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Montagem atualiza "Navalha na Carne"
Clássico de Plínio Marcos ganha encenação que propõe "abrir a leitura dos personagens'
Gero Camilo, Paula Cohen e Gustavo Machado estão no elenco: "Neusa Sueli pode ser universitária, e Vado, playboy classe média", dizem atores
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Neusa Sueli, a prostituta de
"Navalha na Carne", peça-assinatura de Plínio Marcos (1935-1999), já encarnou em Tônia
Carrero, Glauce Rocha e, mais
recentemente, Vera Fischer.
Da mesma forma, o cafetão/gigolô Vado entranhou-se em
Walmor Chagas, Jece Valadão
(em atuação que marcaria sua
carreira) e, vá lá, no cubano
Jorge Perugorría.
Pois hoje em dia, Neusa quiçá
seja uma universitária que faz
programas, e Vado, um playboy
de classe média dado à cafajestagem. A orientação de "abrir a
leitura dos personagens para
que as pessoas se reconheçam
neles" é de Pedro Granato, diretor da montagem de "Navalha", que estréia hoje (para convidados), em São Paulo, com
Paula Cohen (Neusa), Gustavo
Machado (Vado) e Gero Camilo
(o homossexual Veludo).
O texto do dramaturgo santista, que usa um incidente
mundano (o sumiço do dinheiro que caberia a Vado) para
contemplar a falência emocional do trio, foi encenado pela
primeira vez em 1967. De lá para cá, o arranca-rabo das tristes
figuras tornou-se um clássico
do teatro brasileiro -e ganhou
duas adaptações para o cinema,
em 1969 (por Braz Chediak) e
1997 (por Neville D'Almeida).
O status da peça não intimida
os atores da releitura de agora.
"É a primeira vez em que há expectativa em relação ao meu
trabalho. Todo mundo fala: "Ah,
mas vai fazer a Neusa? Tá velha,
tá nova, tá bonita, tá feia". Claro
que tem uma pressãozinha.
Mas, na verdade, estamos querendo fazer a nossa interpretação dessa peça. Então isso nos
liberta", diz Paula.
"Há várias montagens clássicas, e todas apontam para uma
direção. A gente já espera o que
vai ver. Cabe a nós [os atores]
achar uma cara nova para esses
três seres", completa Machado,
que dá a deixa para Gero: "Essa
cara nova vem da humanização, do mergulho em nossos
próprios corpos para criar máscaras. A gente se aproxima dos
personagens não a partir do estereótipo, mas do arquétipo."
Veludo da nova era
Para Gero, era essencial trazer à tona "novas camadas desses personagens que, mesmo
no miserê, estão em busca de
sua grandeza, como todo ser
humano. Por exemplo, não
imagino o Veludo um veadinho
ignorante do final da década de
60. Não, ele já é da era
"GLSBTUVXZ", faz curso de inglês. É outra história, outro lugar a se mergulhar".
Lugar que, se depender de
Gero, talvez esteja alguns quarteirões adiante. "A história pode se passar hoje à noite, numa
quitinete da [rua] Augusta. Esses indivíduos fazem parte dessa realidade, desse cenário
[aponta para a região da avenida Paulista, vista por trás das
janelas envidraçadas do Sesc]."
O verniz contemporâneo,
avaliam os atores, foi possível
graças ao texto livre de Plínio
Marcos, com rubricas (notas do
autor) que não ficam datadas
-por sugerirem o estado emocional do personagem mais do
que esmiuçarem seu perfil.
A vaidade e a neurose com a
juventude, sabe-se bem, não
caducaram dos anos 60 para cá.
"Nem a busca de amor, acolhimento", observa Granato, no
que entra Cohen: "Tudo o que a
Neusa quer é uma familinha, o
sonho de mulher: casinha, maridinho, ter um pouco de carinho. É uma coisa simples".
Classe média
São aspirações pequeno-burguesas dessa ordem (e o formato de arena do teatro) que
"aproximam a classe média da
montagem, mesmo que ela não
queira", na opinião de Gero.
"Quem disse que a Neusa não
pode ser uma universitária que
se prostitui ou que esse cara
não pode ser um sujeito de classe média que mandou a família
pro cu e foi parar num cortiço?"
Para tentar "ressaltar os lados da "Navalha" que não aparecem numa primeira leitura, sobretudo o sentimental", Granato buscou referências em Pedro
Almodóvar e nas artes plásticas. Por isso, cenário e iluminação descartam o hiper-realismo em favor de uma atmosfera
mais sedutora, envolvente.
Na prática, isso se traduz em
uma cama redonda colocada no
centro de um cubo de néon violeta. No fundo do palco, uma estrutura metálica fina faz as vezes de porta. Mais adiante, pregado na janela, um coração de
neón bate (digo, acende-se) pela metade. Foi a navalha.
NAVALHA NA CARNE
Quando: pré-estréia (para convidados)
hoje, às 21h; de sex. a dom., às 21h; até 4/5
Onde: teatro de arena do Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel. 0/xx/11 3179-3700)
Quanto: R$ 20
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