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São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

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"LUGAR NENHUM NA ÁFRICA"

Produção alemã venceu Oscar de filme estrangeiro

Boas intenções lapidam olhar de clichês sobre o continente

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Em um passado não muito remoto, o Oscar de melhor filme estrangeiro já premiou Fellini, Kurosawa, Truffaut, De Sica e Buñuel, mas hoje em dia, com a exceção de Almodóvar, os maiores autores não-americanos estão barrados desta festa. Kiarostami, Nanni Moretti, Takeshi Kitano, Wong Kar-Wai e tantos outros nunca foram indicados e, pelo visto, nunca o serão. Mudou o cinema ou mudou o Oscar?
Mudaram os dois, é certo, mas talvez o fator crucial esteja na diminuição radical da circulação de filmes estrangeiros nos Estados Unidos, fato que contribuiu para tornar o conceito dessa categoria mais estreito. Cada vez mais, o Oscar de filme estrangeiro obedece a padrões baseados em resultados mercadológicos ou em ideais do exotismo estrangeiro.
Alguns filmes se encaixam à perfeição nos dois quesitos ("O Tigre e o Dragão" e "A Vida É Bela", por exemplo), enquanto outras, como "Lugar Nenhum na África", produção alemã que ganhou este ano, se fixam no exotismo. O tema central do filme é a própria questão do "ser estrangeiro" e o tratamento dado a ela, o mais acadêmico possível.
Tome-se como acadêmico, aqui, não apenas um formato clássico, mas uma certa forma de filmar presa a modelos de um suposto bom gosto cinematográfico e de boas intenções políticas. Baseado no livro de memórias de Stefanie Zweig (nenhum parentesco, pelo menos direto, com Stefan Zweig), o filme conta a história de um advogado judeu que, em 1937, aceita abandonar tudo para trabalhar em uma fazenda no Quênia, na África.
Ele se muda com a mulher e a filha para fugir da perseguição nazista, mas o choque é imenso, e seu casamento começa a ruir quando a mulher insiste em voltar para a Alemanha. A guerra estoura, e elas são obrigadas a ficar.
As intenções da diretora Caroline Link (de "A Música e o Silêncio", também indicado ao Oscar de filme estrangeiro) são para lá de bem intencionadas. Ela pretende mostrar a tomada de consciência do sentimento do "estrangeiro" do ponto de vista da mulher e, principalmente, da criança, a narradora da história.
Elas, que viam aquilo como provisório e sofreram tanto com a mudança, terminam vivenciando uma profunda transformação e, quando a guerra acaba, hesitam em voltar à Alemanha.
Mas essa transformação se dá por um caminho pouco convincente baseado no contato das duas com Owuor (Sidede Onyulo), cozinheiro da fazenda, personagem que recebe um tratamento tão falso quanto aquele que é dado à própria paisagem africana.
Por maior que seja notável o esforço de se narrar essa história de maneira subjetiva, contada a partir dos olhos da criança, e portanto com uma visão inocente, "Lugar Nenhum na África" tem tudo menos inocência: é o reflexo de um olhar contaminado de clichês sobre o continente e sobre as próprias relações humanas.


Lugar Nenhum na África
Nirgendwo in Afrika
 
Produção: Alemanha, 2002
Direção: Caroline Link
Com: Juliane Kohler, Merab Ninidze e Matthias Habich
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Jardim Sul e circuito



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