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63º FESTIVAL DE CANNES
"Irã não pode se isolar", diz Kiarostami
Cineasta concorda com aproximação entre seu país e Brasil e defende soltura de Jafar Panahi, que está em greve de fome
Diretor de longa com Juliette Binoche diz que pessoas se acostumam a tudo; "a arte é permanente, o poder político passa"
ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
Abbas Kiarostami, um dos
mais radicais cineastas contemporâneos, livrou-se, desta
vez, das complicadas perguntas
sobre seus experimentos narrativos. E olha que "Copie Conforme" (cópia exata), um dos
concorrentes à Palma de Ouro,
é de dar nó na cabeça.
Acontece que Kiarostami,
nascido em Teerã, tornou-se
uma espécie de porta-voz dos
artistas do Irã e, especialmente,
do cineasta Jafar Panahi, que já
foi seu assistente e está preso.
O festival está liderando um movimento mundial pela soltura do diretor.
Em entrevista à Folha, ontem, Kiarostami confirmou
que o colega, desde domingo,
está em greve de fome. "Tenho
falado com a mulher dele. É
uma situação tão absurda... Era
para ele ter sido meu assistente
neste filme", diz.
Blazer de linho preto sobre
uma camisa branca e óculos escuros a esconder o olhar, Kiarostami guarda alguma semelhança, na maneira de falar,
com Baadi, o personagem de
"Gosto de Cereja" (1997).
Com a musicalidade do farsi,
intermediado por uma tradutora, o cineasta pondera que
para nós, ocidentais, tudo o que
se passa em seu país parece
muito mais duro do que é, na
realidade, para quem lá vive.
"Você não conhece o poder
do hábito? As pessoas se acostumam a tudo. A flexibilidade e
a capacidade de adaptação são
aquilo que torna a vida do homem possível", afirma.
Não deixa de ser com lamento, porém, que ele diz que "Copie Conforme", falado em inglês, francês e italiano, jamais
será visto no Irã.
"Lá, Juliette [Binoche], mesmo que tenha sido fotografada
com uma camisa, aparece, nas
revistas, recoberta por um lenço até o pescoço", descreve.
Acostumado a filmar num
país que não quer que sua arte
seja feita, Kiarostami aprendeu
uma lição: a arte é permanente,
o poder político passa. Tanto
que, despeito das dificuldades,
ele pretende rodar no Irã o seu
próximo projeto.
O cineasta tampouco refuta
o acordo nuclear firmado entre
Brasil, Turquia e Irã: "O Irã
também não pode ficar totalmente isolado, alguém tem de
se relacionar com o Irã".
E ele esperaria que o presidente Lula, no encontro com o
presidente Ahmadinejad, tivesse se manifestado a respeito
da prisão de Panahi? "São, simplesmente, decisões políticas."
Arte x política
Presente a Cannes com um
filme estrangeiro -no dinheiro
da produção, no elenco, nas locações- e, ainda por cima,
pressionado pela prisão de Panahi, Kiarostami afirmou que
falar de arte é mais agradável
do que falar de política. Mas
ponderou: "A questão é que toda arte é política".
Protagonizado por uma Binoche em estado de graça e por
um não ator, William Shimellum, "Copie Conforme" é político na medida em que tira o espectador da imobilidade.
Esse envolvente jogo cenográfico que os coloca num estado permanente de incerteza
põe em xeque, por meio de uma
história de amor, a própria noção de verdade.
FOLHA ONLINE Leia a cobertura diária do
Festival de Cannes
www.folha.com.br/101304
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