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LIVROS
Crítica / "A Arte e a Maneira de Abordar Seu Chefe para Pedir um Aumento"
Experimentalismo de Perec propõe jogo sem fim ao leitor
Escritor francês satiriza sociedade industrial em livro de linguagem inovadora
MARCELINO FREIRE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando, em 1985, foi à
TV a minissérie "Grande Sertão: Veredas",
houve uma correria às livrarias
para comprar o romance de
Guimarães Rosa. No dia seguinte, a correria foi para devolver o livro.
Lendas à parte, fiquei matutando sobre isto enquanto lia
"A Arte e a Maneira de Abordar
Seu Chefe para Pedir um Aumento", do francês Georges Perec. Explico: pelo apelo do título. Uma armadilha.
Imagino igual correria. O
empregado aproveitando a folga para ir comprar "seu manual". Ave nossa! "De hoje não
passa", ele dirá, decidido. "Enfrentarei o meu chefe. Finalmente, mostrarei para ele onde
o calo aperta." E pensará: "Qual
a melhor estratégia? O que tem
a nos ensinar esse tal de Georges Perec? Nunca ouvi falar".
Perec, nascido em 1936 e
morto aos 46 anos, é autor, entre outros, de clássicos provocativos em prosa experimentalista, como "A Vida: Modo de
Usar", considerado sua obra-prima e igualmente publicado
no Brasil pela Companhia das
Letras.
O que parece um livro de
conselhos, cheirando a Paulo
Coelho, não se engane. É alta literatura. Mais atrapalha que
ajuda. Quem disse que a boa literatura tem essa obrigação?
De salvar ninguém? Não confundir palavra com igreja,
amém!
Antiajuda
Para o desavisado leitor, não
há consolo. Nem facilidades. O
trabalho é duro. A leitura carece de um esforço -o texto todo
é sem pontuação, não reclame.
Siga o ritmo, entre no centro
nervoso da história (se há alguma) que começa (se há começo)
na hora em que o empregado
decide ir à sala do chefe para
pedir uma melhoria salarial.
Aquele momento em que a gente puxa o fôlego, ensaia os argumentos etc. e tal.
A linguagem roda, roda e parece não sair do lugar. Como
quem treina para pedir em namoro a pessoa amada. Ou sei lá.
Quando a gente oscila diante da
vida, vacila e pestaneja. A literatura de Perec é um jogo sem
fim. Uma peleja.
Eis um trecho: "Admitamos
que ele não esteja então você
vai ficar à espreita aguardando
sua volta ou sua chegada andando de um lado para o outro
no corredor [...] ou o melhor
que você tem a fazer é dar um
giro pelas diversas seções cujo
conjunto constitui a totalidade
ou parte da organização que o
emprega".
Mais adiante, as frases vão
ganhando outras companhias,
filhas de um mesmo sistema
corporativo, de uma mesma
agonia: da organização que o
paga / o usa / o explora.
As palavras dentro de uma
máquina. Digamos: vemos o
processo se processando. Os
personagens, meio que parados, e tudo em volta deles se
movimentando. Vai ou não vai?
É agora ou nunca?
Sempre agora e nunca
Na literatura de Perec é sempre agora. E é sempre nunca.
Ele trabalha no esgotamento.
No limite. Brinca. Ri da nossa
tontice, mesmice.
Destaque para a competente
tradução de Bernardo Carvalho. Embora, aqui e ali (como
no uso burocrático de alguns
advérbios e do chato "por conseguinte"), fosse melhor tirar
um pouco a gravata. E relaxar.
Sim, amigo leitor, melhor relaxar. Não vai ser dinheiro perdido comprar este livrinho, nonada, pode apostar. Você será
compensado do prejuízo.
Isso se o aumento chegar.
MARCELINO FREIRE é autor, entre outros, de
"Contos Negreiros" (Record).
A ARTE E A MANEIRA DE ABORDAR SEU CHEFE PARA PEDIR
UM AUMENTO
Autor: Georges Perec
Editora: Companhia das Letras
Tradução: Bernardo Carvalho
Quanto: R$ 29,50 (88 págs.)
Avaliação: bom
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