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CINEMA/ESTRÉIA
"A MULHER DO AVIADOR"
No longa de 81, diálogo é tão decisivo quanto imagem, numa Paris que enfeitiça personagens
Rohmer explora confusões do imaginário
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O jovem François vai ao
apartamento da namorada,
Anne, às 7h da manhã deixar-lhe
um bilhete. Como está sem caneta, desiste temporariamente.
Compra uma e aproveita para tomar um café. Acaba pegando no
sono. Desperta algum tempo depois, termina de escrever o bilhete
e volta à casa de Anne. Mas, ao dobrar a esquina, vê a moça saindo
do prédio com outro homem.
O espectador sabe o que se passou enquanto François dormia. O
rival, o aviador, entrou no mesmo
prédio, também para deixar um
bilhete a Anne, que acordou com
o ruído do papel passado sob a
porta. Ele veio encerrar o romance que tiveram por alguns meses.
Após tomarem café, saem juntos.
Sem saber disso, François está
no direito de imaginar o que imaginou: Christian, o aviador, teria
passado a noite com Anne. François tenta falar com a moça, mas
esta não lhe dá conversa. Quando
falam, mostra-se evasiva, indisposta para explicar alguma coisa.
Estamos em "A Mulher do
Aviador", onde as sutis discrepâncias entre realidade e imaginário são o fundamento (como
em boa parte dos filmes de Eric
Rohmer). François encontra o
aviador em companhia de uma
mulher e põe-se a segui-lo.
Por que um homem ciumento
seguiria o rival? O que ele tenta
descobrir? É inútil tentar pensar
racionalmente: é o seu ciúme que
o leva. Ou a busca de uma história? Em todo caso, para que as coisas não fiquem assim simples, um
novo personagem aparece, Lucie,
que partilha com ele a investigação e, portanto, a imaginação.
"A Mulher do Aviador" afirma
essa distância sutil porém decisiva
entre a realidade e o discurso de
cada um. Ela pode se dar pela evasão, caso de Anne, ou pela crença
naquilo que as imagens podem levar a imaginar, caso de François.
Nessa altura, já sabemos que
Rohmer pouco liga para quem
acha que em seus filmes se fala demais. Se a distância entre o que se
mostra e o que se fala, o que se
pensa e o que se acredita que se
pensa é fundamental num filme
como este, inútil esperar que se fale pouco: os diálogos são tão decisivos quanto as imagens.
Imagens de paixão, mas também paixão pelo imaginário
-que se consubstanciam, como
bem esclarece a canção final, no
verdadeiro amor que parece unir
todos esses personagens: o amor
por uma cidade. "A Mulher do
Aviador" é um estranho e belo filme, em que cada personagem parece ter um mundo próprio e contrastante com o dos parceiros
-todos amarrados uns aos outros, afinal, por Paris e pela forma
delicada como enfeitiça os personagens. Reconstituir esse "ar" de
uma cidade não é fácil. Rohmer o
faz, outra vez, como mestre.
A Mulher do Aviador
La Femme de l'Aviateur
Produção: França, 1981
Direção: Eric Rohmer
Com: Philippe Marlaud, Marie Rivière
Quando: a partir de hoje, no Top Cine 2
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