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FORMA&ESPAÇO
Minhocão - Nem consenso nem dissenso
GUILHERME WISNIK
COLUNISTA DA FOLHA
Foi lançado pela prefeitura
um concurso de idéias visando a recuperação urbana e ambiental da área do Minhocão, no
centro de São Paulo. A importância e complexidade do tema pedirão uma continuidade do debate,
nesta coluna, nas próximas semanas. Por enquanto, penso que a
melhor estratégia de abordagem
da questão seja a suspensão do
juízo sobre a validade do concurso e uma especulação sobre as discussões suscitadas por ele.
O Minhocão é um viaduto com
extensão de 2,73 km, que realiza
uma importante conexão viária
da cidade (leste-oeste). Construído no início dos anos 70 pela ditadura militar, tornou-se símbolo
das intervenções faraônicas do
período -e sinônimo de degradação (social, ambiental etc). É,
portanto, natural que em tempos
de revisão ideológica daquele modelo autoritário, de crescente
conscientização ecológica, e à luz
de uma série de experiências recentes em outras metrópoles, São
Paulo procure rever esse fardo.
O que a princípio surpreende,
no entanto, é a falta de consenso
em relação ao que fazer, resultado da crise do paradigma da
"praça pública" como espaço privilegiado de reunião e cidadania.
Hoje, a solução conciliatória que
há algum tempo angariaria
maior adesão talvez nem sequer
apareça no horizonte das propostas: a construção de um grande
túnel para automóveis e a substituição da "cicatriz" de concreto
por bulevares. Concepção, esta,
que amparou intervenções desastradas num passado recente, como as do Anhangabaú e da praça
Roosevelt. Por outro lado, não parece haver grandes polaridades
em disputa entre as posições, sinalizando o fato de que o embaralhamento ideológico atual não
é só político mas se espraia para o
modo de enxergar a cidade.
Diante disso, cabe aqui um esboço especulativo desse quadro:
1) A manutenção do elevado
pode reunir argumentos a princípio conflitantes. Um deles é o que
defende a prioridade de investimentos em regiões carentes (habitação, infra-estrutura etc), secundando operações desse porte para
situações futuras. Outra, é uma
ótica por princípio avessa ao desperdício de recursos, que tende a
naturalizar os monumentos construídos sem juízo de valor, considerando o Minhocão como um
patrimônio já consagrado. Ambas as posições, que poderíamos
chamar de "realistas" e "pragmáticas", acabam se aproximando
de uma terceira, simpática à
apropriação popular do elevado
no domingo, quando as pistas de
asfalto se transformam em um
enorme parque. Por essa perspectiva bucolicamente subversiva,
parece razoável substituir os 80
mil carros que circulam ali por
dia por árvores e canteiros, mantendo a estrutura física (total ou
parcial) do viaduto. Por fim, podemos imaginar aqueles que preferirão "aproveitar" o elevado para implantar um transporte de
massas sobre trilhos. Resta saber,
no entanto, se essa aposta não
chega, aqui, ao paroxismo, já que
há uma linha de metrô correndo
no mesmo eixo.
2) Entre as hipóteses favoráveis
à demolição, o leque é menor. Excluindo a hipótese anárquica de
desmonte do viaduto como modo
de colapsar o trânsito da cidade,
resta a posição que vincula a demolição ao estudo de desvio do
tráfego expresso para outras vias,
acreditando que a recomposição
do tecido urbano na área central
é vital para a urbanidade da cidade. Essa posição, que pode ser
chamada de "idealista", já que
mobiliza uma grande quantidade de investimentos para reestabelecer, de certo modo, uma situação passada, não deixa de ser
também "pragmática", pois a
desvalorização continuada daquela vasta área, rica em infra-estrutura urbana (luz, esgoto,
transporte), acarreta um enorme
déficit de arrecadação anual à
prefeitura.
O que se mantém como pressuposto em quase todas as hipóteses
é a inversão da ênfase no sistema
de transportes do individual para
o coletivo e uma preocupação difusa com a recuperação de espaços públicos. Binômio no qual se
adivinha o nó górdio: como conciliar as escalas macrometropolitana e local, as estruturas sistêmicas e o espaço de vida do homem?
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