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Crítica/ "A Morte de um Caixeiro-Viajante e Outras 4 Peças"
Peças mostram percurso de Miller como discípulo de Ibsen
Textos iniciais do dramaturgo americano, escritos de 1944 a 1955, saem em português
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Um dramaturgo deve
ser avaliado pelo conjunto da obra, mas Arthur Miller (1915-2005) inseriu-se entre os grandes do século 20 pelas suas peças iniciais,
escritas entre 1944 e 1955.
Elas estão agora reunidas e
acessíveis em português no volume "A Morte de um Caixeiro-Viajante e Outras 4 Peças", com
tradução de José Rubens Siqueira e prefácio de Otavio
Frias Filho.
A primeira, "Um Homem de
Sorte, uma Fábula", de 1944, se
já traz os traços característicos
do autor, na tentativa de captar
a psique do homem comum
norte-americano em meio a
uma economia dinâmica e com
grande mobilidade social, é ainda rudimentar na lida formal
com o drama.
A segunda, "Todos os Meus
Filhos", de 1945, é a realização
mais acabada do Arthur Miller
discípulo de Ibsen. Como aponta Raymond Williams em seu
clássico e insuperado estudo,
"Drama from Ibsen to Brecht",
a peça se estrutura em torno do
mecanismo do segredo fatal, típico de Ibsen. O protagonista
cometeu um crime que permaneceu secreto, e o método dramático trata de infiltrar o passado no presente de modo a
tornar inexorável a sua revelação. Já se reconhece aqui na temática de Miller o conceito
marxista de alienação, mesmo
que ainda não explicitado na
forma dramática.
Isto só ocorrerá na peça seguinte, "A Morte de um Caixeiro-Viajante", quando, abrindo-se ao projeto expressionista,
em que a interioridade do sujeito se formaliza dramaticamente, Miller supera Ibsen e constrói um drama voltado para os
delírios internos do personagem central. O primeiro nome
da peça era "The Inside of His
Head" (o interior de sua cabeça). A partir daí, como apontará
Peter Szondi, no também clássico "Teoria do Drama Moderno", o passado não precisará
mais do artifício da interlocução dramática para emergir.
Ele permanecerá como experiência subjetiva, memória involuntária, que se expressa na
forma já épica com que se apresentam as vivências passadas
do caixeiro Willy Loman.
O vendedor que se torna ele
próprio mercadoria, ao suicidar-se para obter o prêmio do
seguro, concretiza formalmente a denúncia do sistema econômico.
A quarta peça, "As Bruxas de
Salem", é a mais conhecida do
grande público porque já foi
adaptada para o cinema, mas é
a menos interessante do ponto
de vista desses desenvolvimentos. Escrita em 1953, é uma peça baseada em fatos históricos e
não apresenta a complexidade
formal das duas anteriores.
Os
longos comentários do autor
sobre os personagens, intercalados entre as cenas, parecem
trechos de romance e o aproximam do também ibseniano
George Bernard Shaw.
"Panorama Visto da Ponte",
de 1955, completa a transição
iniciada com "A Morte do Caixeiro-Viajante".
Ali Miller já se
assume como um autor que
"devia invocar um conceito,
uma nova consciência" como
propõe na introdução à peça.
Consolida-se o padrão dramático do autor, em que a perda de
sentido da vida gera a busca de
sentido na morte. É a própria
tragédia do homem moderno,
que nenhum de seus textos
posteriores conseguiu realizar
com a mesma intensidade.
A MORTE DE UM CAIXEIRO-VIAJANTE E OUTRAS 4 PEÇAS
Autor: Arthur Miller
Tradução: José Rubens Siqueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 43 (464 págs.)
Avaliação: ótimo
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