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Crítica/erudito
Discos celebram Neukomm
Novas gravações tentam tirar do esquecimento compositor austríaco ativo na corte de d. João 6º
Em CD, Rosana Lanzelotte, ao pianoforte, e Ricardo Kanji, à flauta, revisitam algumas das peças; Orquestra Barroca grava uma sinfonia
JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O compositor austríaco Sigismund Ritter von Neukomm
(1778-1858), que por cinco anos
gravitou na corte de d. João 6º,
no Rio, sai aos poucos do esquecimento a que foi relegado.
Rosana Lanzelotte, ao pianoforte, e Ricardo Kanji, à flauta,
acabam de lançar em CD e DVD
"Cavaleiro Neukomm, Criador
da Música de Câmara no Brasil", com seis das 70 peças que
ele escreveu por aqui.
Também está sendo lançado
pela Orquestra Barroca, regida
por Luís Otávio Santos, gravação feita em julho, no Festival
de Juiz de Fora, da "Sinfonie a
Grand Orchestre", uma das
duas que Neukomm compôs e a
primeira sinfonia de modelo
clássico escrita no Brasil.
Neukomm foi eclipsado por
geniais contemporâneos, como
Beethoven e Schubert. Caiu no
rol dos esquecidos também em
razão de seu nomadismo -esteve, além do Rio, em Viena,
São Petesburgo e Paris. Deixou
de ser defendido por correntes
musicais nacionais que operam
como lobbies na definição do
que poderá entrar para a posteridade. Trazia, por fim, a tradição germânica que, por razões
políticas, era alvo de implicância do nacionalismo francês.
Mesmo assim, a biografia de
Neukomm (pronuncia-se "nói-com") é um caldeirão de surpresas. Estudou também medicina e botânica. Parte de sua vida está ligada ao príncipe Talleyrand, ministro das Relações
Exteriores de Napoleão 1º, de
quem foi assessor, "pianista
particular" e possivelmente espião. Chegou ao Rio, em 1816,
na comitiva do duque de Luxemburgo, embaixador francês
à corte portuguesa.
Não foi compositor da capela
real de d. João 6º. Mas teve entre seus alunos de composição
o futuro Pedro 1º (aliás, um músico amador bem acima da média) e Francisco Manoel da Silva, o autor do Hino Nacional.
Nasceu em Salzburgo, na casa em frente à de Mozart. Estudou em Viena com Joseph
Haydn, que disse certa vez que
seu melhor aluno fora Beethoven, mas que seu aluno predileto se chamava Neukomm.
Em texto autobiográfico redigido cinco anos antes de morrer, afirmava ter relacionado
1.780 obras compostas, produção numericamente excepcional, que pode ter se aproximado das 2.000, boa parte delas
publicada. Não há um catálogo
de sua música. O musicólogo
mineiro José Maria Neves estava empenhado nessa tarefa ao
morrer, em 2002.
A cravista e pianista Rosana
Lanzelotte localizou as partituras agora gravadas, como o
"Duo para Flauta e Pianoforte"
(Rio, 1820) em pesquisa na Biblioteca Nacional da França.
"Neukomm foi um personagem
musical importante", diz ela.
Antes de embarcar para o Rio
seu nome já constava dos almanaques como um músico de
primeira linha. Representou
um poço de inovações no Brasil, na época apegado à tradição
da música sacra. Foi assim, por
exemplo, que escreveu 12 peças
militares dedicadas a dona Leopoldina, ou então peças para
piano que ampliavam no Rio o
espaço da música de salão. "E
com uma escrita muito virtuosística", diz Lanzelotte.
Ela é autora de um texto, "Os
Esquecidos dos 200 Anos", em
que justamente situa Neukomm como personagem central nas mudanças de concepções estéticas do pós-1808.
O Brasil não era um deserto
musical. Havia o barroco mineiro, e ainda estava na ativa o
padre José Maurício Nunes
Garcia, o maior compositor
brasileiro daquele período.
O flautista Ricardo Kanji diz
ser "impressionante a qualidade e a peculiaridade da música"
de Neukomm. "Ele não se parece com ninguém, é muito original." Essa música se enquadrava nos padrões socialmente
aceitos pelas elites da Europa
Central. "Mas suas melodias
são de uma criatividade impressionante, com harmonias e
modulações muito ricas."
Europa e lundu
Santos regeu no mesmo CD a
"Sinfonia Haffner", de Mozart.
Especialista nas técnicas de
interpretação de época (barroco e clássico) e também com
parte de sua carreira na Holanda, ele qualifica Neukomm como um personagem singular.
"Não foi um gênio, mas tem seu
vulto próprio", afirma.
A sinfonia que gravou com
sua orquestra é européia na linguagem, mas remete ao lundu e
às modinhas. Esse respeito despreconceituoso pela música
brasileira, afirma Lanzelotte, é
exemplificado pelas 20 modinhas de Joaquim Manoel da
Câmara, que Neukomm publicou ao voltar à França. Com isso, sem querer, evitou que o colega caísse no anonimato.
CAVALEIRO NEUKOMM, CRIADOR DA MÚSICA DE CÂMARA
NO BRASIL
Artista: Rosana Lanzelotte (pianoforte) e Ricardo Kanji (flauta)
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 31,90
Avaliação: ótimo
ORQUESTRA BARROCA DO 19º
FESTIVAL INTERNACIONAL DE
MÚSICA COLONIAL BRASILEIRA
E MÚSICA ANTIGA DE JUIZ DE
FORA
Artista: Luís Otávio Santos (regência)
Lançamento: Centro Cultural Pró-Música (tel. 0/xx/32/3215-3951)
Quanto: R$ 30
Avaliação: ótimo
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