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LIVRO/LANÇAMENTO
"O MUNDO MUÇULMANO"
Historiador holandês tenta explicar didaticamente cultura e relações sociais no Oriente Médio
Demant expõe olhar ocidental sobre o islã
Associated Press
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Mulher afegã, vestida com a tradicional burca, caminha em rua de Cabul, destruída pela guerra |
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os atentados de 11 de março
em Madri aguçaram na
consciência coletiva brasileira a
preocupação com a até pouco
tempo atrás vaga, distante e obscura questão religiosa do islã.
Embora no país exista uma comunidade muçulmana e assuntos
referentes a essa religião apareçam há décadas nos veículos de
comunicação -quase sempre,
infelizmente, devido a guerras e
conflitos-, a ignorância a respeito do tema é vasta e generalizada.
Como todos os indícios sugerem que o relacionamento entre
as civilizações muçulmana e judaico-cristã continuará na ordem
do dia, com conseqüências crescentemente sensíveis para todas
as pessoas, inclusive neste país, é
urgente a necessidade de a opinião pública entender mais e melhor o pensamento, a história, as
motivações, os ramos do islã.
Por todos esses motivos, é oportuno e importante o lançamento
de "O Mundo Muçulmano", de
Peter Demant (editora Contexto).
Demant é um historiador holandês, especializado em Oriente
Médio, que viveu oito anos em Jerusalém e agora leciona no departamento de história da USP.
O livro é bem documentado e
pode até servir como obra de referência, graças a apêndices como
glossário e cronologia. Certamente suscitará discordâncias entre os
interessados no assunto devido à
alta volatilidade ideológica associada a quase tudo que se refere ao
islã nos tempos atuais. Ainda
mais porque o autor não é nem
árabe nem muçulmano.
Demant se esforça ao longo do
texto para ser o observador mais
isento possível. Ele é metódico, didático, lógico. Mas, sem a menor
dúvida -e talvez inevitavelmente-, posiciona-se como um ocidental diante do islã. Corajoso,
não se furta a fazer recomendações sobre como o Ocidente deve
lidar com o seu interlocutor mais
importante (e ameaçador). Para
ele, "a tríade das políticas mais indicadas para promover tanto a segurança internacional quanto a
coexistência" é: com o islã, diálogo; com o islamismo, luta, e com o
mundo muçulmano empobrecido e enraivecido, justiça, desenvolvimento e democratização.
Demant usa o termo islamismo
para definir especificamente o
movimento religioso radical do
islã político, o que se costuma
chamar de fundamentalismo muçulmano. Com esse grupo, ele
acha que não pode haver conversa, posição defensável, mas discutível. No entanto, mesmo quando
receita ao Ocidente que ofereça
"justiça, desenvolvimento e democratização" para o mundo
muçulmano não radical, a fórmula parece benévola, mas pode ser
-além de inviável- prejudicial
e até agressiva do ponto de vista
do suposto beneficiado.
Será que democracia e desenvolvimento na concepção que tomaram esses termos no mundo
ocidental moderno são mesmo
valores universais e positivos que
precisam ser adotados por todos
os povos? E, se forem, será que é
possível impô-los, como George
W. Bush diz que vai fazer no Iraque e, depois, no Oriente Médio
todo?
Como o próprio Demant ensina, há uma incompatibilidade
conceitual entre a maneira de ver
o mundo pela ótica islâmica e algumas premissas do conceito vigente de democracia. Como é
possível ter certeza de que essa
dissonância precisa ser resolvida
necessariamente pela adoção dos
princípios que aos ocidentais parecem mais certos?
O autor também mostra que a
época do confronto entre o islã e a
modernidade teve início com a
invasão napoleônica do Egito.
Napoleão, como Bush, acreditava
que podia forçar o mundo inteiro
a adotar seus valores. Não só no
Egito, mas na Prússia e em outros
lugares, o que conseguiu foi disseminar o ódio contra esses valores.
Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
O Mundo Muçulmano
Autor: Peter Demant
Editora: Contexto
Quanto: R$ 49,90 (432 págs.)
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