São Paulo, sábado, 20 de maio de 2006

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CRÍTICA/"VOLVER"

Morte surge com força em filme de mais rigor do cineasta espanhol

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

A morte sempre rondou os filmes de Pedro Almodóvar, mas nunca com tanta eloqüência como em "Volver". Em "Matador", por exemplo, era um mero fetiche erótico, índice do artificialismo sedutor e ultraestilizado que caracterizou o início de sua carreira, nos anos 80.
As coisas começaram a mudar em "A Flor do Meu Segredo", crônica impressionista de tons azulados em torno da morte de uma paixão (ou seja, de uma dor de cotovelo) e das pequenas mortes internas que vêm com ela.
Em "Tudo Sobre Minha Mãe" e "Fale com Ela", morte e luto se tornam elementos de tristeza mas também chances de novos impulsos e de superação.
Agora, em "Volver", a morte é parte integrante da vida, ganhando uma concretude que não se viu em nenhum outro filme do cineasta. Almodóvar consegue traduzir a mais forte sensação em torno da perda de uma pessoa querida: a de que a morte não é uma ausência, mas uma presença.
A pessoa que se vai nunca se vai de todo: deixa rastros, traços, roupas, cheiros, memórias. Não raro, pela forma com que as regras do convívio social e da (não) aceitação da morte estão organizadas hoje, as pessoas próximas tornam-se paradoxalmente mais presentes quando mortas.
É o que vemos, com limpidez absoluta, no filme: sentimentos nunca declarados fizeram com que Raimunda (Penélope Cruz) se afastasse de sua mãe Irene (Carmen Maura). Quando Irene é dada como morta em um incêndio, Raimunda passa a se "comunicar" com ela com mais freqüência, visitando o cemitério, limpando seu túmulo, "falando com ela".
"Volver" se passa em La Mancha, onde, aparentemente, os espíritos voltam para resolver questões inconclusas durante a vida. Irene, então, reaparece na vida de sua filha e de sua neta Paula. Vai acertar contas com o passado.
Mais do que em qualquer outro filme, Almodóvar assume a influência do cinema italiano -ao contrário do malsucedido tom hitchcockiano de "Má Educação".
Ele reverbera, principalmente, seu amor pelo cinema de Visconti, que é citado explicitamente quando a personagem de Carmen Maura assiste a "Belíssima" na televisão. O tratamento visual de Penélope Cruz é inspirado em Sophia Loren, enquanto Carmen Maura tem evidente inspiração em Ana Magnani.
É um casamento feliz, que se traduz na visão sempre rigorosa e rica que Almodóvar imprime. Mas que talvez peque pelo excesso de perfeição. "Tudo sobre Minha Mãe" e "Fale com Ela", imperfeitos e menos rigorosos, atingem um resultado mais apaixonante que "Volver", título um tanto mais frio do que deveria ser.


Avaliação:    


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