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Horizonte amargo
Julian Barnes, um dos principais escritores britânicos, aborda a velhice e
o tabu da morte na coletânea de contos "Um Toque de Limão", lançada no Brasil
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
Julian Barnes, o mais francês
dos escritores ingleses, está lançando seu oitavo título no Brasil
-uma reunião de contos que
abordam exclusivamente a velhice. "Um Toque de Limão" utiliza,
além dos personagens fictícios,
dois grandes nomes nascidos no
século 19 para refletir sobre a criação artística -o escritor russo
Ivan Turguêniev e o compositor
finlandês Jean Sibelius.
Várias vezes lembrado pela crítica por sua francofilia e pela sua
versatilidade de estilos, Barnes explicou por que escolheu o tema
em entrevista à Folha, por e-mail.
Folha - Por que você decidiu escrever um livro abordando o envelhecimento?
Julian Barnes - Porque é a direção para onde estamos seguindo
ou aonde já chegamos. Também
porque é uma área que ainda não
foi suficientemente explorada pelos escritores. Não recentemente,
pelo menos. A sociedade não olha
para a velhice e suas conseqüências, assim como os escritores.
Folha - Em "Um Toque de Limão"
você escreve com ironia e humor,
mas parece compor um retrato sobretudo amargo da velhice. Não
podemos ser otimistas?
Barnes - Claro que podemos ser
otimistas. O homem é um animal
otimista. Por exemplo, ele não
pensa que vai morrer. Mas, a menos que sejamos atropelados por
um carro, assassinados, ou vítimas de uma doença, primeiro ficaremos velhos, e há uma enorme
variedade de coisas ruins que podem acontecer. Mas acho que todas as histórias do livro são sombrias. Algumas são cômicas.
Folha - A morte ainda é um tabu?
Barnes - Claramente é um tabu.
É algo que acontece cada vez mais
em hospitais, sem o apoio tradicional da família. Li o texto de um
especialista americano, para
quem a maioria de nós "vai morrer sozinho entre estranhos" (ou
seja, a equipe desconhecida de
hospitais). Não queremos pensar
no assunto, então ele se torna um
tabu. Com o declínio da religião
na Europa, também não queremos pensar sobre a morte porque
não desejamos refletir sobre nossa extinção total.
Folha - Por que o interesse especial em Turguêniev?
Barnes - Acho que é um grande
escritor, um dos maiores. É o russo que leio com mais freqüência,
assim como Tchekov. Turguêniev
foi o primeiro autor que pude
realmente acompanhar quando
estudei russo na escola. Ele compreendeu melhor a natureza do
amor, ou pelo menos com a mesma complexidade do que qualquer outro autor.
Folha - Por que a opção por contos?
Barnes - Bem, a idéia é que determina a forma. Você espera a
idéia surgir para decidir o tipo de
narrativa. Planejei "Um Toque de
Limão" há muito tempo. Levei oito ou nove anos para escrevê-lo.
Folha - Você se imagina aos 80, 90
anos?
Barnes - Hugh Hefner disse um
dia desses que ter 80 anos hoje significa o mesmo que representava
chegar aos 40 antigamente. Bem,
ele toma um monte de Viagra. Tenho 60. Quando penso nisso (o
que não acontece muito), acho
que me imagino chegando aos 80
e morrendo com boa saúde. Mas
os precedentes na minha família
não são encorajadores. E temo
muito perder minha lucidez.
Folha - Em "Arthur and George"
(inédito no Brasil) você lida com os
limites entre ficção e realidade. Por
quê? E por que utilizar Conan Doyle?
Barnes - Ouvi falar de uma história que seria o equivalente inglês
ao caso Dreyfus, que tinha sido
totalmente esquecida. Então investiguei e descobri que queria escrever sobre essa história. Conan
Doyle apenas fazia parte dessa
história. Se fosse outro escritor
-Kipling ou mesmo Machado
de Assis-, eu ficaria satisfeito da
mesma maneira.
Folha - Você participou da primeira edição da Festa Literária Internacional de Parati, em 2003.
Tem planos de retornar ao Brasil?
Barnes - Não sei quando voltarei. Desejo muito, porque foi uma
experiência ótima. E, mesmo que
você não tenha perguntado... sim,
acho que o Brasil vai ganhar a Copa.
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