A 31ª Mostra de Cinema de São Paulo começa hoje e traz uma série de atrações sob medida para os fashionistas. Na programação, o destaque fica para "Inútil", documentário do chinês Jia Zhang-ke, cineasta que ganhou uma retrospectiva nesta edição do evento. O filme tem como ponto de partida o trabalho da estilista, também chinesa, Ma Ke, dona da grife Wu Yong (que significa "inútil"), mostrando inclusive o seu desfile em Paris, na temporada do inverno 2007. Mais do que um filme sobre moda, "Inútil" é um registro das transformações radicais que vêm ocorrendo na China. Nesse processo, a indústria fashion desempenha papel fundamental, tanto na explosão das exportações quanto nas trágicas conseqüências sociais. O filme começa com ótimas seqüências que desvendam o cotidiano das fábricas de roupas em Cantão. Lentamente, vai apresentando uma multidão de trabalhadores cortando e costurando sem parar, araras lotadas de vestidos idênticos, centenas de marmitas empilhadas no refeitório da fábrica. Depois, entrevista Ma Ke, que criou a Wu Yong para produzir roupas 100% artesanais, em teares manuais e com fibras orgânicas. As peças são enterradas antes de serem vendidas para "receber os últimos detalhes da natureza", o que lhes, dá às vezes, um aspecto de fóssil. Apesar de seu trabalho, Ma Ke vive um conflito emblemático, que Zhang-ke se esforça por retratar: ela também participa do mundo do consumo de massa e do trabalho escravo. Além da Wu Yong, grife de poucas vendas e "inútil" do ponto de vista do mercado, a designer trabalha para a Exception, uma das poucas marcas chinesas que compete no cenário da produção em série. Entre alfaiates falidos que vão parar em minas de carvão e jovens maníacos por logos de grifes como Dior e Louis Vuitton, Zhang-ke apresenta o lado podre do "milagre chinês" e realiza um filme imperdível.