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Pintor se moldou russo, judeu e francês
Identidades do lugar onde nasceu, da origem familiar e do local que escolheu para viver se fundiram na obra de Chagall
Para biógrafa, obra atingiu o auge quando a cidade natal "ainda o embalava (1914-21), mas com a experiência de Paris para desconstruí-la"
DA REPORTAGEM LOCAL
Marc Chagall nasceu em Vitebsk, que atualmente pertence
a Belarus. À época de seu nascimento, em 1887, Vitebsk era
uma das cidadezinhas judaicas
-shtetlech- no Território do
Assentamento, área ocidental
do Império Russo onde era permitida a residência de judeus.
Ali, Catarina a Grande havia
instalado, pouco menos de cem
anos antes do nascimento de
Chagall, um bolsão para tentar
impedir o acesso dos judeus às
demais áreas de seu império,
uma vez que não se converteriam ao catolicismo ortodoxo
russo nem cabiam bem na rígida estratificação social russa.
Proibidos também de morar
nas cidades mais importantes
da região, como Kiev e Ialta, pequenos comerciantes se instalavam na área que chegou a
reunir cerca de 5 milhões de
pessoas e sobreviveu até a Revolução Russa, em 1917.
Marc Chagall, porém, travou
uma relação de tal modo umbilical com a sua cidade natal que
precisava sair dali para enxergá-la direito. "Ele admitiu que
era um artista obcecado pela
mãe e para quem a cidade natal
teve forte importância psicológica e artística", ressalta a jornalista inglesa Jackie Wullschlager, autora da biografia concluída no ano passado, após oito anos de pesquisa e lançada
agora no Brasil.
"Quando terminei a "Life of
Hans Christian Andersen" [a vida de Hans Christian Andersen] em 2000, estava pensando, com o fim do século 20, qual
figura literária ou artística formaria um prisma ideal através
do qual poderia recontar, tanto
na vida quanto na arte, os triunfos e horrores do século."
Chagall, que tinha impressionado a então crítica literária
numa exposição na Royal Academy, de Londres, em 1985 -e
morrera pouco antes do fim da
mostra- apareceu a Wullschlanger a opção ideal.
O pintor viveu clandestinamente em São Petersburgo, encontrou um lar artístico em Paris -e apoio em figuras icônicas
da cultura francesa daquele começo de século, como os escritores Blaise Cendrars e Guillaume Apollinaire- e chegou a
ser convocado para engrossar
as fileiras do Exército para defender o Império Russo, aquele
mesmo que o repelia para as
franjas de seu território.
"O drama de ser estrangeiro
na Rússia e na França fez com
que nunca esquecesse sua origem judia. É significativo que
seus maiores trabalhos tenham
sido produzidos entre 1917-21,
quando houve espaço para que
os judeus desempenhassem
um papel vital e autêntico na
vida cultural russa."
A identidade judaica, ligada à
memória de Vitebsk, era indissociável do pintor. "Se eu não
fosse judeu, não teria me tornado artista -ou teria sido um
outro tipo de artista", ele mesmo dizia. "A obra de Chagall teve seu auge quando Vitebsk
ainda o embalava, de 1914 a 21,
mas já com a experiência de Paris -para ter algum distanciamento e adquirir a linguagem
formal com a qual desconstruiria Vitebsk", diz a biógrafa.
El Lissitsky, nome essencial
da vanguarda russa, era colega
de Chagall nas aulas de pintura.
Kandinsky, embora distante,
percorria caminhos parecidos.
Chagall adotou e foi adotado
pela França. O pintor "se tornou um luminar da arte nacional numa época em que esse
país finalmente perdia seu ímpeto cultural diante dos EUA".
Ao lado das cidades, Chagall
inscreve em sua formação três
mulheres: Thea, seu primeiro
modelo nu, Bella, amor arrebatador e companheira nas costuras pela Europa, morta no exílio americano, e Vava, que o
acompanhou até o fim da vida.
(ALEXANDRA MORAES)
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