São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Vamos trocar de mundos?

Portugal e Brasil podiam voltar a unir-se em certas épocas, oferecendo um ao outro o que não têm isoladamente

O MUNDO não é justo. Existe fome, existe guerra, existe doença. Existe Fidel, existe Chávez, existe Mugabe. A minha conta bancária já conheceu melhores dias. Saramago continua a publicar. Daniel Galera também. A atriz Maria Fernanda Cândido não me telefona. E o Natal brasileiro não tem frio nem neve. Ó brasileiros, mas vocês não têm vergonha?
Pelos vistos, não. Uma amiga brasileira telefona e informa, com certo orgulho na voz, que o Brasil está quente. As praias estão lotadas. E os brasileiros andam nus pelas ruas, ou seminus, como Pedro Álvares Cabral os encontrou. Ou, como Zé Celso gosta de apresentá-los ainda, tanto faz. E na Europa?
Frio. Os termômetros desceram aos negativos. Cai neve em certas regiões. O cenário ideal para o Natal, com lareira acesa, intimidade e o barbudo a voar com as renas, de chaminé em chaminé. E charutos, e conhaque, e peru assado. Qualquer brasileiro normal já teria emigrado a esta altura do ano, reclamando o seu cenário Charles Dickens. Natal com praia e caipirinha é o supremo anticlímax. É como dormir com Monica Bellucci e acordar com Madeleine Albright. Pode? Infelizmente, não posso rir. A Europa também não. Portugal, muito menos. E, quando chega fevereiro, é a vez de os brasileiros se rirem dos portugueses.
Carnaval no Rio. Samba. Calor e transpiração. O frio continua na Europa, mas os portugueses gostam de imitar o clima tropical que não têm. Todos os anos, com temperaturas negativas, existem escolas de samba nas principais cidades lusitanas. Eu gosto de ver os desfiles, não só pelas meninas semidespidas que dançam, mas para adivinhar o momento em que elas desmaiam com o frio. Já assisti a desfiles sob chuva intensa. Granizo. Neve. Furacões. Mas a alegria não pára. Ou, melhor, só pára quando é preciso chamar os bombeiros e quebrar os cubos de gelo em que se transformaram os foliões.
Por isso, proponho: há 200 anos, a família real deixou Lisboa para fugir aos franceses. Chegou ao Rio, instalou a corte e, 14 anos depois, os dois países disseram adeus para todo o sempre. Falta de inteligência, não?
Portugal e Brasil podiam voltar a unir-se em certas épocas do ano, oferecendo um ao outro o que nenhum deles tem isoladamente. Claro, o tamanho do Brasil não cabe em Portugal. Mas Portugal tem a União Européia, ou seja, um continente inteiro. Em dezembro, Portugal poderia oferecer o clima da Europa e o cenário perfeito para um Natal sem bermuda ou chinelão. No Carnaval, o Brasil poderia oferecer o calor dos trópicos aos portugueses, ajudando meu país a baixar a taxa de mortalidade sazonal por gripes, pneumonias e infecções carnavalescas.

 

P.S.: Na passada semana, escrevi que joguei meu celular no rio Tejo. E incitava os leitores a fazer o mesmo. Vários leitores escreveram para a Folha e acusaram o cronista de dar maus exemplos. Mil desculpas. E, se os leitores tencionam jogar seus celulares nos rios Pinheiros e Tietê, por favor, não o façam. Mais grave do que sujarem os rios, é sujarem os vossos celulares.


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