São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 2009

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Crítica/ "A Morte de um Caixeiro-Viajante e Outras 4 Peças"

Peças mostram percurso de Miller como discípulo de Ibsen

Textos iniciais do dramaturgo americano, escritos de 1944 a 1955, saem em português

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Um dramaturgo deve ser avaliado pelo conjunto da obra, mas Arthur Miller (1915-2005) inseriu-se entre os grandes do século 20 pelas suas peças iniciais, escritas entre 1944 e 1955. Elas estão agora reunidas e acessíveis em português no volume "A Morte de um Caixeiro-Viajante e Outras 4 Peças", com tradução de José Rubens Siqueira e prefácio de Otavio Frias Filho.
A primeira, "Um Homem de Sorte, uma Fábula", de 1944, se já traz os traços característicos do autor, na tentativa de captar a psique do homem comum norte-americano em meio a uma economia dinâmica e com grande mobilidade social, é ainda rudimentar na lida formal com o drama.
A segunda, "Todos os Meus Filhos", de 1945, é a realização mais acabada do Arthur Miller discípulo de Ibsen. Como aponta Raymond Williams em seu clássico e insuperado estudo, "Drama from Ibsen to Brecht", a peça se estrutura em torno do mecanismo do segredo fatal, típico de Ibsen. O protagonista cometeu um crime que permaneceu secreto, e o método dramático trata de infiltrar o passado no presente de modo a tornar inexorável a sua revelação. Já se reconhece aqui na temática de Miller o conceito marxista de alienação, mesmo que ainda não explicitado na forma dramática.
Isto só ocorrerá na peça seguinte, "A Morte de um Caixeiro-Viajante", quando, abrindo-se ao projeto expressionista, em que a interioridade do sujeito se formaliza dramaticamente, Miller supera Ibsen e constrói um drama voltado para os delírios internos do personagem central. O primeiro nome da peça era "The Inside of His Head" (o interior de sua cabeça). A partir daí, como apontará Peter Szondi, no também clássico "Teoria do Drama Moderno", o passado não precisará mais do artifício da interlocução dramática para emergir.
Ele permanecerá como experiência subjetiva, memória involuntária, que se expressa na forma já épica com que se apresentam as vivências passadas do caixeiro Willy Loman.
O vendedor que se torna ele próprio mercadoria, ao suicidar-se para obter o prêmio do seguro, concretiza formalmente a denúncia do sistema econômico.
A quarta peça, "As Bruxas de Salem", é a mais conhecida do grande público porque já foi adaptada para o cinema, mas é a menos interessante do ponto de vista desses desenvolvimentos. Escrita em 1953, é uma peça baseada em fatos históricos e não apresenta a complexidade formal das duas anteriores.
Os longos comentários do autor sobre os personagens, intercalados entre as cenas, parecem trechos de romance e o aproximam do também ibseniano George Bernard Shaw. "Panorama Visto da Ponte", de 1955, completa a transição iniciada com "A Morte do Caixeiro-Viajante".
Ali Miller já se assume como um autor que "devia invocar um conceito, uma nova consciência" como propõe na introdução à peça.
Consolida-se o padrão dramático do autor, em que a perda de sentido da vida gera a busca de sentido na morte. É a própria tragédia do homem moderno, que nenhum de seus textos posteriores conseguiu realizar com a mesma intensidade.


A MORTE DE UM CAIXEIRO-VIAJANTE E OUTRAS 4 PEÇAS

Autor: Arthur Miller
Tradução: José Rubens Siqueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 43 (464 págs.)
Avaliação: ótimo




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