São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2006

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FORMA&ESPAÇO

Minhocão - Nem consenso nem dissenso

GUILHERME WISNIK
COLUNISTA DA FOLHA

Foi lançado pela prefeitura um concurso de idéias visando a recuperação urbana e ambiental da área do Minhocão, no centro de São Paulo. A importância e complexidade do tema pedirão uma continuidade do debate, nesta coluna, nas próximas semanas. Por enquanto, penso que a melhor estratégia de abordagem da questão seja a suspensão do juízo sobre a validade do concurso e uma especulação sobre as discussões suscitadas por ele.
O Minhocão é um viaduto com extensão de 2,73 km, que realiza uma importante conexão viária da cidade (leste-oeste). Construído no início dos anos 70 pela ditadura militar, tornou-se símbolo das intervenções faraônicas do período -e sinônimo de degradação (social, ambiental etc). É, portanto, natural que em tempos de revisão ideológica daquele modelo autoritário, de crescente conscientização ecológica, e à luz de uma série de experiências recentes em outras metrópoles, São Paulo procure rever esse fardo.
O que a princípio surpreende, no entanto, é a falta de consenso em relação ao que fazer, resultado da crise do paradigma da "praça pública" como espaço privilegiado de reunião e cidadania. Hoje, a solução conciliatória que há algum tempo angariaria maior adesão talvez nem sequer apareça no horizonte das propostas: a construção de um grande túnel para automóveis e a substituição da "cicatriz" de concreto por bulevares. Concepção, esta, que amparou intervenções desastradas num passado recente, como as do Anhangabaú e da praça Roosevelt. Por outro lado, não parece haver grandes polaridades em disputa entre as posições, sinalizando o fato de que o embaralhamento ideológico atual não é só político mas se espraia para o modo de enxergar a cidade. Diante disso, cabe aqui um esboço especulativo desse quadro:
1) A manutenção do elevado pode reunir argumentos a princípio conflitantes. Um deles é o que defende a prioridade de investimentos em regiões carentes (habitação, infra-estrutura etc), secundando operações desse porte para situações futuras. Outra, é uma ótica por princípio avessa ao desperdício de recursos, que tende a naturalizar os monumentos construídos sem juízo de valor, considerando o Minhocão como um patrimônio já consagrado. Ambas as posições, que poderíamos chamar de "realistas" e "pragmáticas", acabam se aproximando de uma terceira, simpática à apropriação popular do elevado no domingo, quando as pistas de asfalto se transformam em um enorme parque. Por essa perspectiva bucolicamente subversiva, parece razoável substituir os 80 mil carros que circulam ali por dia por árvores e canteiros, mantendo a estrutura física (total ou parcial) do viaduto. Por fim, podemos imaginar aqueles que preferirão "aproveitar" o elevado para implantar um transporte de massas sobre trilhos. Resta saber, no entanto, se essa aposta não chega, aqui, ao paroxismo, já que há uma linha de metrô correndo no mesmo eixo.
2) Entre as hipóteses favoráveis à demolição, o leque é menor. Excluindo a hipótese anárquica de desmonte do viaduto como modo de colapsar o trânsito da cidade, resta a posição que vincula a demolição ao estudo de desvio do tráfego expresso para outras vias, acreditando que a recomposição do tecido urbano na área central é vital para a urbanidade da cidade. Essa posição, que pode ser chamada de "idealista", já que mobiliza uma grande quantidade de investimentos para reestabelecer, de certo modo, uma situação passada, não deixa de ser também "pragmática", pois a desvalorização continuada daquela vasta área, rica em infra-estrutura urbana (luz, esgoto, transporte), acarreta um enorme déficit de arrecadação anual à prefeitura.
O que se mantém como pressuposto em quase todas as hipóteses é a inversão da ênfase no sistema de transportes do individual para o coletivo e uma preocupação difusa com a recuperação de espaços públicos. Binômio no qual se adivinha o nó górdio: como conciliar as escalas macrometropolitana e local, as estruturas sistêmicas e o espaço de vida do homem?


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