São Paulo, quinta-feira, 19 de novembro de 2009

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NINA HORTA

Noites de autógrafo


Se oferecer uns macarons, corre o perigo de falir, ali, duro, na hora do lançamento


UMAS COISAS são tão costumeiras que não paramos para pensar nelas. E assim vamos perpetuando o costume das noites de autógrafos. Você recebe o convite. Geralmente é um assunto que interessa, pois há uma tendência de cozinheiros conhecerem cozinheiros, bailarinos conhecerem bailarinos. Uma das probabilidades é que o autor seja o seu melhor amigo ou alguém que você admire muito, para que se mande até uma livraria localizada de preferência em ruas de trânsito impossível, depois do expediente caótico, para pegar um livro com dedicatória.
Aí é que começo a implicar. A fila!
Policiadíssima pelos que ficam atrás, às vezes chega a sair da livraria, pelas calçadas esburacadas. Um conhecido poeta comentava, no outro dia: "É difícil de acreditar. Eu ali na fila esperando, em pé, cansado, sem jantar, para ver quem? O Jorge, entendeu? O Jorge que vejo todo dia, sem fila. O Jorge!".
É claro e sabido que, financeiramente, não vai haver grande lucro. Dez por cento por capa é o que o escritor ganha. O livro custa R$ 40, se ele ficar 10 horas na fila, com 500 pessoas, vai ganhar R$ 2.000. Sem contar o vinhozinho branco e as frutas secas. Se oferecer uns macarons, corre o perigo de falir, ali, duro, na hora do lançamento.
Fico então imaginando o que fazer para melhorar a situação. Por que não eliminar a fila? Há os que estão lá porque querem conhecer o pessoal de cozinha, ver o Atala cara a cara, conversar com a Helena Rizzo, perguntar pela coxinha de frango do Frangó, saber se o Rubaiyat vende carne, onde é que o Benny compra mexilhões e qual o fornecedor de ostras do Amadeus. Mas a possibilidade não se apresenta. Acontece que a pessoa à sua frente na fila é a tia do autor que não se cansa de gemer de dor nos pés para cumprimentar o sobrinho que ela criou naquela fazenda de Mococa.
Ideias, então. Sugiro um coquetel normal. Pode ser até só o prosecco, mas a pessoa deve circular. Nada de fila. Civilizadamente, os apressados vão direto à mesa, cumprimentam e saltam fora. Você fica por ali, conversando e bebericando e, quando perceber que há só duas pessoas lá na mesa, vá, entre na conversa, porque três nem fila é. E assim vamos. E que tal o autor, sem mesa nem cadeira, conversando democraticamente com os convidados?
Verdade, verdadeiríssima, o que acho é que os lançamentos nesta doida São Paulo deveriam ser proscritos. Marketing muito melhor é mandar o livro para jornalistas e amigos do peito. São os que vão ler e ajudar você a vender o seu livro escrito a duras penas. Quase posso jurar que os que não foram convidados terão um pré-carinho muito maior pelo livro, vão sopesá-lo, sorrir, ô cara inteligente, nada de autógrafos, eu aqui tomando o meu uisquezinho, ele lá na casa dele tomando o dele, vamos ler essa obra com o cuidado que merece. E que tal assinar e ficar na livraria como numa sala de visitas, conversando com todo mundo que quer te conhecer, sem fila, democraticamente em pé, como os outros?
Há, sem dúvida, o perigo do atropelo. Que os cem que não fizeram fila se lancem sobre o autor ao mesmo tempo, mas não acredito. É só melhorar um pouco a qualidade do vinho branco. Ou que cada cozinheiro leve sua especialidade. Lá está chegando a Mara Salles com duas farinhas! E o Brasil a Gosto trouxe o bobó! E olha o bonitão do Mocotó com a caipirinha de caju e o torresmo... Ou cada um com seu farnel. Ou uma noite de discussão gastronômica.
Todos sentados e o autor expondo suas ideias em mesa-redonda. Acho que até já foram feitas tentativas nesse sentido. Há saídas. Até virtuais!!! Podemos pagar por elas, com prazer. Ah, e meu próximo livro vai ser lançado na...

ninahorta@uol.com.br


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