São Paulo, terça-feira, 20 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FERNANDO BONASSI

Alice no país das mil milícias


São 500 e poucos anos de cartas marcadas nas mãos dos mesmos monarcas

O PAÍS das mil milícias é uma espécie de jardim de sevícias onde a segurança pública foi vendida para as mais malucas iniciativas de privada. Quanto às delícias da insegurança que reina descontrolada, essa parece ser a melhor parte administrada pelos governos eleitos contra a população sitiada.
Porque os bandidos podem usar fardamento e os fardados podem se tornar bandidos num momento é que no país das mil milícias, por exemplo, não se sabe quem é polícia.
De malícia, muitos se fantasiam de autoridade para entrar nas concorrências das ocorrências; uns porque arreganham imunidades parlamentares em tempos de paz; outros porque defendem a sua sobrevivência como se estivessem em plena guerra... São, na verdade, senhores e soldados do mesmo tráfico de escravos, fazendo parcerias de danados dentro da mais estreita ilegalidade!
E por falar em quem disputa legislaturas, escrevem livros sem gravuras, com letras miúdas e conjecturas indecifráveis, já que os notáveis preferem ficar burros e famosos... Medíocres ou charmosos, o fato é que não sabem para que lado atirar, nem com qual deles se proteger...
Pois é num imundo confuso desse tipo que vareja Alice, a adorável, à procura do que comer em meio ao lixo reciclável... É vegetariana a doce criança, mas nas hortas que se planta nesses sítios só encontra os frutos daninhos dos presuntos de meninos enterrados a sete palmos de terra grilada.
Os chapeleiros dessa palhaçada até blindaram os coletes e usam capacetes contra os gases lacrimogêneos que os fazem morrer de dar risada!
O país de Alice é tão mágico, mas tão mágico, que certos magos encostados coçam os bagos e conquistam 13 mil por mês com o endosso cortês de velhos comunistas!
Os comunistas são velhos, mas preferem comer as suas criancinhas, moreninhas e maiores de 18 anos, em certas casinhas esquisitas...
É uma loucura arrepiada e o país de Alice seria uma piada, não fosse uma tragédia anunciada desse tanto! São 500 e poucos anos de cartas marcadas nas mãos dos mesmos monarcas ou de seus valetes, mas como poucos súditos e vedetes sabem ler para decifrar até mesmo os seus direitos de propriedade, jogam-se às cegas contra a própria prosperidade, sendo os primeiros colocados na escola dos malvados.
É preciso reconhecer que está tudo de cabeça para baixo, de forma que os coitados é que são os ferrados e os errados estão desencontrados nos lugares exatos, batendo de cabeça em contradições e mesquinhez paralisantes. Assim, enquanto esses que têm rendas ficam brincando de Banco Imobiliário, os sem-teto, sem-terra ou sem-salário os espreitam de soslaio, como se a realidade fosse um show meio sujo, cuja intimidade fedorenta excitasse a maioria miserável feito um chá estimulante.
No país das mil milícias, aliás, há muitos chás! Em pedra para os pobres e em pó para os ricos, pois todos querem sonhar... Sonham que querem casar e ter filhos, mas têm medo dos martírios que podem vir a sofrer. Deviam é saber que, no fim, tudo não passa de um pesadelo...
Quem sabe não é por isso que ficam parados, ou cansados, de si mesmos?!
Todos querem proteção, nem que seja pela mão da crueldade, e Alice paga pedágio para ir e vir, acordar ou dormir... Mas o que Alice não entende em suas viagens lisérgicas é por que razão os doidos violentos é que mandam, ou legislam, pelos sãos?!
E quem são esses que preferem o achaque dos mendigos e bandidos a parar para fazer, distribuir ou devolver o que pensam que podem ter sem perecer num seqüestro relâmpago?
No país das mil milícias, morre-se num instante!
Por essas lições entediantes e imorais de cinismo, Alice também acabou se cansando de estudar, ficando todo dia a suspirar, meio tonta, meio trouxa e meio vadia a esperar que os adultos lhe dêem o que não tem paciência ou maturidade pra ir buscar...
O verbo é arriscar, mas Alice tem preguiça de conjugar, ou pensar...
No país das mil milícias, nem convém pensar muito! Ali se cortam cabeças num minuto, já que a justiça anda atrasada ou se faz de cabide para coelhos estressados, aposentados com honorários de traficantes coroados; são aqueles diletantes aferrados às letras das leis pelas quais serão enforcados...
A propósito disto, Alice nem precisará ser julgada. Será apenas abatida com uma bala perdida diante das delegacias das cidades fechadas por falta de eletricidade.


Texto Anterior: Resumo das novelas
Próximo Texto: Artes Plásticas: Bienal de Veneza anuncia artistas selecionados
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.