São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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Crítica

Trapero reforça "pegada" realista

Em "Leonera", diretor examina trajetória de indivíduos sem apelar para emocionalismo e "denúncia"

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Aos 34 anos, o argentino Pablo Trapero é um dos autores mais sólidos e originais do atual cinema latino-americano. Os cinco longas da sua breve e robusta filmografia poderão ser conferidos na 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Seu filme mais recente, "Leonera", com Rodrigo Santoro no elenco e Walter Salles como co-produtor, confirma e aprofunda sua "pegada" realista, centrada em personagens situados nas fímbrias da sociedade argentina contemporânea. Pessoas comuns, em situações incomuns, para dizer o mínimo.
É o caso da protagonista de "Leonera", Julia Zárate (a bela Martina Gusman, que está em quase todos os longas do diretor), jovem de classe média que um belo dia se vê em seu apartamento com o cadáver ensangüentado do namorado Nahuel e o corpo desfalecido do amante deste, Ramiro (Santoro).
Julia não se lembra do que aconteceu e vai parar na cadeia. Como está grávida, fica num pavilhão de prisioneiras que são mães de crianças pequenas. Parece mais um cortiço que uma prisão.
Trapero filma o calvário de Julia, antes e depois do nascimento de seu filho Tomás, com uma sobriedade quase documental, embora nunca se afaste muito de sua protagonista. Em alguns momentos, é possível que o espectador brasileiro se lembre de "Pixote" ou de "Carandiru", filmes prisionais de Hector Babenco.
Mas, ao contrário de Babenco, Trapero recusa sistematicamente o emocionalismo e a "denúncia". A realidade social e política está ali, não é preciso enfatizá-la. O que importa é a trajetória intransferível de cada indivíduo.
Tudo parece ficar na condição de esboço, de sugestão: o drama de Julia como filha abandonada pela mãe "perua" que vive em Paris, a brutalidade e a injustiça do sistema prisional argentino, as ambíguas relações de Julia com o namorado de seu namorado, sua problemática maternidade.

Moral nos detalhes
O realismo de Trapero, como sabe o espectador que viu seu "Do Outro Lado da Lei", é um realismo sem mensagem, sem discurso, sem "moral da história", mas com moral "na" história. O mais mínimo gesto humano, assim como o mais sutil movimento de câmera, encerra uma ética, consciente ou não.
Em "Leonera", importa observar a construção de novos laços (afetivos, sexuais, políticos) a cada mudança de meio e circunstância. A formação de cadeias, em todos os sentidos da palavra.
As mulheres ao mesmo tempo fragilizadas e endurecidas de "Leonera", mesmo quando não falam nada, dizem muito sobre o mundo estranho que nos cerca, seja aqui, em Buenos Aires ou Paris.
Em espanhol "leonera" é a toca do leão ou, no caso, da leoa, mas pode ser também uma casa de jogos ou ainda um aposento todo bagunçado, como o de Julia na primeira cena do filme.


Avaliação: ótimo



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