São Paulo, sábado, 20 de abril de 2002

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TEATRO

Revelado em Curitiba, grupo XIX monta "Hysteria" em "espaço da exclusão" do edifício da FAU-USP, em São Paulo

Peça traz diálogo entre séculos 19 e 20

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Clara, Hercília, Maria Tourinho, M.J. e Nini são internas de um hospício carioca no século 19. Mães, meninas, amantes, solteiras, sentimentais, brasileiras de "existência estreita e confinada", elas falam de si para mulheres do século 20, "reconhecíveis". E são literalmente assistidas pelos homens do século 20, "ignorados".
A partir de hoje, "Hysteria" os reúne sob o teto de uma cozinha, "espaço da exclusão" num centenário e outrora palacete do bairro de Higienópolis, em São Paulo, pertencente à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
A luz natural que entra pelas janelas como que ampara o mergulho que se fará no inconsciente coletivo feminino marcado pelas dores de uma opressão histórica dentro de casa, na cama, no trabalho, na rua ou no hospício.
É o início da temporada do espetáculo do grupo XIX, revelação da última edição do Fringe, a mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba.
Concebida por cinco atrizes e pelo diretor Luiz Fernando Marques, a peça teve seis concorridas apresentações na estréia nacional.
O público ideal é de 40 espectadores (20 mulheres dispostas em sete bancos, contracenando com as atrizes, e 20 homens sentados em arquibancada à parte).
Entraram 150 pessoas na última sessão em Curitiba, força da propaganda boca-a-boca. Em São Paulo, a determinação é não passar das quatro dezenas, para que se instaure ainda mais a intimidade entre as mulheres.
A atriz Ana Lucia Torre, 57, que passou pelo festival com "Norma", viu uma das sessões ao meio-dia num casarão do Largo da Ordem, no centro histórico.
"Fiquei absolutamente encantada pela delicadeza de um jovem diretor que, ao contrário da maioria que sai da escola com ambição de fazer algo brilhante, enorme, trata tudo com simplicidade. As atrizes também demonstram união, contam a mesma história com cumplicidade", afirma.
O ator Eduardo Moscovis, 33, que contracena com a atriz em "Norma", estava ressabiado antes de ver "Hysteria". Não gosta de interação com o público, invariavelmente "chata", mas se convenceu a ir quando soube que o espetáculo interage "apenas" com as mulheres. "Eu me emocionei, fiquei com inveja, com vontade de pegar nas mãos e me juntar às mulheres em cena", diz.
O diretor Marques, 24, teve aulas com Antônio Araújo (Teatro da Vertigem) no Centro de Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP).
"Hysteria" tem sua origem num dos núcleos de pesquisa ao qual Marques pertencia no curso. "Lembro que quando o seu grupo propôs o século 19 como tema ninguém deu muita bola, era muito vago. Depois, ele restringiu o tema à escravidão, até chegar à situação da mulher no século 19, o confinamento, a loucura", afirma Araújo, 36.
No curso, o encenador de "Apocalipse 1,11" deu tratamento pedagógico ao processo criativo que pontua a discussão do sagrado em dez anos do Teatro da Vertigem.
O texto, a montagem, a interpretação, o figurino, a relação com o espaço não-convencional, tudo em "Hysteria" decorre da pesquisa do quinteto Gisela Millás (Nini), Janaína Leite (Clara), Juliana Sanches (M.J.), Raissa Gregori (Hercília) e Sara Antunes (Maria Tourinho), sempre em colaboração com Marques.


HYSTERIA. Direção: Luiz Fernando Marques. Com: grupo XIX. Onde: Palacete Vila Penteado da FAU-USP (r. Maranhão, 88, SP, Higienópolis). Quando: sáb. e dom., às 16h. 40 lugares (20 homens, 20 mulheres). Quanto: R$ 20 (a bilheteria abre às 15h30). Inf.: 0/xx/ 11/5677-0369. Até 14/7.



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