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JOÃO PEREIRA COUTINHO
Vamos trocar de mundos?
Portugal e Brasil podiam voltar a unir-se em certas épocas, oferecendo um ao outro o que não têm isoladamente
O MUNDO não é justo. Existe fome, existe guerra, existe
doença. Existe Fidel, existe
Chávez, existe Mugabe. A minha
conta bancária já conheceu melhores dias. Saramago continua a publicar. Daniel Galera também. A atriz
Maria Fernanda Cândido não me telefona. E o Natal brasileiro não tem
frio nem neve. Ó brasileiros, mas vocês não têm vergonha?
Pelos vistos, não. Uma amiga brasileira telefona e informa, com certo
orgulho na voz, que o Brasil está
quente. As praias estão lotadas. E os
brasileiros andam nus pelas ruas, ou
seminus, como Pedro Álvares Cabral os encontrou. Ou, como Zé Celso gosta de apresentá-los ainda, tanto faz. E na Europa?
Frio. Os termômetros desceram
aos negativos. Cai neve em certas regiões. O cenário ideal para o Natal,
com lareira acesa, intimidade e o
barbudo a voar com as renas, de chaminé em chaminé. E charutos, e conhaque, e peru assado. Qualquer
brasileiro normal já teria emigrado a
esta altura do ano, reclamando o seu
cenário Charles Dickens. Natal com
praia e caipirinha é o supremo anticlímax. É como dormir com Monica
Bellucci e acordar com Madeleine
Albright. Pode? Infelizmente, não
posso rir. A Europa também não.
Portugal, muito menos. E, quando
chega fevereiro, é a vez de os brasileiros se rirem dos portugueses.
Carnaval no Rio. Samba. Calor e
transpiração. O frio continua na Europa, mas os portugueses gostam de
imitar o clima tropical que não têm.
Todos os anos, com temperaturas
negativas, existem escolas de samba
nas principais cidades lusitanas. Eu
gosto de ver os desfiles, não só pelas
meninas semidespidas que dançam,
mas para adivinhar o momento em
que elas desmaiam com o frio. Já assisti a desfiles sob chuva intensa.
Granizo. Neve. Furacões. Mas a alegria não pára. Ou, melhor, só pára
quando é preciso chamar os bombeiros e quebrar os cubos de gelo em
que se transformaram os foliões.
Por isso, proponho: há 200 anos, a
família real deixou Lisboa para fugir
aos franceses. Chegou ao Rio, instalou a corte e, 14 anos depois, os dois
países disseram adeus para todo o
sempre. Falta de inteligência, não?
Portugal e Brasil podiam voltar a
unir-se em certas épocas do ano,
oferecendo um ao outro o que nenhum deles tem isoladamente. Claro, o tamanho do Brasil não cabe em
Portugal. Mas Portugal tem a União
Européia, ou seja, um continente inteiro. Em dezembro, Portugal poderia oferecer o clima da Europa e o cenário perfeito para um Natal sem
bermuda ou chinelão. No Carnaval,
o Brasil poderia oferecer o calor dos
trópicos aos portugueses, ajudando
meu país a baixar a taxa de mortalidade sazonal por gripes, pneumonias e infecções carnavalescas.
P.S.: Na passada semana, escrevi que
joguei meu celular no rio Tejo. E incitava os leitores a fazer o mesmo.
Vários leitores escreveram para a
Folha e acusaram o cronista de dar
maus exemplos. Mil desculpas. E,
se os leitores tencionam jogar seus
celulares nos rios Pinheiros e Tietê,
por favor, não o façam. Mais grave
do que sujarem os rios, é sujarem
os vossos celulares.
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