São Paulo, sábado, 20 de maio de 2006

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Horizonte amargo

Julian Barnes, um dos principais escritores britânicos, aborda a velhice e o tabu da morte na coletânea de contos "Um Toque de Limão", lançada no Brasil

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Julian Barnes, o mais francês dos escritores ingleses, está lançando seu oitavo título no Brasil -uma reunião de contos que abordam exclusivamente a velhice. "Um Toque de Limão" utiliza, além dos personagens fictícios, dois grandes nomes nascidos no século 19 para refletir sobre a criação artística -o escritor russo Ivan Turguêniev e o compositor finlandês Jean Sibelius.
Várias vezes lembrado pela crítica por sua francofilia e pela sua versatilidade de estilos, Barnes explicou por que escolheu o tema em entrevista à Folha, por e-mail.

Folha - Por que você decidiu escrever um livro abordando o envelhecimento?
Julian Barnes -
Porque é a direção para onde estamos seguindo ou aonde já chegamos. Também porque é uma área que ainda não foi suficientemente explorada pelos escritores. Não recentemente, pelo menos. A sociedade não olha para a velhice e suas conseqüências, assim como os escritores.

Folha - Em "Um Toque de Limão" você escreve com ironia e humor, mas parece compor um retrato sobretudo amargo da velhice. Não podemos ser otimistas?
Barnes -
Claro que podemos ser otimistas. O homem é um animal otimista. Por exemplo, ele não pensa que vai morrer. Mas, a menos que sejamos atropelados por um carro, assassinados, ou vítimas de uma doença, primeiro ficaremos velhos, e há uma enorme variedade de coisas ruins que podem acontecer. Mas acho que todas as histórias do livro são sombrias. Algumas são cômicas.

Folha - A morte ainda é um tabu?
Barnes -
Claramente é um tabu. É algo que acontece cada vez mais em hospitais, sem o apoio tradicional da família. Li o texto de um especialista americano, para quem a maioria de nós "vai morrer sozinho entre estranhos" (ou seja, a equipe desconhecida de hospitais). Não queremos pensar no assunto, então ele se torna um tabu. Com o declínio da religião na Europa, também não queremos pensar sobre a morte porque não desejamos refletir sobre nossa extinção total.

Folha - Por que o interesse especial em Turguêniev?
Barnes -
Acho que é um grande escritor, um dos maiores. É o russo que leio com mais freqüência, assim como Tchekov. Turguêniev foi o primeiro autor que pude realmente acompanhar quando estudei russo na escola. Ele compreendeu melhor a natureza do amor, ou pelo menos com a mesma complexidade do que qualquer outro autor.

Folha - Por que a opção por contos?
Barnes -
Bem, a idéia é que determina a forma. Você espera a idéia surgir para decidir o tipo de narrativa. Planejei "Um Toque de Limão" há muito tempo. Levei oito ou nove anos para escrevê-lo.

Folha - Você se imagina aos 80, 90 anos?
Barnes -
Hugh Hefner disse um dia desses que ter 80 anos hoje significa o mesmo que representava chegar aos 40 antigamente. Bem, ele toma um monte de Viagra. Tenho 60. Quando penso nisso (o que não acontece muito), acho que me imagino chegando aos 80 e morrendo com boa saúde. Mas os precedentes na minha família não são encorajadores. E temo muito perder minha lucidez.

Folha - Em "Arthur and George" (inédito no Brasil) você lida com os limites entre ficção e realidade. Por quê? E por que utilizar Conan Doyle?
Barnes -
Ouvi falar de uma história que seria o equivalente inglês ao caso Dreyfus, que tinha sido totalmente esquecida. Então investiguei e descobri que queria escrever sobre essa história. Conan Doyle apenas fazia parte dessa história. Se fosse outro escritor -Kipling ou mesmo Machado de Assis-, eu ficaria satisfeito da mesma maneira.

Folha - Você participou da primeira edição da Festa Literária Internacional de Parati, em 2003. Tem planos de retornar ao Brasil?
Barnes -
Não sei quando voltarei. Desejo muito, porque foi uma experiência ótima. E, mesmo que você não tenha perguntado... sim, acho que o Brasil vai ganhar a Copa.


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