São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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OPINIÃO

Facebook molda o mundo à nossa própria semelhança

RONALDO LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Em 1976 o filme "Rede de Intrigas" fez o balanço da mídia mais importante daquele momento: a televisão.
Nele, um apresentador decadente anuncia que vai se suicidar e começa a falar a "verdade" em seu programa ao vivo. Em vez de ser tirado do ar, torna-se um fenômeno de audiência, justamente por dizer aquilo que ninguém mais diz.
Corte para 2010. O filme "A Rede Social" faz um balanço da mídia que mais cresceu na década: a internet. O Facebook, com seus 500 milhões de usuários, atinge um público jamais sonhado por qualquer rede de TV.
Mas, afinal, qual é a "programação" que garante tanto sucesso?
Quem passa o dia no site acessa o conteúdo mais atraente e valioso dos tempos atuais: a si mesmo.
Ao privilegiar conexões com "amigos de verdade", cria um microcosmo que nos devolve nossa própria projeção social.
Ficamos sabendo de quais notícias nossos amigos gostaram, os temas que lhes causaram indignação, lugares frequentados, vídeos e músicas acessadas.
Nada muito diferente do que nós mesmos faríamos. É como na cena do filme "Quero Ser John Malkovich" (1999) em que o protagonista adentra sua própria cabeça.
O site mostra na prática como os chamados seis graus de separação são uma furada. Se eu conheço Ana, que conhece Bela, existe uma chance maior de eu me tornar amigo de Bela do que de qualquer outra pessoa.
O Facebook foi construído em torno disso: quer que você conheça os amigos dos seus amigos. Experimente adicionar um punhado de pessoas aleatoriamente. Logo ele bloqueia a prática.

DIVERSIDADE
É diferente do Orkut. Nos últimos anos, o site passou a incluir boa parte da diversidade do país, incluindo pessoas que não têm computador e acessam a internet por lan houses.
Isso logo gerou um termo pejorativo: a orkutização. Significa ter de conviver com o outro, o "diferente". Muitos incomodados migraram para o Facebook.
Tem gente falando agora na orkutização do Twitter, que também estaria se tornando diverso demais.
O problema de conviver apenas com gente como a gente é que isso nos torna ainda mais iguais e mais radicais nas nossas posições. Quem gosta de indie rock vai gostar ainda mais. Quem acha Sarah Palin legal vai achar ainda mais (e prestar cada vez menos atenção em quem não acha).
Diferente do filme "Rede de Intrigas", em que uma "verdade" dissonante mobilizava as pessoas, o Facebook prepara o terreno para um mundo conservador, em que somos mobilizados principalmente por nós mesmos.


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