São Paulo, sexta, 20 de fevereiro de 1998

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CINEMA ESTRÉIA
Nolte parte para o incesto em "Reviravolta'

ELAINE GUERINI
enviada especial a Los Angeles

Nick Nolte, 57, nunca escondeu sua preferência por personagens autodestrutivos, alcoólatras e desajustados. "Gosto de fazer papéis que me incomodam", afirma o ator norte-americano, que volta às telas na pele de um poderoso dono de terras que obriga a filha a assumir -inclusive na cama- o lugar da mãe morta.
Em "Reviravolta" ("U-Turn"), thriller dirigido por Oliver Stone que estréia hoje, Nolte interpreta o que ele chama de um "clássico herói americano". "Ele tem todo o dinheiro, toda a terra e todas as mulheres", diz o ator à Folha durante entrevista concedida no hotel Four Seasons de Beverly Hills, em Los Angeles.
Vestindo um pijama branco com listras azuis e um roupão azul-marinho por cima, Nolte conta ter adorado a estranheza de Jack McKenna, seu novo personagem. "Ele nos força a reconhecer que somos todos animais, mesmo que nossa mente não aceite isso. Nós simplesmente temos medo de admitir os desejos mais íntimos e secretos."
Todos os pais, na visão do ator, têm tendências incestuosas. "Ao aceitar o papel, passei a observar o comportamento dos pais com relação às filhas procurando algo suspeito. Percebi que há um certo erotismo nesse amor, mas, como isso é proibido, o sentimento é bloqueado", conta o ator, que é pai de um garoto de 11 anos. "Infelizmente, perdi duas filhas."
No filme, baseado no livro "Stray Dogs", do escritor John Ridley, Nolte vive essa complicada relação com a atriz de ascendência porto-riquenha Jennifer Lopez. No início da trama, que se passa na pacata cidadezinha de Superior, no deserto do Arizona, eles são apresentados ao espectador como marido e mulher.
No decorrer da história, quando a jovem conhece o forasteiro Bobby Cooper (Sean Penn) e o seduz na esperança de ir embora com ele, é que o trauma do incesto vem à tona.
O que mais pesou na decisão de Nolte em encarnar o novo personagem foi justamente a possibilidade de explorar esse tabu pela primeira vez em sua carreira.
"Já vivi muitos homens corruptos, assassinos psicóticos, maníacos-depressivos e quase todo tipo de papel que expõe as hipocrisias da sociedade. Mas nenhum deles dormia com a filha pensando na mulher morta."
Lista negra
Essa galeria de sujeitos desajustados que o ator criou nas telas o diverte. "Mas, quando estou filmando, sempre ouço uma voz interna, o meu lado careta, perguntando: "O que a sua mãe vai pensar?"', brinca o ator, que já figurou na lista negra de Hollywood -em parte pelo uso de álcool e drogas que o levou a passar anos frequentando clínicas de desintoxicação.
A ganância de Jack McKenna retrata, na opinião do ator, a necessidade que o norte-americano tem de se sentir superior. "Nos EUA, ter a esperança de se tornar alguém na vida significa estar pronto para competir e vencer os outros custe o que custar."
Nolte acredita que o poder e o dinheiro podem fazer com que a pessoa perca a noção do que é realmente importante na vida. "Conheço um médico milionário que estoca papel higiênico. O número de rolos que ele possui é infinitamente superior ao que conseguirá gastar em toda a vida."
É esse desejo de acumular coisas que acaba liquidando seu personagem no filme. "Ele tem tudo, mas é como se não tivesse nada. No fundo, tudo o que Jack quer é alguém que o mate, já que ele não tem coragem de fazê-lo."



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