São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2008

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Foco

Freqüentadoras de bailes da terceira idade aprovam longa, com alguns poréns

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Elas se olham e não contêm o riso logo no início do filme "Chega de Saudade", quando uma personagem sentencia: "Homem de salão não presta".
Sabem exatamente o significado da frase. Há anos são freqüentadoras assíduas de bailes da terceira idade, como o retratado no longa de Laís Bodanzky que estréia amanhã.
Chegam a arrastar os pés sete noites por semana, mas anteontem, a convite da Folha, trocaram o salão pela pré-estréia do filme, no Espaço Unibanco, em São Paulo.
Professora de matemática aposentada, Regina Previtelli, 58 anos, 20 de separação e 12 de bailes, foi procurada pela reportagem e convocou sua turma. Trouxe quatro amigas, todas com cabelos pintados de loiro, duas separadas, duas viúvas, apenas uma casada. Só damas, nenhum cavalheiro?
Elas explicam: como em "Chega de Saudade", boa parte dos freqüentadores de bailes é casada. Melhor não dar as caras com as amigas no jornal.
Então é por isso que homem de salão não presta? "Não só. Também é comum a gente se encantar pelo olhar, o toque. No clima de glamour no baile, o sapo vira príncipe. Sai de lá, e o cara não tem muita coisa na cabeça", conta uma delas, que pede para não ser identificada para não magoar os paqueras.
Viúva há 19 anos, a dona-de-casa Marlene Dias, idade não revelada, dança quase todo dia desde 1995 e sabe que, "apesar de flutuar no salão, é preciso manter os pés no chão".
Já arrumou namorados nos bailes, dois deles 18 anos mais jovens. "Mas vem uma ciumeira porque eles trabalham, não podem dançar toda noite, e eu vou mesmo assim. Se tenho que escolher, fico com o baile", diz ela, que há quatro anos tem a companhia da filha, a fonoaudióloga Marlise, 42.
"Achava que os bailes eram só para a minha mãe. Mas me separei e comecei a ir. Cada vez tem mais jovem, e até minha filha de 19 anos adora."
Única casada do grupo, Neusa Vasconcelos, 67, dona-de-casa, enfrenta o ciúme do marido para dançar. "Ele não gosta, então vou com as amigas."
Mais que especializadas no assunto, elas aprovaram a obra de Bodanzky, com alguns poréns. "Nossos bailes são mais bonitos", diz Miriam Seneor, 62, vestido de oncinha, salto alto com plataforma, viúva há dez anos, bailes há nove. "E nunca vi cena "caliente" como aquela [no filme, um casal se masturba num canto escuro]." Para Miriam, o salão deu um rumo a sua vida. "Quando meu marido morreu, pensei: "O que vou fazer?" Descobri os bailes. Começo a trabalhar às 8h, paro às 20h, cansada. É só uma amiga me chamar para dançar que em minutos me transformo. Coloco bobes na cabeça, tomo um banho, me maquio, boto vestido, salto alto e me sinto linda. Me acabo de dançar e durmo feliz."
"Promoter" desta reunião, Regina é suspeita para dar sua opinião sobre o filme. De tão assídua nas noites, foi convidada a ser figurante. Suas amigas morreram de rir na cena em que ela aperta o bumbum de um garçom. "Vocês também queriam, né?", brincou.


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