São Paulo, sábado, 20 de março de 2010

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Pirataria peruana espalha-se pela AL

Preferidos são best-sellers mundiais, autoajuda e livros técnicos e escolares

Novo livro de Paulo Coelho surgiu em camelôs do país antes de a tradução oficial para o espanhol ter sido concluída

Claudia Alva
Vendedor ambulante de livros piratas circula pelas ruas de Lima, no Peru, onde mercado clandestino representa 40% do setor

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

"O Vencedor Está Só", mas vem sendo adquirido por milhares de leitores peruanos no maior mercado da indústria pirata latino-americana.
Conhecido como "Paraíso dos Livros", o mercado Amazônia fica num galpão de 7 mil metros2 ao norte de Lima, capital do Peru, e concentra cerca de 250 barracas de vendedores de livros usados, antigos e piratas. Foi ali que o novo romance de Paulo Coelho fez sua estreia, antes mesmo de concluída a tradução oficial para o espanhol da editora Planeta.
"A tradução da [editora] Planeta foi preparada com certa lentidão, e o editor pirata resolveu encomendar uma tradução ele mesmo", explicou Coelho à Folha (leia texto ao lado).
Numa época em que o mercado editorial discute a ameaça dos e-books e da pirataria digital, o Peru se debate com o comércio de best-sellers da literatura mundial, sucessos da autoajuda e livros escolares piratas que quase varreu do mapa a atividade formal de impressão.

Indústria pirata
São livros manufaturados em pequenas gráficas pulverizadas pelas periferias de Lima. Alimentam um mercado negro por onde circulam em versões de papel barato, com capa e lombada, a preços incomparáveis -um terço do valor praticado nas livrarias da cidade.
Ambulantes e camelôs espalhados pelo país dão vazão ao fabrico das edições piratas, que respondem por 40% da produção editorial do país. O impacto econômico deste mercado ilegal das letras é de quase US$ 52 milhões (R$ 93 milhões).
Comparado ao Brasil, onde este valor é estimado em R$ 400 milhões -muito por conta de cópias xerocadas-, o caso peruano parece menor.

Tipo exportação
Três dados da Câmara Peruana do Livro (CPL), no entanto, corroboram para a fama do Peru de maior indústria pirata de livros da América Latina.
Primeiro: a produção clandestina emprega mais peruanos que a indústria editorial formal. Segundo, os lucros dos piratas corresponde a nada menos que 100% dos lucros das editoras legal somados. E mais: "Já detectamos que o Peru exporta esse material para Colômbia, Equador e Peru", conta Liliana Minaya, da CPL.
Ainda que a diferença entre produto original e pirata seja evidente, editoras criaram um selo que estampa as capas de suas edições onde lê-se em capitulares "cópia original".

Amor e ódio
"É uma relação de amor e ódio", diz o escritor peruano Daniel Alarcón, autor de ensaio sobre o tema publicado na revista "Granta". "Os livros piratas não contam na sua cifra de vendas, mas se você não é pirateado, isso significa que você é irrelevante", diz.
Para ele, a proliferação virtuosa dessa indústria no Peru se deve a fatores econômicos e políticos. Os anos de crise econômica e altos impostos produziu livros a preços tão altos que chegam a custar 20% do salário médio dos peruanos.
O governo de Alberto Fujimori (1990-2000) também teve seu papel. "Ele identificava intelectuais como inimigos, e deslegitimava as editoras que atuavam no país."
Soma-se a isso a alfabetização em massa dos peruanos nos anos 60, seguida de leis dos governos militares que obrigavam pais a manterem os filhos na escola sob pena de prisão. Hoje, 7,1% dos peruanos são analfabetos.

Aberrações
A cultura da pirataria de livros peruana tem produzido aberrações literárias.
Alarcón relata em seu ensaio ter encontrado uma edição não autorizada de "Crime e Castigo", de Dostoiévski, cuja capa estampava a imagem de um revólver fumegante, mesmo que ele não exista na trama.
Uma edição pirata de "La Palavra del Mudo", antologia do peruano Julio Ramón Ribeyro, surge alterada para incrementar suas vendas: sai Ribeyro e entra o nome de Mario Vargas Llosa como autor na capa.


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