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Comentário
Lula tem razão, é mesmo difícil achar bons fimes na TV paga
Presidente criticou a programação; boas produções ficam em torno de 20%
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Na semana passada, o
presidente Lula esculhambou os canais de
TV paga ao contar que acordou
numa madrugada dessas com
insônia, procurou um filme para ver e nada achou.
Até o mais ferrenho oposicionista terá de concordar com o
presidente nesse item. Caso
acorde, digamos, na próxima
terça por volta das 3h da manhã, o que terá Lula à disposição? Comecemos pelos Telecines. "Karatê Dog - O Cão Marcial", no Premium, dispensa comentários. "Torturados", no
Emotion, tem até bom elenco.
Mas, entre a insônia e a história
da jornalista que luta para superar o trauma da tortura sofrida na América Central, é melhor ficar com a insônia.
"O Tesouro de Manitou", que
passa no Pipoca, este sim poderia ter alguma utilidade para o
presidente, já que se trata de
um faroeste alemão: ajudaria a
puxar assunto na próxima conversa com o germânico Bento
16, quando quiser driblar o tema educação religiosa.
Alguma esperança no Cult?
Bem, lá passa um velho faroeste
de William Wyler, sobre o juiz
Roy Bean. Ruim para uma insônia: lembraria as conversações
com o presidente Bush.
"A Louca História de Robin
Hood", na TNT, pode ser boa
pedida na hora da insônia: é leve, inconsequente e, para falar
a verdade, meio bobo -tudo
que ajuda a embalar o sono. E,
se procurar com cuidado, é possível que encontre a comédia
"Um Lugar Chamado Notting
Hill" passando em algum lugar.
Ela já fez a ronda de mais ou
menos todos os canais pagos,
especializados ou não. É difícil
que alguém não o tenha visto
umas dez vezes.
A experiência pode se repetir
em qualquer outro dia. A tendência é que os resultados sejam semelhantes, isso, entre
outras coisas, porque o insone é
um ser exigente. Caso contrário estaria dormindo. Vamos
imaginar que a insônia aconteça na madrugada de quarta para quinta, quando o canal TCM
exibe "As Aventuras de Robin
Hood", com Errol Flynn. O filme tem ação, emoção, romance, heroísmo -enfim, é o melhor possível. Vamos supor que
o presidente o sintonizasse distraidamente, como fazem os insones. Em dois minutos ele estaria ligadíssimo, não dormiria
nunca. E no dia seguinte chegaria de péssimo humor ao Planalto para os despachos.
A quantidade de filmes suportáveis por qualquer vivente
(isto é, conforme seu próprio
gosto, não o de especialistas)
está entre 10% e 20% da produção. A média da TV a cabo (e as
listas de recomendáveis dos
críticos não o desmentem) no
Brasil não foge disso.
O que não significa que não
seja possível melhorar muito
em inúmeras frentes. A maioria
esmagadora dos filmes oferecidos entre hoje e o próximo sábado são norte-americanos. É
verdade que o público está
acostumado com eles e tem dificuldade para se habituar a outras cinematografias. Mas seria
importante, ao menos para
quem gosta de cinema, que um
canal passasse filmes que são
exibidos rapidamente em cinema e depois desaparecem.
Não seria fácil. Hoje em dia,
os canais negociam a maior
parte de seus produtos com estúdios, que lhes mandam uma
cota de filmes de mão beijada.
Para negociar filmes europeus
ou asiáticos seria necessário
um bom programador que se
dispusesse a fazer o porta-a-porta e comprar direitos de exibição. Um bom programador
batalharia com os produtores
para que as cópias -pelo menos as dos filmes de primeiro
time- chegassem a nós em seu
formato original. Esse programador não teria vergonha de
trazer filmes mudos, nem japoneses. Traria os filmes também
em versão original, diferentemente do TCM, com ótimo
acervo, mas só de dublados.
Com isso, a TV pública promoveria, é verdade, uma revolução no setor de cinema na TV
e se tornaria de fato decisiva na
nossa vida cultural. Agora, é
quase certo que, para conseguir
isso, alguém vai perder muitas
horas de sono. E não há de ser o
presidente.
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