São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

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TV

Em "Black. White.", que estréia em canal dos EUA no próximo mês, famílias "trocam de raça" para entender preconceito

"Reality show" encara diferenças raciais

FELICIA R. LEE
DO "NEW YORK TIMES"

Brian Sparks, um negro pintado de branco, pela primeira vez em sua vida viu um vendedor realmente calçar um sapato em seu pé. Bruno Marcotulli, um branco disfarçado de negro, declarou que o Bruno branco e o Bruno negro foram tratados de maneira geralmente igual.
Se a raça é o terceiro elemento da cultura, como acredita John Landgraf, presidente do canal a cabo FX, então o novo seriado de sua rede, "Black. White.", é TV-realidade de alta voltagem.
Documentário em seis partes que estréia em 8/3 nos EUA (no Brasil não há previsão), "Black. White." acompanha a aventura de duas famílias que trocam de raça. A família branca Wurgel-Marcotulli, de Santa Monica, Califórnia, e a família negra dos Sparks, de Atlanta, se submeteram a uma transformação racial realizada com tintura em spray, perucas, lentes de contato e outros truques de maquiagem. Os brancos aparecem como negros, e os negros, como brancos.
Os produtores dizem que "Black. White." marca o início de uma mudança dramática na televisão. Sem se identificar, Brian Sparks trabalha como barman e Rose Bloomfield (filha de Carmen Wurgel) entra para um grupo de poesia negra. Na maior parte do tempo as duas famílias tentam sentir como é a vida quando se tem cor de pele diferente, enquanto fazem compras, freqüentam a igreja ou procuram ajuda mecânica para um carro quebrado. Durante seis semanas elas dividiram uma mesma casa, discutindo o significado da experiência.

Distorções
O primeiro episódio termina com Brian Sparks e Bruno Marcotulli sentados numa van, cada um se recusando a olhar o outro nos olhos. Falando do racismo, que Sparks diz que, após uma vida inteira como negro, é capaz de discernir com facilidade, Marcotulli afirma: "A julgar por sua reação hoje, você fica procurando provas dele. Você enxerga o que quer enxergar".
Sparks, que tem 41 anos e é especialista em informática, responde sem pestanejar: "E você não enxerga o que não quer enxergar".
"Alguém vai se ofender, com certeza", respondeu John Landgraf quando indagado sobre as reações que prevê a "Black. White.". "É isso o que o público espera de nossa rede: que assuma riscos", disse ele. "Hoje em dia há bem menos preconceito declarado nos EUA", disse Landgraf, explicando que, por isso, quis encontrar uma maneira de avaliar o lado mais sutil do conflito racial. "O que se constata é que ainda existem idéias equivocadas sobre as diferentes histórias e experiências de vida de negros e brancos."
Os três produtores executivos do programa -o documentarista R.J. Cutler, o ator e rapper Ice Cube e Matt Alvarez, sócio de Cube na empresa CubeVision Productions- disseram que apenas procuraram captar a realidade. As famílias afirmaram não receber quaisquer instruções. Nos ambientes públicos, as câmeras ou ficavam escondidas ou estavam presentes sob o pretexto de que estaria sendo feito um documentário sobre uma família. Cutler disse que a raça "é a questão definidora central na sociedade americana, na história americana, no rumo que estamos seguindo hoje e no lugar que ocupamos hoje. E é algo que não costuma ser comentado".
Ice Cube disse que o programa dará às pessoas razões para falarem de raça no dia seguinte, em seus trabalhos. "E nossa esperança é que, ao discutirem o programa, elas aprendam mais umas sobre as outras e, quem sabe, aprendam a encarar alguns dos problemas envolvidos", disse o rapper.

Aprendizado incompleto
Todos os participantes disseram que enxergaram "Black. White." como maneira de mostrar como as ofensas emocionais provocadas pelas interações raciais cotidianas podem agravar questões maiores, tais como a discriminação no âmbito do trabalho ou da habitação. Os adultos, em especial, disseram ter saído do programa sentindo-se incompreendidos pelo outro casal e frustrados por sua incapacidade de "vestir a pele" do outro.
Em entrevista telefônica recente, Bruno Marcotulli comentou: "Eles realmente queriam que eu saísse do programa dizendo "Uau, agora eu entendo", ou "Meu coração se abriu'". Ele disse que tem compaixão e que sabe que o racismo existe. "Mas, sabe de uma coisa? A vida é dura para milhões e milhões de pessoas. E não posso dizer simplesmente "sim, a vida é super dura para os afro-americanos. Eles merecem reparação. Devemos fazer tudo o que podemos". Não posso."
Enquanto isso, Renee e Brian Sparks disseram achar que Marcotulli desprezou o racismo sutil que encontrou da parte de brancos e ficou esperando para ouvir um verdadeiro xingamento racista, algo que os Sparks lhe disseram várias vezes que dificilmente iria acontecer. Os negros, disseram os Sparks, estão acostumados a ser minoria e a fazer pequenas concessões para passarem despercebidos entre os brancos, como, por exemplo, mudar seu modo de falar.
Os dois adolescentes não se enfrentaram verbalmente da mesma maneira que os adultos. Rose Bloomfield contestou a idéia de que a raça seja uma questão menos complicada para sua geração, mas Nick Sparks não concorda com a idéia de que existam brechas culturais muito grandes entre as raças. "Nossa geração não vê raça", disse.
"Este programa acabou sendo uma crítica do conceito de ser cego às diferenças de cor, tanto quanto qualquer outra coisa", segundo avaliação de Cutler. "Isso ainda é cegueira. E a cegueira é perigosa."


Tradução Clara Allain


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