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DISCOS LANÇAMENTOS
Embaçaram os Mutantes em "Tecnicolor"
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Chega agora às lojas o já mítico
"Tecnicolor", disco dos Mutantes
que vinha sendo mantido inédito
desde sua gravação, em Paris, em
novembro de 1970.
Passaram-se quatro anos e cinco meses desde que o jornalista
Carlos Calado informou o Brasil
de sua existência, na biografia "A
Divina Comédia dos Mutantes".
Passaram-se dois anos desde
que a remasterização do disco foi
completada, na Cia. de Áudio, em
São Paulo, e um ano e 11 meses
desde que a Folha descreveu o
-explosivo- conteúdo de "Tecnicolor". Por que tanta demora? A
gravadora Universal se justifica
evocando problemas nas autorizações dos fonogramas.
As encrencas passam, inevitavelmente, pela histórica e flutuante incompatibilidade entre os três
ex-Mutantes originais, Rita Lee e
os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias (e, na ocasião da gravação de "Tecnicolor", o grupo já
havia sido acrescido do baixista
Liminha e do baterista Dinho, o
que hoje só aumenta a confusão).
Mas passam, também, pela morosidade da Universal (detentora
do master inédito desde 1970,
quando ainda era Philips), sempre mais ocupada com a fixação
da suposta supremacia de axé
music e música sertaneja que com
a implementação de projetos de
relevância cultural.
A publicação, enfim, de um disco que poderia ter definido rumos
diferentes ao pop e ao rock nacional dos anos 70 adiante (tal era a
qualidade artística e técnica) e que
poderia ter antecipado (por internacional que era já em sua gênese
e concepção) a hoje vetusta adesão norte-americana ao tropicalismo deve ser comemorada com
salvas de rojões e nossos agradecimentos, de joelhos, aos ex-Mutantes, a seus parentes, à Universal, a todo mundo.
Mas no Brasil parece que tudo é
sempre difícil, não é? Mesmo com
os anos de que dispôs para elaborar a edição tardia de "Tecnicolor", a Universal se desincumbe
do álbum extravasando, ainda, a
impressão de descaso.
Produtor/internacionalizador
do som dos Mutantes em "Tecnicolor", o inglês Carlos Olms (que
à época trabalhava com os então
psicodélicos Bee Gees) se transformou, no encarte do CD, em
Carl Holmes.
Produtor executivo do projeto,
o jornalista Marcelo Fróes sai-se
com essa para ocultar a troca de
bolas: "Supõe-se que a informação tenha saído de uma anotação
brasileira na caixa da fita que (Antonio) Peticov (ex-empresário
dos Mutantes, que conservou a fita de "Tecnicolor" que conduziu
Calado à redescoberta do álbum)
tinha guardado. Carlos não é um
nome inglês, e o sobrenome existente é Holmes. O nome é Carl
Holmes, informação confirmada
por Sérgio Dias".
Bem, Carlos Calado possui fax
em que o próprio sujeito se assina
Carlos, Carlos Olms. Ou seja, nada foi nem sequer checado.
Para completar a comédia,
"Tecnicolor" vem sem nenhuma
mísera foto dos Mutantes ("a opção do grupo foi por não utilizar
fotos. Pensou-se numa capa branca, só com o nome dos Mutantes,
mas um outro "grande grupo" já
fez isso", diz Fróes, referindo-se
ao "white album" dos Beatles).
Em vez disso, há um inenarrável
desenho pseudopsicodélico, feito
para puxar as tintas no verde-amarelismo para seduzir gringos
sedentos de selva nas prateleiras
de world music das megastores
planeta afora. Nojo.
É que "Tecnicolor" é, segundo a
Universal, lançamento mundial.
Só isso explica, além de tudo, a caligrafia (bem, há as letras, aleluia)
e o desenho à Arnaldo Baptista
feitos pelo pateta convertido a
neotropicalista Sean Lennon, o filho do John com a Yoko. Poxa vida, o que eles estão querendo dar
a entender? Que Mutantes eram
sub-Beatles? Tá bom, agora conta
a do papagaio.
Enfim, se a embalagem vem
comprometida (em mais de um
sentido), o conteúdo, por sua vez,
está plenamente preservado e
moderno como nenhum "tropiniquismo" pode camuflar.
Estão lá "Panis et Circenses" (ou
"Circences"?, o encarte não se decide), "Virginia", "A Minha Menina (She's My Shoo Shoo)", "Ando
Meio Desligado (I Feel a Little
Spaced Out)", "Desculpe, Babe
(I'm Sorry Baby)" e "Saravá (Saravah)", em impagáveis versões
em inglês.
Estão lá "Adeus, Maria Fulô"
(em português), "Le Premier Bonheur du Jour" (em francês) e
"Bat Macumba" (no "batmacumbês" de Caetano e Gil), da forma
como já eram conhecidas do primeiro LP do grupo (de 68), mas
em novas (e ainda mais psicodélicas/sexualizadas) versões.
Estão lá, como foram aproveitadas depois em "Jardim Elétrico",
"Baby", "El Justiciero" e "Tecnicolor" (essas, portanto, não têm
"letras em inglês", como aponta o
encarte -elas nunca tiveram outras letras-; aliás, "Tecnicolor" é
quase toda em espanhol; já ouviram Mutantes alguma vez, hein?).
Estão lá o deboche, a criatividade e a fúria inventiva brasileira/estrangeira dos Mutantes. "Tecnicolor", ainda que com embalagem e cuidados de quinto mundo,
é por ora o maior lançamento nacional dos anos 2000. Do jeito que
a coisa vai, agora só em 3000.
Avaliação:
Disco: Tecnicolor
Grupo: Mutantes
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 20, em média
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