São Paulo, quinta-feira, 20 de maio de 2010

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63º FESTIVAL DE CANNES

"Irã não pode se isolar", diz Kiarostami

Cineasta concorda com aproximação entre seu país e Brasil e defende soltura de Jafar Panahi, que está em greve de fome

Diretor de longa com Juliette Binoche diz que pessoas se acostumam a tudo; "a arte é permanente, o poder político passa"

ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

Abbas Kiarostami, um dos mais radicais cineastas contemporâneos, livrou-se, desta vez, das complicadas perguntas sobre seus experimentos narrativos. E olha que "Copie Conforme" (cópia exata), um dos concorrentes à Palma de Ouro, é de dar nó na cabeça.
Acontece que Kiarostami, nascido em Teerã, tornou-se uma espécie de porta-voz dos artistas do Irã e, especialmente, do cineasta Jafar Panahi, que já foi seu assistente e está preso.
O festival está liderando um movimento mundial pela soltura do diretor.
Em entrevista à Folha, ontem, Kiarostami confirmou que o colega, desde domingo, está em greve de fome. "Tenho falado com a mulher dele. É uma situação tão absurda... Era para ele ter sido meu assistente neste filme", diz.
Blazer de linho preto sobre uma camisa branca e óculos escuros a esconder o olhar, Kiarostami guarda alguma semelhança, na maneira de falar, com Baadi, o personagem de "Gosto de Cereja" (1997).
Com a musicalidade do farsi, intermediado por uma tradutora, o cineasta pondera que para nós, ocidentais, tudo o que se passa em seu país parece muito mais duro do que é, na realidade, para quem lá vive.
"Você não conhece o poder do hábito? As pessoas se acostumam a tudo. A flexibilidade e a capacidade de adaptação são aquilo que torna a vida do homem possível", afirma.
Não deixa de ser com lamento, porém, que ele diz que "Copie Conforme", falado em inglês, francês e italiano, jamais será visto no Irã.
"Lá, Juliette [Binoche], mesmo que tenha sido fotografada com uma camisa, aparece, nas revistas, recoberta por um lenço até o pescoço", descreve.
Acostumado a filmar num país que não quer que sua arte seja feita, Kiarostami aprendeu uma lição: a arte é permanente, o poder político passa. Tanto que, despeito das dificuldades, ele pretende rodar no Irã o seu próximo projeto.
O cineasta tampouco refuta o acordo nuclear firmado entre Brasil, Turquia e Irã: "O Irã também não pode ficar totalmente isolado, alguém tem de se relacionar com o Irã".
E ele esperaria que o presidente Lula, no encontro com o presidente Ahmadinejad, tivesse se manifestado a respeito da prisão de Panahi? "São, simplesmente, decisões políticas."

Arte x política
Presente a Cannes com um filme estrangeiro -no dinheiro da produção, no elenco, nas locações- e, ainda por cima, pressionado pela prisão de Panahi, Kiarostami afirmou que falar de arte é mais agradável do que falar de política. Mas ponderou: "A questão é que toda arte é política".
Protagonizado por uma Binoche em estado de graça e por um não ator, William Shimellum, "Copie Conforme" é político na medida em que tira o espectador da imobilidade.
Esse envolvente jogo cenográfico que os coloca num estado permanente de incerteza põe em xeque, por meio de uma história de amor, a própria noção de verdade.

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