.
Para além do que há de espetáculo nas proezas pianísticas de
obras como o "Vallée d'Obermann" ou "La Prédication aux
Oiseaux", essa música, com Volodos, e depois de Schubert, soava
como um exercício moderno de
sonoridades em contraste e/ou
em choque; mas também como
aventuras do sobre-humano, audácias imaginativas de um músico-ator, no shakespeareano palco
sem palavras. Ninguém ali estava
exibindo os dedos. Tudo tinha
sentido musical, e esse sentido era
de uma coragem austera.
No meio da ovação, Volodos fica parado, quase sorrindo, olhando para cima. É um tipo incomum, indecifrável. Chegou a São
Paulo no domingo; mas nem tocou num piano até uma hora antes do concerto (quer dizer: só teve meia hora de ensaio). Parece
morar noutro planeta. E mora:
num outro mundo, maior e melhor. É o planeta Música.
Arcadi Volodos
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 0/xx/11/3258-3344)
Quanto: R$ 80 a R$ 180
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