São Paulo, segunda-feira, 19 de novembro de 2001

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EXPOSIÇÃO

O ítalo-argentino ganha primeira mostra no Brasil, com 73 obras que questionam a bidimensionalidade do quadro

Rio recebe a arte dilacerante de Fontana

Divulgação
"Conceito Espacial" (63), obra de Lucio Fontana que está em exposição no CCBB do Rio


CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Houve um tempo, muito antigo para que qualquer de nós possa lembrar qual foi, em que as palavras estilo e estilete significavam quase a mesma coisa.
Eram um tipo de bastão utilizado para escrever, quando a escrita ainda era feita sobre tábuas cobertas de cera. Até que um dia as palavras se divorciaram: foi uma para cada lado.
Séculos mais tarde, um sujeito atarracadinho nascido na Argentina e criado na Itália parece ter teimado em casar de novo os dois substantivos. Cortando telas de pintura com um estilete, Lucio Fontana revolucionou a arte da segunda metade do século 20. Fez do estilete estilo.
A partir desta semana, pela primeira vez o Brasil pode acompanhar em toda a sua amplitude esse dilacerante capítulo da história da arte. Abre hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro, a mostra "Lucio Fontana - A Ótica do Invisível".
Elaborada em parceria com a Fondazione Lucio Fontana, com sede em Milão, a exposição traz ao país 73 obras de diversas etapas criativas do artista ítalo-argentino, acrescidas de três trabalhos vindos de coleções cariocas.
A organização das peças, produzidas entre 1931 e 1968 (quando Fontana morre, aos 69 anos de idade), não segue a cronologia.
As obras estão dispostas de acordo com afinidades estilísticas ou materiais.
Esse detalhe curatorial não é um detalhe. Entre os diversos, mas complementares, eixos de discussão do trabalho de Fontana, estilo e matéria são dois dos fundamentais, tamanha a obstinação com que o artista pesquisou materiais para criar.
"Fontana usa todo o arco tecnológico dos materiais, desde o mais primitivo até o mais avançado", diz o curador da exposição, Paulo Herkenhoff, o primeiro brasileiro a integrar o seleto grupo de curadores do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), onde trabalha há três anos.
A exposição em cartaz no Rio, que segue depois aos CCBBs de Brasília e São Paulo (em abril de 2002), traz obras moldadas em todo o leque de matéria-prima.
Desde a pré-histórica argila até o néon, no caso uma escultura de três metros de altura pendurada na abóbada de vidro do edifício.
Por trás dessa amplitude técnica, existia uma imensurável inquietude de Fontana com os caminhos tortuosos que a arte vivia depois que o impressionismo, o cubismo, o futurismo e outra formidável coleção de "ismos" havia passado por ela.
A tela, antes disso tudo, era o espaço onde o artista deixava marcadas as figuras que enxergava por trás do cavalete. Depois, as vanguardas deram um pontapé no cavalete e trocaram as figuras por abstrações, saídas dos porões do inconsciente e do olhar que conhecia a fotografia e o movimento veloz das máquinas.
O que fazer agora com aquela superfície branca de pano? Lucio Fontana tinha uma solução. Culminou um processo que partiu da ocupação do espaço sob a forma de escultura com a escultura do espaço. E furou a tela.
O primeiríssimo quadro perfurado por Fontana, o documento histórico "Conceito Espacial" (nome que repetiria a quase todas as obras a partir daí), feito em 1949, está no Rio, embaralhado entre outros "fontanas" divididos em 600 m2 de exposição.
A presidente da Fondazione Fontana, Nini Laurini, que é consultora da mostra brasileira, conheceu o artista na época dos primeiros furos.
"Todos riam dele. Até hoje muitos desprezam a sua arte. Em minha casa, tenho uma porta cortada por ele e sempre ouço pessoas esclarecidas perguntando: "Por que você não conserta essa porta?'", diz Laurini.


LUCIO FONTANA.
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Primeiro de Março, 66, Rio, tel. 0/xx/21/3808-2020). Quando: de hoje a 3/2/02. Quanto: grátis. Patrocínio: Banco do Brasil.


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