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Marina volta mais brasileira
Rogério Assis/Folha Imagem
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Marina Lima, que lança o disco "Pierrô do Brasil" em julho, em seu apartamento com vista para a lagoa Rodrigo de Freitas (RJ)
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JOYCE PASCOWITCH
enviada especial ao Rio
Dois anos sem gravar, outros quatro sem fazer show. É claro
que a chegada de mais um disco de Marina Lima, previsto
para o final de julho e o primeiro pela PolyGram, é para causar todos os frissons: abram alas, "Pierrô do Brasil" vem aí.
Marina é daquelas moças, raras, que sempre foi cult desde que
nasceu: família fina, modelo cabeça, morou parte da infância
em Washington, irmão poeta -Antonio Cicero-, outro irmão, Roberto, é economista, trabalha no BID. Amigas tão
cabeça quanto, entre as mais próximas, Rosiska Darcy de Oliveira, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, parte do círculo de Ruth Cardoso. Participa de uma
ONG, é ligada à mãe, Amélia, aos irmãos e deixou muito clara
no disco "O Chamado" sua relação com o pai, já morto.
Marina Lima é chique, se veste com Prada, Gucci, Dolce &
Gabbana -no Brasil, Forum, Daslu, Cláudio Gomes-, gosta
de dar bandas em Nova York, São Paulo, Paris e Salvador.
Cuida da beleza com Mauro Freire, o favorito das stars, seus
grandes amigos são Gringo Cardia e Giovanni Bianco, dois
artistas gráficos, designers etc. e tal. Marina Lima é bonita,
não é moderna só de fachada -tem personalidade, gosta de
Stendhal, "Le Rouge et le Noir". Mora -sozinha- em uma
bela cobertura com vista para a lagoa Rodrigo de Freitas, Rio.
Nos últimos tempos, a rotina é a mesma: à noite ela vai para
os estúdios da PolyGram, na Barra, onde finaliza seu disco.
Tamanho é o sigilo, que só se sabe que a capa foi clicada por
Murilo Meireles e que uma das faixas é tão linda quanto o
melhor Ryuichi Sakamoto, outra, um frevo. Surpresa? Isso é
só o aperitivo: com Marina Lima, tudo é surpresa.
NOVO DISCO - "Eu senti que era
muito ligada à música brasileira,
com uma curiosidade enorme em
relação às coisas novas que estão
aparecendo no Brasil, em relação
ao que eu realmente achava que
era boa música no Brasil.
Eu estou mais brasileira do que
nunca: na minha forma de compor, nas minhas harmonias. Essa
coisa que está acontecendo no
Brasil agora, de ritmo, eu acho
bem interessante. Porque o que é
bacana da música do Tom Jobim,
por exemplo, é a harmonia.
Mas o ritmo bossa nova estava
um pouco estagnado. O que aconteceu? Veio da Bahia, veio também
de Recife, diversas pessoas novas
também surgiram. Ao mesmo
tempo que teve isso, teve um empobrecimento em relação à harmonia, que a gente já havia conquistado com o Tom. Essa coisa
que aconteceu, esse trabalho todo
da Bahia e do Recife, eu adorei
porque me contagiou a coisa rítmica. Agora, eu sinto uma pobreza harmônica, então vamos juntar
as coisas. Nesse novo trabalho tem
um pouco disso."
SEXUALIDADE - "Quando você é
criança que a sua mãe te dá todo
dia bife e batata frita, você adora
bife e batata frita. Só te dão isso.
Então você acaba crescendo,
achando que você não gosta de camarão, por exemplo. Você pode
até não gostar de camarão, mas
você só pode saber provando. Se
você não provar, você não sabe.
Eu acho que a vida dá essas chances de você descobrir o que você
gosta ou não.
A cabeça da gente é muito rica,
não dá para você ficar setorizando
as pessoas, ficar classificando a
pessoa disso ou daquilo. É diferente. Você pode tudo, é questão de
paladar ou de gosto, entendeu? De
coragem de provar também, até
você ver que não gosta. Eu gosto
de fantasia, gosto de brincar, gosto de brincar com a identidade. Eu
gosto de viver diferentes situações
que vêm à minha cabeça. Eu gosto
de me divertir. Se for uma relação
pansexual, eu acho que tem que
divertir, tem que ser uma brincadeira."
O CORPO - "Sou muito ligada ao
meu corpo, mas com o tempo estou aprendendo a ficar mais distanciada disso: faço ginástica há 15
anos, mas agora faço menos, três
ou quatro vezes por semana. Levanto menos peso, faço com muito menos ímpeto hoje em dia e
muito mais com a noção de manter um corpo bem apresentável."
BELEZA - "Eu sempre quis ter cabelo liso e preto. Meu cabelo é bem
crespo e castanho escuro. Também é bacana, mas eu tinha um
sonho, queria ser uma mulher assim, de cabelo preto, liso, escuro,
uma italiana mesmo. Mas se isso
custa um preço, se eu achar que
tira horas e horas do meu dia, não
dá. A beleza não é tudo, mas ajuda
muito. As pessoas compram muito isso, consomem muito isso."
O ESPÍRITO - "Isso foi parte da
crise. Tive de inverter tudo. Eu
acho humildade, não no sentido
piegas, barato, mas humildade é
uma necessidade de todos os momentos da vida. É necessário para
se lidar com o instinto. Numa época eu tive a pretensão de que podia
dominar o meu instinto: essa foi a
grande crise, eu percebia que tinha
de ter humildade comigo, que
existiam coisas mais fortes do que
eu e que eu era subordinada a elas.
Não era eu quem dominava, eu
não domino o meu instinto -eu
tenho que seguir meu instinto. Então eu percebi isso quase enlouquecendo, porque eu sou muito
teimosa, me considerava uma pessoa extremamente forte. Cuidar
do espírito, para mim, é isso: é ter
humildade em relação a isso, prestar atenção ao que o coração, que é
parte do espírito, está dizendo. Eu
parei minha análise e percebi que
eu tenho que cuidar de mim mesma, assumir as responsabilidades.
Acho que a análise é legal para
diagnosticar. Sou determinada
mesmo."
AMOR - "Eu acho que o grande
amor já rolou sim, mas eu acho
que sempre pode rolar mais. Nessa
coisa de filho eu penso, volta e
meia essa questão volta. Eu escolhi
um outro tipo de vida, nunca casei
com um homem. Geralmente, as
pessoas se casam... Eu não tenho
vontade de morar junto com mais
ninguém. Eu namorei alguns homens, muito bacanas por sinal,
aprendi muito com eles. Mas ter
filho é uma outra questão. Quando comecei a reavaliar a minha vida, me ressenti por não ter casado
e tido um filho. Teve uma hora que
isso pesou, e eu fiquei muito
amargurada. Até que eu percebi
que tinha sido uma escolha minha:
eu não tive filho porque não quis.
A partir disso, eu fico livre até para
poder querer agora."
LITERATURA - "Eu leio três gêneros que eu vou sempre alternando:
um é poesia, eu adoro poesia.
Acho que a poesia dá um certo alívio quando você está sentindo um
pouco de "areia" por dentro. Filosofia, quando eu quero tomar
um copo de leite e cair na real -aí
eu paro de ficar enrolando. E romance. Eu tenho uma identificação enorme com a forma que Carlos Drummond de Andrade escrevia... Nietzsche, por exemplo, ao
mesmo tempo que me deixa pelada, parece que raspou tudo, é reconfortante. Romance eu adoro.
Adoro ler clássicos, Stendhal."
POLÍTICA - "Eu tenho uma simpatia enorme pelo Lula. Votei no PT
na última eleição, por um sentimento de compaixão, pelo povo
brasileiro. Eu tenho que dizer que
esse casal -porque eu considero
um casal o Fernando Henrique, eu
não consigo vê-lo sem dona
Ruth- está fazendo um belo trabalho no comando do Brasil no
governo. Porque eu sinto que o
Brasil está tentando ser um país
mais sério, está com essa preocupação e eu acho isso louvável. Eu
acho que tem uma preocupação
com a ética, alguns valores que para mim são muito importantes: a
ética, a verdade, a justiça."
MÚSICA - "Eu não ouço mesmo
nada quando eu estou trabalhando, quando eu estou gravando,
para não interferir. Na realidade, o
que eu queria era ter maior domínio na pré-produção de um disco:
eu queria poder participar mais,
eu queria poder até fazer mais sozinha, tocar um baixo, queria poder programar as minhas canções.
Eu fiz um curso em 97 em São
Paulo que me ajudou muito, porque eu me senti mais capaz -me
deu uma confiança muito maior."
O PRESENTE - "É um novo recomeço, um novo ciclo, o filme já
passou, é zero. Não estou mais
angustiada; dei um tempo, parei
e tal. Há dois anos eu dei uma
parada, não sei se para os outros
eu parei, mas eu parei de fazer
shows, parei de trabalhar. Há
dois anos que eu me sinto num
mergulho interno enorme. A
gente se mata para ressuscitar.
Eu sou uma compositora, não
sou atriz, eu fico me interpretando o tempo inteiro, contando
coisas minhas."
FUTURO DO PAÍS - "Eu acho que
até aqui eu colaborei bastante,
com a integridade do meu trabalho e da minha pessoa, tentando
nunca enganar ninguém com o
meu trabalho, blefar ou omitir. Isso foi muito importante, uma entrega sem maquiagem. Depois da
crise que eu passei, eu acho que
agora tenho uma disposição enorme de voltar a trabalhar, me apresentar, de fazer shows, de conhecer gente. Eu posso fazer coisas,
trabalhar mais."
NAMOROS - "Eu acho que todo
esse período, esse mergulho, é
meio por você ter que ficar só. Não
cabe dois lá dentro. Às vezes o
tempo fecha e você tem de dar
uma limpada mesmo. Então daqui
a pouco o avião vai subir, e eu vou
começar a olhar e vai ter um espaço para alguém na minha vida.
Uma coisa muito importante que
eu descobri é que eu sou de morar
só. Essa descoberta me deu um alívio, me tirou um peso porque eu,
realmente, não funciono bem morando com outra pessoa. É como
quando você é pequena, que você
quer ter um quarto só seu. Você
cresce e quer ter uma casa só sua.
Eu adoro namorar e até viajar junto, mas eu acho que casa, cada um
tem que ter a sua própria. Aos 42
anos, foi uma grande descoberta
que eu fiz e que vai me livrar de
muita angústia. De um namoro,
eu espero me divertir, espero ter
com quem conversar, com quem
rir. Espero isso. Rir é muito importante para mim. Quanto à parte mais difícil, é essa coisa de querer minha vida mais independente, de não querer me misturar, essa coisa de um mais um virar um.
Eu não acredito nisso. Eu acho que
pega por aí."
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