São Paulo, quarta, 20 de maio de 1998

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Marina volta mais brasileira

Rogério Assis/Folha Imagem
Marina Lima, que lança o disco "Pierrô do Brasil" em julho, em seu apartamento com vista para a lagoa Rodrigo de Freitas (RJ)


JOYCE PASCOWITCH
enviada especial ao Rio

Dois anos sem gravar, outros quatro sem fazer show. É claro que a chegada de mais um disco de Marina Lima, previsto para o final de julho e o primeiro pela PolyGram, é para causar todos os frissons: abram alas, "Pierrô do Brasil" vem aí. Marina é daquelas moças, raras, que sempre foi cult desde que nasceu: família fina, modelo cabeça, morou parte da infância em Washington, irmão poeta -Antonio Cicero-, outro irmão, Roberto, é economista, trabalha no BID. Amigas tão cabeça quanto, entre as mais próximas, Rosiska Darcy de Oliveira, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, parte do círculo de Ruth Cardoso. Participa de uma ONG, é ligada à mãe, Amélia, aos irmãos e deixou muito clara no disco "O Chamado" sua relação com o pai, já morto. Marina Lima é chique, se veste com Prada, Gucci, Dolce & Gabbana -no Brasil, Forum, Daslu, Cláudio Gomes-, gosta de dar bandas em Nova York, São Paulo, Paris e Salvador. Cuida da beleza com Mauro Freire, o favorito das stars, seus grandes amigos são Gringo Cardia e Giovanni Bianco, dois artistas gráficos, designers etc. e tal. Marina Lima é bonita, não é moderna só de fachada -tem personalidade, gosta de Stendhal, "Le Rouge et le Noir". Mora -sozinha- em uma bela cobertura com vista para a lagoa Rodrigo de Freitas, Rio. Nos últimos tempos, a rotina é a mesma: à noite ela vai para os estúdios da PolyGram, na Barra, onde finaliza seu disco. Tamanho é o sigilo, que só se sabe que a capa foi clicada por Murilo Meireles e que uma das faixas é tão linda quanto o melhor Ryuichi Sakamoto, outra, um frevo. Surpresa? Isso é só o aperitivo: com Marina Lima, tudo é surpresa.

NOVO DISCO - "Eu senti que era muito ligada à música brasileira, com uma curiosidade enorme em relação às coisas novas que estão aparecendo no Brasil, em relação ao que eu realmente achava que era boa música no Brasil.
Eu estou mais brasileira do que nunca: na minha forma de compor, nas minhas harmonias. Essa coisa que está acontecendo no Brasil agora, de ritmo, eu acho bem interessante. Porque o que é bacana da música do Tom Jobim, por exemplo, é a harmonia.
Mas o ritmo bossa nova estava um pouco estagnado. O que aconteceu? Veio da Bahia, veio também de Recife, diversas pessoas novas também surgiram. Ao mesmo tempo que teve isso, teve um empobrecimento em relação à harmonia, que a gente já havia conquistado com o Tom. Essa coisa que aconteceu, esse trabalho todo da Bahia e do Recife, eu adorei porque me contagiou a coisa rítmica. Agora, eu sinto uma pobreza harmônica, então vamos juntar as coisas. Nesse novo trabalho tem um pouco disso."

SEXUALIDADE - "Quando você é criança que a sua mãe te dá todo dia bife e batata frita, você adora bife e batata frita. Só te dão isso. Então você acaba crescendo, achando que você não gosta de camarão, por exemplo. Você pode até não gostar de camarão, mas você só pode saber provando. Se você não provar, você não sabe. Eu acho que a vida dá essas chances de você descobrir o que você gosta ou não.
A cabeça da gente é muito rica, não dá para você ficar setorizando as pessoas, ficar classificando a pessoa disso ou daquilo. É diferente. Você pode tudo, é questão de paladar ou de gosto, entendeu? De coragem de provar também, até você ver que não gosta. Eu gosto de fantasia, gosto de brincar, gosto de brincar com a identidade. Eu gosto de viver diferentes situações que vêm à minha cabeça. Eu gosto de me divertir. Se for uma relação pansexual, eu acho que tem que divertir, tem que ser uma brincadeira."

O CORPO - "Sou muito ligada ao meu corpo, mas com o tempo estou aprendendo a ficar mais distanciada disso: faço ginástica há 15 anos, mas agora faço menos, três ou quatro vezes por semana. Levanto menos peso, faço com muito menos ímpeto hoje em dia e muito mais com a noção de manter um corpo bem apresentável."

BELEZA - "Eu sempre quis ter cabelo liso e preto. Meu cabelo é bem crespo e castanho escuro. Também é bacana, mas eu tinha um sonho, queria ser uma mulher assim, de cabelo preto, liso, escuro, uma italiana mesmo. Mas se isso custa um preço, se eu achar que tira horas e horas do meu dia, não dá. A beleza não é tudo, mas ajuda muito. As pessoas compram muito isso, consomem muito isso."

O ESPÍRITO - "Isso foi parte da crise. Tive de inverter tudo. Eu acho humildade, não no sentido piegas, barato, mas humildade é uma necessidade de todos os momentos da vida. É necessário para se lidar com o instinto. Numa época eu tive a pretensão de que podia dominar o meu instinto: essa foi a grande crise, eu percebia que tinha de ter humildade comigo, que existiam coisas mais fortes do que eu e que eu era subordinada a elas. Não era eu quem dominava, eu não domino o meu instinto -eu tenho que seguir meu instinto. Então eu percebi isso quase enlouquecendo, porque eu sou muito teimosa, me considerava uma pessoa extremamente forte. Cuidar do espírito, para mim, é isso: é ter humildade em relação a isso, prestar atenção ao que o coração, que é parte do espírito, está dizendo. Eu parei minha análise e percebi que eu tenho que cuidar de mim mesma, assumir as responsabilidades. Acho que a análise é legal para diagnosticar. Sou determinada mesmo."

AMOR - "Eu acho que o grande amor já rolou sim, mas eu acho que sempre pode rolar mais. Nessa coisa de filho eu penso, volta e meia essa questão volta. Eu escolhi um outro tipo de vida, nunca casei com um homem. Geralmente, as pessoas se casam... Eu não tenho vontade de morar junto com mais ninguém. Eu namorei alguns homens, muito bacanas por sinal, aprendi muito com eles. Mas ter filho é uma outra questão. Quando comecei a reavaliar a minha vida, me ressenti por não ter casado e tido um filho. Teve uma hora que isso pesou, e eu fiquei muito amargurada. Até que eu percebi que tinha sido uma escolha minha: eu não tive filho porque não quis. A partir disso, eu fico livre até para poder querer agora."

LITERATURA - "Eu leio três gêneros que eu vou sempre alternando: um é poesia, eu adoro poesia. Acho que a poesia dá um certo alívio quando você está sentindo um pouco de "areia" por dentro. Filosofia, quando eu quero tomar um copo de leite e cair na real -aí eu paro de ficar enrolando. E romance. Eu tenho uma identificação enorme com a forma que Carlos Drummond de Andrade escrevia... Nietzsche, por exemplo, ao mesmo tempo que me deixa pelada, parece que raspou tudo, é reconfortante. Romance eu adoro. Adoro ler clássicos, Stendhal."

POLÍTICA - "Eu tenho uma simpatia enorme pelo Lula. Votei no PT na última eleição, por um sentimento de compaixão, pelo povo brasileiro. Eu tenho que dizer que esse casal -porque eu considero um casal o Fernando Henrique, eu não consigo vê-lo sem dona Ruth- está fazendo um belo trabalho no comando do Brasil no governo. Porque eu sinto que o Brasil está tentando ser um país mais sério, está com essa preocupação e eu acho isso louvável. Eu acho que tem uma preocupação com a ética, alguns valores que para mim são muito importantes: a ética, a verdade, a justiça."

MÚSICA - "Eu não ouço mesmo nada quando eu estou trabalhando, quando eu estou gravando, para não interferir. Na realidade, o que eu queria era ter maior domínio na pré-produção de um disco: eu queria poder participar mais, eu queria poder até fazer mais sozinha, tocar um baixo, queria poder programar as minhas canções. Eu fiz um curso em 97 em São Paulo que me ajudou muito, porque eu me senti mais capaz -me deu uma confiança muito maior."

O PRESENTE - "É um novo recomeço, um novo ciclo, o filme já passou, é zero. Não estou mais angustiada; dei um tempo, parei e tal. Há dois anos eu dei uma parada, não sei se para os outros eu parei, mas eu parei de fazer shows, parei de trabalhar. Há dois anos que eu me sinto num mergulho interno enorme. A gente se mata para ressuscitar. Eu sou uma compositora, não sou atriz, eu fico me interpretando o tempo inteiro, contando coisas minhas."

FUTURO DO PAÍS - "Eu acho que até aqui eu colaborei bastante, com a integridade do meu trabalho e da minha pessoa, tentando nunca enganar ninguém com o meu trabalho, blefar ou omitir. Isso foi muito importante, uma entrega sem maquiagem. Depois da crise que eu passei, eu acho que agora tenho uma disposição enorme de voltar a trabalhar, me apresentar, de fazer shows, de conhecer gente. Eu posso fazer coisas, trabalhar mais."

NAMOROS - "Eu acho que todo esse período, esse mergulho, é meio por você ter que ficar só. Não cabe dois lá dentro. Às vezes o tempo fecha e você tem de dar uma limpada mesmo. Então daqui a pouco o avião vai subir, e eu vou começar a olhar e vai ter um espaço para alguém na minha vida. Uma coisa muito importante que eu descobri é que eu sou de morar só. Essa descoberta me deu um alívio, me tirou um peso porque eu, realmente, não funciono bem morando com outra pessoa. É como quando você é pequena, que você quer ter um quarto só seu. Você cresce e quer ter uma casa só sua. Eu adoro namorar e até viajar junto, mas eu acho que casa, cada um tem que ter a sua própria. Aos 42 anos, foi uma grande descoberta que eu fiz e que vai me livrar de muita angústia. De um namoro, eu espero me divertir, espero ter com quem conversar, com quem rir. Espero isso. Rir é muito importante para mim. Quanto à parte mais difícil, é essa coisa de querer minha vida mais independente, de não querer me misturar, essa coisa de um mais um virar um. Eu não acredito nisso. Eu acho que pega por aí."



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