|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"LUGAR NENHUM NA ÁFRICA"
Produção alemã venceu Oscar de filme estrangeiro
Boas intenções lapidam olhar de clichês sobre o continente
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Em um passado não muito remoto, o Oscar de melhor filme estrangeiro já premiou Fellini,
Kurosawa, Truffaut, De Sica e Buñuel, mas hoje em dia, com a exceção de Almodóvar, os maiores
autores não-americanos estão
barrados desta festa. Kiarostami,
Nanni Moretti, Takeshi Kitano,
Wong Kar-Wai e tantos outros
nunca foram indicados e, pelo
visto, nunca o serão. Mudou o cinema ou mudou o Oscar?
Mudaram os dois, é certo, mas
talvez o fator crucial esteja na diminuição radical da circulação de
filmes estrangeiros nos Estados
Unidos, fato que contribuiu para
tornar o conceito dessa categoria
mais estreito. Cada vez mais, o
Oscar de filme estrangeiro obedece a padrões baseados em resultados mercadológicos ou em ideais
do exotismo estrangeiro.
Alguns filmes se encaixam à
perfeição nos dois quesitos ("O
Tigre e o Dragão" e "A Vida É Bela", por exemplo), enquanto outras, como "Lugar Nenhum na
África", produção alemã que ganhou este ano, se fixam no exotismo. O tema central do filme é a
própria questão do "ser estrangeiro" e o tratamento dado a ela, o
mais acadêmico possível.
Tome-se como acadêmico,
aqui, não apenas um formato
clássico, mas uma certa forma de
filmar presa a modelos de um suposto bom gosto cinematográfico
e de boas intenções políticas. Baseado no livro de memórias de
Stefanie Zweig (nenhum parentesco, pelo menos direto, com Stefan Zweig), o filme conta a história de um advogado judeu que,
em 1937, aceita abandonar tudo
para trabalhar em uma fazenda
no Quênia, na África.
Ele se muda com a mulher e a filha para fugir da perseguição nazista, mas o choque é imenso, e
seu casamento começa a ruir
quando a mulher insiste em voltar
para a Alemanha. A guerra estoura, e elas são obrigadas a ficar.
As intenções da diretora Caroline Link (de "A Música e o Silêncio", também indicado ao Oscar
de filme estrangeiro) são para lá
de bem intencionadas. Ela pretende mostrar a tomada de consciência do sentimento do "estrangeiro" do ponto de vista da mulher e,
principalmente, da criança, a narradora da história.
Elas, que viam aquilo como provisório e sofreram tanto com a
mudança, terminam vivenciando
uma profunda transformação e,
quando a guerra acaba, hesitam
em voltar à Alemanha.
Mas essa transformação se dá
por um caminho pouco convincente baseado no contato das
duas com Owuor (Sidede Onyulo), cozinheiro da fazenda, personagem que recebe um tratamento
tão falso quanto aquele que é dado à própria paisagem africana.
Por maior que seja notável o esforço de se narrar essa história de
maneira subjetiva, contada a partir dos olhos da criança, e portanto com uma visão inocente, "Lugar Nenhum na África" tem tudo
menos inocência: é o reflexo de
um olhar contaminado de clichês
sobre o continente e sobre as próprias relações humanas.
Lugar Nenhum na África
Nirgendwo in Afrika
Produção: Alemanha, 2002
Direção: Caroline Link
Com: Juliane Kohler, Merab Ninidze e
Matthias Habich
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Jardim Sul e circuito
Texto Anterior: "Xuxa em Abracadabra": Limitado mundo de fábulas tenta separar crianças de consumidores Próximo Texto: Crítica: Esquematismo anula a poesia dos filhos Índice
|