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TV
Em "Black. White.", que estréia em canal dos EUA no próximo mês, famílias "trocam de raça" para entender preconceito
"Reality show" encara diferenças raciais
FELICIA R. LEE
DO "NEW YORK TIMES"
Brian Sparks, um negro pintado
de branco, pela primeira vez em
sua vida viu um vendedor realmente calçar um sapato em seu
pé. Bruno Marcotulli, um branco
disfarçado de negro, declarou que
o Bruno branco e o Bruno negro
foram tratados de maneira geralmente igual.
Se a raça é o terceiro elemento
da cultura, como acredita John
Landgraf, presidente do canal a
cabo FX, então o novo seriado de
sua rede, "Black. White.", é TV-realidade de alta voltagem.
Documentário em seis partes
que estréia em 8/3 nos EUA (no
Brasil não há previsão), "Black.
White." acompanha a aventura
de duas famílias que trocam de
raça. A família branca Wurgel-Marcotulli, de Santa Monica, Califórnia, e a família negra dos
Sparks, de Atlanta, se submeteram a uma transformação racial
realizada com tintura em spray,
perucas, lentes de contato e outros truques de maquiagem. Os
brancos aparecem como negros, e
os negros, como brancos.
Os produtores dizem que
"Black. White." marca o início de
uma mudança dramática na televisão. Sem se identificar, Brian
Sparks trabalha como barman e
Rose Bloomfield (filha de Carmen
Wurgel) entra para um grupo de
poesia negra. Na maior parte do
tempo as duas famílias tentam
sentir como é a vida quando se
tem cor de pele diferente, enquanto fazem compras, freqüentam a
igreja ou procuram ajuda mecânica para um carro quebrado.
Durante seis semanas elas dividiram uma mesma casa, discutindo
o significado da experiência.
Distorções
O primeiro episódio termina
com Brian Sparks e Bruno Marcotulli sentados numa van, cada um
se recusando a olhar o outro nos
olhos. Falando do racismo, que
Sparks diz que, após uma vida inteira como negro, é capaz de discernir com facilidade, Marcotulli
afirma: "A julgar por sua reação
hoje, você fica procurando provas
dele. Você enxerga o que quer enxergar".
Sparks, que tem 41 anos e é especialista em informática, responde sem pestanejar: "E você
não enxerga o que não quer enxergar".
"Alguém vai se ofender, com
certeza", respondeu John Landgraf quando indagado sobre as
reações que prevê a "Black. White.". "É isso o que
o público espera
de nossa rede: que
assuma riscos",
disse ele. "Hoje
em dia há bem
menos preconceito declarado nos
EUA", disse Landgraf, explicando
que, por isso, quis
encontrar uma
maneira de avaliar
o lado mais sutil
do conflito racial.
"O que se constata
é que ainda existem idéias equivocadas sobre as diferentes histórias e
experiências de vida de negros e
brancos."
Os três produtores executivos do programa -o
documentarista R.J. Cutler, o ator
e rapper Ice Cube e Matt Alvarez,
sócio de Cube na empresa CubeVision Productions- disseram
que apenas procuraram captar a
realidade. As famílias afirmaram
não receber quaisquer instruções.
Nos ambientes públicos, as câmeras ou ficavam escondidas ou estavam presentes
sob o pretexto de
que estaria sendo
feito um documentário sobre
uma família. Cutler disse que a raça "é a questão definidora central na
sociedade americana, na história
americana, no rumo que estamos
seguindo hoje e
no lugar que ocupamos hoje. E é
algo que não costuma ser comentado".
Ice Cube disse
que o programa
dará às pessoas
razões para falarem de raça no dia
seguinte, em seus trabalhos. "E
nossa esperança é que, ao discutirem o programa, elas aprendam
mais umas sobre as outras e,
quem sabe, aprendam a encarar
alguns dos problemas envolvidos", disse o rapper.
Aprendizado incompleto
Todos os participantes disseram
que enxergaram "Black. White."
como maneira de mostrar como
as ofensas emocionais provocadas pelas interações raciais cotidianas podem agravar questões
maiores, tais como a discriminação no âmbito do trabalho ou da
habitação. Os adultos, em especial, disseram ter saído do programa sentindo-se incompreendidos
pelo outro casal e frustrados por
sua incapacidade de "vestir a pele" do outro.
Em entrevista telefônica recente, Bruno Marcotulli comentou:
"Eles realmente queriam que eu
saísse do programa dizendo "Uau,
agora eu entendo", ou "Meu coração se abriu'". Ele disse que tem
compaixão e que sabe que o racismo existe. "Mas, sabe de uma coisa? A vida é dura para milhões e
milhões de pessoas. E não posso
dizer simplesmente "sim, a vida é
super dura para os afro-americanos. Eles merecem reparação. Devemos fazer tudo o que podemos".
Não posso."
Enquanto isso, Renee e Brian
Sparks disseram achar que Marcotulli desprezou o racismo sutil
que encontrou da parte de brancos e ficou esperando para ouvir
um verdadeiro xingamento racista, algo que os Sparks lhe disseram várias vezes que dificilmente
iria acontecer. Os negros, disseram os Sparks, estão acostumados a ser minoria e a fazer pequenas concessões para passarem
despercebidos entre os brancos,
como, por exemplo, mudar seu
modo de falar.
Os dois adolescentes não se enfrentaram verbalmente da mesma maneira que os adultos. Rose
Bloomfield contestou a idéia de
que a raça seja uma questão menos complicada para sua geração,
mas Nick Sparks não concorda
com a idéia de que existam brechas culturais muito grandes entre as raças. "Nossa geração não
vê raça", disse.
"Este programa acabou sendo
uma crítica do conceito de ser cego às diferenças de cor, tanto
quanto qualquer outra coisa", segundo avaliação de Cutler. "Isso
ainda é cegueira. E a cegueira é perigosa."
Tradução Clara Allain
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