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Crítica
Trapero reforça "pegada" realista
Em "Leonera", diretor examina trajetória de indivíduos sem apelar para emocionalismo e "denúncia"
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Aos 34 anos, o argentino
Pablo Trapero é um dos
autores mais sólidos e
originais do atual cinema latino-americano. Os cinco longas
da sua breve e robusta filmografia poderão ser conferidos
na 32ª Mostra Internacional de
Cinema de São Paulo.
Seu filme mais recente, "Leonera", com Rodrigo Santoro no
elenco e Walter Salles como co-produtor, confirma e aprofunda sua "pegada" realista, centrada em personagens situados
nas fímbrias da sociedade argentina contemporânea. Pessoas comuns, em situações incomuns, para dizer o mínimo.
É o caso da protagonista de
"Leonera", Julia Zárate (a bela
Martina Gusman, que está em
quase todos os longas do diretor), jovem de classe média que
um belo dia se vê em seu apartamento com o cadáver ensangüentado do namorado Nahuel
e o corpo desfalecido do amante deste, Ramiro (Santoro).
Julia não se lembra do que
aconteceu e vai parar na cadeia.
Como está grávida, fica num
pavilhão de prisioneiras que
são mães de crianças pequenas.
Parece mais um cortiço que
uma prisão.
Trapero filma o calvário de
Julia, antes e depois do nascimento de seu filho Tomás, com
uma sobriedade quase documental, embora nunca se afaste
muito de sua protagonista. Em
alguns momentos, é possível
que o espectador brasileiro se
lembre de "Pixote" ou de "Carandiru", filmes prisionais de
Hector Babenco.
Mas, ao contrário de Babenco, Trapero recusa sistematicamente o emocionalismo e a
"denúncia". A realidade social e
política está ali, não é preciso
enfatizá-la. O que importa é a
trajetória intransferível de cada indivíduo.
Tudo parece ficar na condição de esboço, de sugestão: o
drama de Julia como filha
abandonada pela mãe "perua"
que vive em Paris, a brutalidade
e a injustiça do sistema prisional argentino, as ambíguas relações de Julia com o namorado de seu namorado, sua problemática maternidade.
Moral nos detalhes
O realismo de Trapero, como
sabe o espectador que viu seu
"Do Outro Lado da Lei", é um
realismo sem mensagem, sem
discurso, sem "moral da história", mas com moral "na" história. O mais mínimo gesto humano, assim como o mais sutil
movimento de câmera, encerra
uma ética, consciente ou não.
Em "Leonera", importa observar a construção de novos
laços (afetivos, sexuais, políticos) a cada mudança de meio e
circunstância. A formação de
cadeias, em todos os sentidos
da palavra.
As mulheres ao mesmo tempo fragilizadas e endurecidas
de "Leonera", mesmo quando
não falam nada, dizem muito
sobre o mundo estranho que
nos cerca, seja aqui, em Buenos
Aires ou Paris.
Em espanhol "leonera" é a
toca do leão ou, no caso, da leoa,
mas pode ser também uma casa
de jogos ou ainda um aposento
todo bagunçado, como o de Julia na primeira cena do filme.
Avaliação: ótimo
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