São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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Comentário

Lula tem razão, é mesmo difícil achar bons fimes na TV paga

Presidente criticou a programação; boas produções ficam em torno de 20%

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Na semana passada, o presidente Lula esculhambou os canais de TV paga ao contar que acordou numa madrugada dessas com insônia, procurou um filme para ver e nada achou.
Até o mais ferrenho oposicionista terá de concordar com o presidente nesse item. Caso acorde, digamos, na próxima terça por volta das 3h da manhã, o que terá Lula à disposição? Comecemos pelos Telecines. "Karatê Dog - O Cão Marcial", no Premium, dispensa comentários. "Torturados", no Emotion, tem até bom elenco. Mas, entre a insônia e a história da jornalista que luta para superar o trauma da tortura sofrida na América Central, é melhor ficar com a insônia.
"O Tesouro de Manitou", que passa no Pipoca, este sim poderia ter alguma utilidade para o presidente, já que se trata de um faroeste alemão: ajudaria a puxar assunto na próxima conversa com o germânico Bento 16, quando quiser driblar o tema educação religiosa.
Alguma esperança no Cult? Bem, lá passa um velho faroeste de William Wyler, sobre o juiz Roy Bean. Ruim para uma insônia: lembraria as conversações com o presidente Bush.
"A Louca História de Robin Hood", na TNT, pode ser boa pedida na hora da insônia: é leve, inconsequente e, para falar a verdade, meio bobo -tudo que ajuda a embalar o sono. E, se procurar com cuidado, é possível que encontre a comédia "Um Lugar Chamado Notting Hill" passando em algum lugar. Ela já fez a ronda de mais ou menos todos os canais pagos, especializados ou não. É difícil que alguém não o tenha visto umas dez vezes.
A experiência pode se repetir em qualquer outro dia. A tendência é que os resultados sejam semelhantes, isso, entre outras coisas, porque o insone é um ser exigente. Caso contrário estaria dormindo. Vamos imaginar que a insônia aconteça na madrugada de quarta para quinta, quando o canal TCM exibe "As Aventuras de Robin Hood", com Errol Flynn. O filme tem ação, emoção, romance, heroísmo -enfim, é o melhor possível. Vamos supor que o presidente o sintonizasse distraidamente, como fazem os insones. Em dois minutos ele estaria ligadíssimo, não dormiria nunca. E no dia seguinte chegaria de péssimo humor ao Planalto para os despachos.
A quantidade de filmes suportáveis por qualquer vivente (isto é, conforme seu próprio gosto, não o de especialistas) está entre 10% e 20% da produção. A média da TV a cabo (e as listas de recomendáveis dos críticos não o desmentem) no Brasil não foge disso.
O que não significa que não seja possível melhorar muito em inúmeras frentes. A maioria esmagadora dos filmes oferecidos entre hoje e o próximo sábado são norte-americanos. É verdade que o público está acostumado com eles e tem dificuldade para se habituar a outras cinematografias. Mas seria importante, ao menos para quem gosta de cinema, que um canal passasse filmes que são exibidos rapidamente em cinema e depois desaparecem.
Não seria fácil. Hoje em dia, os canais negociam a maior parte de seus produtos com estúdios, que lhes mandam uma cota de filmes de mão beijada. Para negociar filmes europeus ou asiáticos seria necessário um bom programador que se dispusesse a fazer o porta-a-porta e comprar direitos de exibição. Um bom programador batalharia com os produtores para que as cópias -pelo menos as dos filmes de primeiro time- chegassem a nós em seu formato original. Esse programador não teria vergonha de trazer filmes mudos, nem japoneses. Traria os filmes também em versão original, diferentemente do TCM, com ótimo acervo, mas só de dublados.
Com isso, a TV pública promoveria, é verdade, uma revolução no setor de cinema na TV e se tornaria de fato decisiva na nossa vida cultural. Agora, é quase certo que, para conseguir isso, alguém vai perder muitas horas de sono. E não há de ser o presidente.


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