São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008

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"Mercado" é culpado por escassez de modelos negros no mundo da moda

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ninguém na SPFW é racista. A média de modelos negros por desfile é dois, para cerca de 40, mas a culpa é do mercado. "Mercado", aqui, é sujeito indeterminado.
Os agentes de modelo dizem que "o mercado não pede" negro. "Cabelo liso é sempre mais requisitado", afirma o coordenador de "new faces" da Elite Models, Marcos Cunha.
Ele diz que apresenta sem distinção as modelos para os estilistas, mas, de cada cinco oferecidas, em geral apenas uma escolhida é negra.
Cunha cita o exemplo de Rojane, vencedora do último concurso nacional da agência. "Ela é negra, concorreu com 34 mil inscritas e ganhou, mas, se eu te disser que ela é tão requisitada quanto as vencedoras brancas de outros anos, vou estar mentindo. A proporção é 70% a 30%", conta Cunha.
Os estilistas dizem o contrário: o problema é a carência de oferta nas agências. "Eles oferecem poucos negros. Eu sou o primeiro a fazer homenagens: no meu desfile coloquei a rosa negra, que é a mais rara de todas", diz Tufi Duek, em cujo desfile havia uma negra.
Waldemar Iódice afirma que, graças a ele e a sua idéia de colocar Rojane (a vencedora do concurso da Elite), vestida apenas com colares, ela foi capa de todos os jornais. "Sempre coloquei os negros em destaque no meu desfile, mas as agências nos dão bem menos opções", diz Iódice, que nesta temporada chamou dois negros.
Boa parte dos estilistas da semana de moda prefere não dar entrevista sobre o assunto.
Para Laura Vieira, da agência de modelos Ten, "o número de negros que aparecem querendo ser modelo é bem menor". "Eles não procuram tanto a carreira", diz Vieira.
O diretor de planejamento da agência de publicidade F/Naszca, Fernan Alphen, afirma que "no fundo, é preconceito puro e simples". "Usa-se a palavra "mercado" para justificar essa força oculta. Na verdade, o preconceito não é racial, é social: isola por medo do outro. O negro é supostamente mais pobre e, por isso, não tem acesso à informação, não tem gosto. E, como a moda tem essa pretensão de divulgar tendência, ela quer fazê-lo entre a elite branca", acusa Alphen.
Marco Aurélio Casal de Rey, da Ford, agência de modelos, explica que, nos desfiles de inverno, a situação fica ainda pior. "Em geral os negros estão associados a verão."
Ele conta que, mesmo as morenas, o "tipo brasileiro", muitas vezes precisam estourar fora do Brasil para então fazer sucesso aqui.
"Sou sincero: a gente oferece negras, mas maioria dos estilistas prefere a beleza nórdica, européia", diz, sem citar nomes. Ele explica que apenas 10% de seu "casting" é composto por negros. O mesmo acontece com os orientais.
Entre as tops negras da Ford estão Samira Carvalho, Carmelita Mendes e Patrícia de Jesus.
O empresário Helder Dias, dono da HDA, agência especializada em modelos negros, reivindica para si a "descoberta" de Samira. "O pessoal da Ford a viu em um desfile da Pacco Rabane, no hotel Unique, e levou", queixa-se Dias, ele próprio negro.
Para ele, além do racismo com os negros, existe uma panelinha de agências, e algumas modelos só se tornam tops quando vão para as grandes.
Mas aí já é outra briga...


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