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FORMA&ESPAÇO
Inventar os problemas
GUILHERME WISNIK
COLUNISTA DA FOLHA
A figura social do arquiteto se enquadra mal em situações, como a atual, de forte
segmentação profissional, de trabalho para nichos de mercado,
pautados por juízos de gosto e ostentação. No fundo, tanto a ambigüidade das atribuições legais
do arquiteto perante uma obra,
quanto a dificuldade que um cidadão comum tem em entender o
seu papel profissional -que parece situar-se em algum lugar indefinível entre o artista e o engenheiro-, são sinais desse desenquadramento, que não deixa de
apontar uma crise da profissão.
Não pretendo desfiar, aqui,
uma longa lamentação. Trata-se,
antes, de precisar melhor o horizonte fundamental de atuação do
arquiteto, definido de maneira
decisiva com a modernidade. Isto
é: com os significativos crescimentos da indústria e das cidades
após a Primeira Guerra, que colocaram o problema arquitetônico
em escala ampliada, urbana.
Adequar a estrutura morfológica
de burgos medievais às novas necessidades de uma sociedade de
massas, e abrigar dignamente um
enorme contingente de trabalhadores urbanos, tornaram-se problemas urgentes, à espera de respostas concretas. Respostas que se
orientariam pela dimensão coletiva (padronização, produção em
série), e que nem os desenhistas de
fachadas -os neoclássicos de então-, nem os urbanistas utópicos, preocupados em conceber
modelos de cidades ideais, eram
capazes de dar.
Por aí se compreende que, de
par com as opções estéticas de cada época, e que são a prerrogativa
do trabalho artístico, há, a partir
da modernidade, um forte componente ético na arquitetura, que
retira a discussão do campo do
gosto pessoal, transformando
profundamente o estatuto da profissão. Como notou Giulio Carlo
Argan, já não se pode mais pensar o arquiteto, a partir de então,
na chave da dualidade entre o esteta e o construtor, pois ele tornou-se, antes de tudo, um urbanista, isto é, um intelectual, capaz
de pensar a sociedade como um
todo. Por isso é que a luta pela arquitetura moderna foi acima de
tudo política, e não estilística. O
que se colocou em causa foi menos um combate aos estilos acadêmicos, do que à lógica individualista da especulação imobiliária. Assim, o que deveria ser a resposta a uma conjuntura histórica
desdobrou-se na invenção de
uma nova vida comum, em que se
postulou ser a cidade o verdadeiro habitat humano, e não a casa
individual. Uma visão da coletividade em que a habitação é entendida não como o foco isolado
de atenção, mas em sua articulação com as redes de transporte,
escolas, parques, hospitais. Isto é:
um elogio da metrópole, densa e
verticalizada.
No entanto, quando se percebe
que, ao contrário disso tudo, os
arquitetos hoje não parecem ter
instrumentos ou modelos claros
de intervenção nas grandes cidades, e que o poder público, no caso
de São Paulo, se limita a reformar
calçadas, e reincide na prática excludente de expulsar populações
carentes das regiões centrais para
as periferias, é preciso admitir
que esse papel social do arquiteto
não se completou. O que não quer
dizer que se deva responsabilizá-lo por não ter sido capaz de resolver tais problemas. Mas sim,
apontar a sua atual incapacidade
de inventar novos problemas, que
permitam, de algum modo, reformular as demandas.
Arquiteto e mestre em história social pela USP, Guilherme Wisnik passa a escrever toda segunda-feira neste espaço
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