São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

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LIVRO/LANÇAMENTO

"O MUNDO MUÇULMANO"

Historiador holandês tenta explicar didaticamente cultura e relações sociais no Oriente Médio

Demant expõe olhar ocidental sobre o islã

Associated Press
Mulher afegã, vestida com a tradicional burca, caminha em rua de Cabul, destruída pela guerra


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os atentados de 11 de março em Madri aguçaram na consciência coletiva brasileira a preocupação com a até pouco tempo atrás vaga, distante e obscura questão religiosa do islã.
Embora no país exista uma comunidade muçulmana e assuntos referentes a essa religião apareçam há décadas nos veículos de comunicação -quase sempre, infelizmente, devido a guerras e conflitos-, a ignorância a respeito do tema é vasta e generalizada.
Como todos os indícios sugerem que o relacionamento entre as civilizações muçulmana e judaico-cristã continuará na ordem do dia, com conseqüências crescentemente sensíveis para todas as pessoas, inclusive neste país, é urgente a necessidade de a opinião pública entender mais e melhor o pensamento, a história, as motivações, os ramos do islã.
Por todos esses motivos, é oportuno e importante o lançamento de "O Mundo Muçulmano", de Peter Demant (editora Contexto). Demant é um historiador holandês, especializado em Oriente Médio, que viveu oito anos em Jerusalém e agora leciona no departamento de história da USP.
O livro é bem documentado e pode até servir como obra de referência, graças a apêndices como glossário e cronologia. Certamente suscitará discordâncias entre os interessados no assunto devido à alta volatilidade ideológica associada a quase tudo que se refere ao islã nos tempos atuais. Ainda mais porque o autor não é nem árabe nem muçulmano.
Demant se esforça ao longo do texto para ser o observador mais isento possível. Ele é metódico, didático, lógico. Mas, sem a menor dúvida -e talvez inevitavelmente-, posiciona-se como um ocidental diante do islã. Corajoso, não se furta a fazer recomendações sobre como o Ocidente deve lidar com o seu interlocutor mais importante (e ameaçador). Para ele, "a tríade das políticas mais indicadas para promover tanto a segurança internacional quanto a coexistência" é: com o islã, diálogo; com o islamismo, luta, e com o mundo muçulmano empobrecido e enraivecido, justiça, desenvolvimento e democratização.
Demant usa o termo islamismo para definir especificamente o movimento religioso radical do islã político, o que se costuma chamar de fundamentalismo muçulmano. Com esse grupo, ele acha que não pode haver conversa, posição defensável, mas discutível. No entanto, mesmo quando receita ao Ocidente que ofereça "justiça, desenvolvimento e democratização" para o mundo muçulmano não radical, a fórmula parece benévola, mas pode ser -além de inviável- prejudicial e até agressiva do ponto de vista do suposto beneficiado.
Será que democracia e desenvolvimento na concepção que tomaram esses termos no mundo ocidental moderno são mesmo valores universais e positivos que precisam ser adotados por todos os povos? E, se forem, será que é possível impô-los, como George W. Bush diz que vai fazer no Iraque e, depois, no Oriente Médio todo?
Como o próprio Demant ensina, há uma incompatibilidade conceitual entre a maneira de ver o mundo pela ótica islâmica e algumas premissas do conceito vigente de democracia. Como é possível ter certeza de que essa dissonância precisa ser resolvida necessariamente pela adoção dos princípios que aos ocidentais parecem mais certos?
O autor também mostra que a época do confronto entre o islã e a modernidade teve início com a invasão napoleônica do Egito. Napoleão, como Bush, acreditava que podia forçar o mundo inteiro a adotar seus valores. Não só no Egito, mas na Prússia e em outros lugares, o que conseguiu foi disseminar o ódio contra esses valores.


Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

O Mundo Muçulmano
  
Autor: Peter Demant
Editora: Contexto
Quanto: R$ 49,90 (432 págs.)


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