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CRÍTICA/"VOLVER"
Morte surge com força em filme de mais rigor do cineasta espanhol
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
A morte sempre rondou os
filmes de Pedro Almodóvar,
mas nunca com tanta eloqüência
como em "Volver". Em "Matador", por exemplo, era um mero
fetiche erótico, índice do artificialismo sedutor e ultraestilizado
que caracterizou o início de sua
carreira, nos anos 80.
As coisas começaram a mudar
em "A Flor do Meu Segredo", crônica impressionista de tons azulados em torno da morte de uma
paixão (ou seja, de uma dor de cotovelo) e das pequenas mortes internas que vêm com ela.
Em "Tudo Sobre Minha Mãe" e
"Fale com Ela", morte e luto se
tornam elementos de tristeza mas
também chances de novos impulsos e de superação.
Agora, em "Volver", a morte é
parte integrante da vida, ganhando uma concretude que não se viu
em nenhum outro filme do cineasta. Almodóvar consegue traduzir a mais forte sensação em
torno da perda de uma pessoa
querida: a de que a morte não é
uma ausência, mas uma presença.
A pessoa que se vai nunca se vai
de todo: deixa rastros, traços, roupas, cheiros, memórias. Não raro,
pela forma com que as regras do
convívio social e da (não) aceitação da morte estão organizadas
hoje, as pessoas próximas tornam-se paradoxalmente mais
presentes quando mortas.
É o que vemos, com limpidez
absoluta, no filme: sentimentos
nunca declarados fizeram com
que Raimunda (Penélope Cruz)
se afastasse de sua mãe Irene
(Carmen Maura). Quando Irene é
dada como morta em um incêndio, Raimunda passa a se "comunicar" com ela com mais freqüência, visitando o cemitério, limpando seu túmulo, "falando com ela".
"Volver" se passa em La Mancha, onde, aparentemente, os espíritos voltam para resolver questões inconclusas durante a vida.
Irene, então, reaparece na vida de
sua filha e de sua neta Paula. Vai
acertar contas com o passado.
Mais do que em qualquer outro
filme, Almodóvar assume a influência do cinema italiano -ao
contrário do malsucedido tom
hitchcockiano de "Má Educação".
Ele reverbera, principalmente,
seu amor pelo cinema de Visconti, que é citado explicitamente
quando a personagem de Carmen
Maura assiste a "Belíssima" na televisão. O tratamento visual de
Penélope Cruz é inspirado em Sophia Loren, enquanto Carmen
Maura tem evidente inspiração
em Ana Magnani.
É um casamento feliz, que se
traduz na visão sempre rigorosa e
rica que Almodóvar imprime.
Mas que talvez peque pelo excesso de perfeição. "Tudo sobre Minha Mãe" e "Fale com Ela", imperfeitos e menos rigorosos, atingem um resultado mais apaixonante que "Volver", título um
tanto mais frio do que deveria ser.
Avaliação:
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