São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2000


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DISCOS LANÇAMENTOS

Embaçaram os Mutantes em "Tecnicolor"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Chega agora às lojas o já mítico "Tecnicolor", disco dos Mutantes que vinha sendo mantido inédito desde sua gravação, em Paris, em novembro de 1970.
Passaram-se quatro anos e cinco meses desde que o jornalista Carlos Calado informou o Brasil de sua existência, na biografia "A Divina Comédia dos Mutantes".
Passaram-se dois anos desde que a remasterização do disco foi completada, na Cia. de Áudio, em São Paulo, e um ano e 11 meses desde que a Folha descreveu o -explosivo- conteúdo de "Tecnicolor". Por que tanta demora? A gravadora Universal se justifica evocando problemas nas autorizações dos fonogramas.
As encrencas passam, inevitavelmente, pela histórica e flutuante incompatibilidade entre os três ex-Mutantes originais, Rita Lee e os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias (e, na ocasião da gravação de "Tecnicolor", o grupo já havia sido acrescido do baixista Liminha e do baterista Dinho, o que hoje só aumenta a confusão).
Mas passam, também, pela morosidade da Universal (detentora do master inédito desde 1970, quando ainda era Philips), sempre mais ocupada com a fixação da suposta supremacia de axé music e música sertaneja que com a implementação de projetos de relevância cultural.
A publicação, enfim, de um disco que poderia ter definido rumos diferentes ao pop e ao rock nacional dos anos 70 adiante (tal era a qualidade artística e técnica) e que poderia ter antecipado (por internacional que era já em sua gênese e concepção) a hoje vetusta adesão norte-americana ao tropicalismo deve ser comemorada com salvas de rojões e nossos agradecimentos, de joelhos, aos ex-Mutantes, a seus parentes, à Universal, a todo mundo.
Mas no Brasil parece que tudo é sempre difícil, não é? Mesmo com os anos de que dispôs para elaborar a edição tardia de "Tecnicolor", a Universal se desincumbe do álbum extravasando, ainda, a impressão de descaso.
Produtor/internacionalizador do som dos Mutantes em "Tecnicolor", o inglês Carlos Olms (que à época trabalhava com os então psicodélicos Bee Gees) se transformou, no encarte do CD, em Carl Holmes.
Produtor executivo do projeto, o jornalista Marcelo Fróes sai-se com essa para ocultar a troca de bolas: "Supõe-se que a informação tenha saído de uma anotação brasileira na caixa da fita que (Antonio) Peticov (ex-empresário dos Mutantes, que conservou a fita de "Tecnicolor" que conduziu Calado à redescoberta do álbum) tinha guardado. Carlos não é um nome inglês, e o sobrenome existente é Holmes. O nome é Carl Holmes, informação confirmada por Sérgio Dias".
Bem, Carlos Calado possui fax em que o próprio sujeito se assina Carlos, Carlos Olms. Ou seja, nada foi nem sequer checado.
Para completar a comédia, "Tecnicolor" vem sem nenhuma mísera foto dos Mutantes ("a opção do grupo foi por não utilizar fotos. Pensou-se numa capa branca, só com o nome dos Mutantes, mas um outro "grande grupo" já fez isso", diz Fróes, referindo-se ao "white album" dos Beatles).
Em vez disso, há um inenarrável desenho pseudopsicodélico, feito para puxar as tintas no verde-amarelismo para seduzir gringos sedentos de selva nas prateleiras de world music das megastores planeta afora. Nojo.
É que "Tecnicolor" é, segundo a Universal, lançamento mundial. Só isso explica, além de tudo, a caligrafia (bem, há as letras, aleluia) e o desenho à Arnaldo Baptista feitos pelo pateta convertido a neotropicalista Sean Lennon, o filho do John com a Yoko. Poxa vida, o que eles estão querendo dar a entender? Que Mutantes eram sub-Beatles? Tá bom, agora conta a do papagaio.
Enfim, se a embalagem vem comprometida (em mais de um sentido), o conteúdo, por sua vez, está plenamente preservado e moderno como nenhum "tropiniquismo" pode camuflar.
Estão lá "Panis et Circenses" (ou "Circences"?, o encarte não se decide), "Virginia", "A Minha Menina (She's My Shoo Shoo)", "Ando Meio Desligado (I Feel a Little Spaced Out)", "Desculpe, Babe (I'm Sorry Baby)" e "Saravá (Saravah)", em impagáveis versões em inglês.
Estão lá "Adeus, Maria Fulô" (em português), "Le Premier Bonheur du Jour" (em francês) e "Bat Macumba" (no "batmacumbês" de Caetano e Gil), da forma como já eram conhecidas do primeiro LP do grupo (de 68), mas em novas (e ainda mais psicodélicas/sexualizadas) versões.
Estão lá, como foram aproveitadas depois em "Jardim Elétrico", "Baby", "El Justiciero" e "Tecnicolor" (essas, portanto, não têm "letras em inglês", como aponta o encarte -elas nunca tiveram outras letras-; aliás, "Tecnicolor" é quase toda em espanhol; já ouviram Mutantes alguma vez, hein?).
Estão lá o deboche, a criatividade e a fúria inventiva brasileira/estrangeira dos Mutantes. "Tecnicolor", ainda que com embalagem e cuidados de quinto mundo, é por ora o maior lançamento nacional dos anos 2000. Do jeito que a coisa vai, agora só em 3000.


Avaliação:    


Disco: Tecnicolor
Grupo: Mutantes
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 20, em média


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