São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2006

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Comida

O bom uísque à casa torna

Maior colecionador de uísque do mundo, o brasileiro Claive Vidiz, 72, vende acervo com 3.384 garrafas da bebida para a Diageo; coleção será levada para um castelo na Escócia, onde será exposta

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Das 3.384 garrafas de uísque colecionadas ao longo de 35 anos pelo paulistano Claive Vidiz, 72, apenas um Johnnie Walker Blue Label Baccarat e um Johnnie Walker Blue Oldest assinado pelo piloto Juan Pablo Montoya continuarão em solo brasileiro.
A maior coleção de uísques do mundo foi comprada pela maior empresa de bebidas premium do mundo, a Diageo, que até janeiro do ano que vem levará o acervo para a Escócia, provavelmente para o Dramuir Castle. O acordo será marcado por uma celebração regada à uísque, na próxima segunda, no museu construído pelo colecionador no fundo de sua casa.
Depois de tantos anos dedicados a reunir exemplares raros da chamada "água da vida" em um acervo que faz até destilarias babarem de inveja, por que se desfazer da coleção?
"Tenho três filhos. Embora eles tenham me ajudado, não têm o mesmo amor que eu, não vão seguir esta trajetória. Quantos anos mais tenho de vida? Quero que isso aqui continue bem, nas mãos certas", diz Vidiz. "É o prazer de ter criado uma obra e ela não ser dividida e ter continuidade."
A coleção não só será preservada e mantida unida como levará seu nome: "Claive Vidiz Scotch Whisky Collection".
"Compramos a coleção como se compra uma obra de arte, assumindo a responsabilidade de carregar aquele patrimônio adiante", diz Claudia de Souza, 54, diretora de assuntos corporativos da Diageo.

Guaraná e água?
O fato de o Brasil ser hoje o quarto maior mercado consumidor de uísque escocês do mundo não impede que estrangeiros se surpreendam com a notícia de que o maior colecionador de "scotch whisky" do mundo é um brasileiro -Vidiz está no "Guinness Book".
"Seria como chegar na Escócia e encontrar um escocês louco com uma coleção de 3.000 garrafas de pinga", brinca. "Se o escocês médio tiver duas garrafas de uísque na casa dele, é muito. E abertas, claro!"
A exclamação da frase acima tem um motivo claro e é a característica mais interessante da coleção: todas as bebidas estão intactas. "Já aconteceu de eu estar viajando, chegarem amigos aqui e a minha mulher ter de mandar comprar uísque no mercado, com medo de abrir uma garrafa errada."
Foi esse, aliás, o motivo que o levou a montar um pub junto do museu onde pudesse servir, entenda-se bem, outros uísques aos amigos. "Vinham aqui, olhavam e depois? Alguém ia querer abrir uma garrafa da coleção e a amizade ia acabar."
Pois o ciúme e o carinho que Vidiz tem da coleção quase causou um estrago no casamento quando, ao mexer em um estojo, a mulher dele deixou a tampa de um decanter cair sobre uma botija raríssima de Glend Fiddich. "Enquanto não repus a garrafa, não tive sossego."
Quem ouve Vidiz falar de uísque com tanta paixão pode ter a impressão de que ele é um bebedor nato. Engano: a primeira gota de uísque que ele colocou na boca foi aos 33 anos.
"Estava fazendo carreira em uma empresa farmacêutica. Um dia estava no Rio e dei de cara com o presidente da companhia. Ele me convidou para tomar uns aperitivos. Perguntou o que eu ia beber, e eu tinha duas respostas para uma pergunta deste tipo: Guaraná da Antarctica ou água mineral."
Bem, Vidiz foi "obrigado" a tomar não só uma como duas doses de uísque -quer dizer, uma e meia; metade foi para o tapete. "Não ia. Era um gosto de remédio horrível."
Ao contar o ocorrido para o chefe, Vidiz ouviu uma pergunta e um conselho que mudou o rumo de sua vida: "Você quer fazer carreira como executivo? Aprenda a beber, ou desista".
"Continuou sendo amargo e um desprazer por algum tempo. Devagar comecei a me acostumar, a gostar e a amar. Depois descontei todos os anos em que não tomei uísque."

O início da coleção
Por outra coincidência, mais tarde Vidiz se deparou com a bebida de novo. À frente da filial de uma indústria farmacêutica inglesa, ele recebia constantemente funcionários da matriz, todos bons bebedores de uísque. Para diminuir os custos, fez um acordo para que os próprios visitantes comprassem no Duty Free seis garrafas, depois reembolsadas aqui.
"O acordo funcionou espetacularmente, mas todos traziam uísques famosos. Até que um dia fui receber um senhor, o Gilbert McDonald. Olhei para mão dele, procurando a sacola do Duty Free, e nada. Ele percebeu minha angústia e disse: "Claive, trouxe suas garrafas. Só que sou escocês e conheço uísque. Queria trazer estas marcas. Você vai levá-las para casa e me prometer que só as abrirá em ocasiões especiais e com quem conheça uísque."
O executivo não cumpriu a promessa -elas continuam fechadas-, mas transformou seis em 3.384 garrafas, organizadas em ordem alfabética. "Só senti que era coleção quando cheguei a 111 garrafas", diz. "Decidi que seria só de uísque escocês. Mais tarde quebrei a regra e permiti que o irlandês entrasse, mas há menos de 20. Americano tenho no bar, aqui não."
Inevitável perguntar o valor estimado de um acervo tão vasto... "Os poucos que quiseram saber, nem respondi porque não sei. Tem garrafas tão raras, que só se fossem colocadas em leilão saberíamos o preço."


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