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SHOW CRÍTICA
Chemical Brothers fazem remix de pessoas
MARCELO NEGROMONTE
da Redação
Absurdo! Não avisaram a ninguém que anteontem quase 6.000
pessoas passariam por uma experiência químico-sensorial que mudaria a maneira de como ouvem
música. A terra arrasada, inóspita,
assexuada, esse cenário de Mad
Max que se tornou o pop tem uma
destruidora trilha sonora em 1999:
uma ode às sirenes. Uma música
quase interativa, hedonista e coletiva, maléfica e psicodélica, rocker
e... quem se importa com gêneros?
O laboratório ideal: Via Funchal,
lugar fechado. Os ingredientes:
Tom Rowlands e Ed Simons, os
Chemical Brothers, os feiticeiros
do mix eletro-psicodélico.
Os capetas alquimistas entortaram qualquer sinapse dos presentes no 1º Levi's Live, o primeiro
show do resto de nossas vidas.
A experiência oxidante foi muito
além; não era o som que era remixado, triturado, liquefeito, acidulado, explodido e implodido a todo
instante; era cada um dos cobaias
que desembolsou R$ 45 para entrar num parque de diversões que
poderia se chamar A Fantástica
Viagem pela Tabela Periódica.
"Hey Boy Hey Girl", o primeiro
single de "Surrender", intima o
passageiro a entrar no acelerador
de partículas. As palavras do título
da música pipocam nos três telões
instalados no palco e uma batida
hip hop poderosa dá início ao transe que parece não ter fim. "Here we
go", diz, sarcástica, a música.
O mago Tom Rowlands parece
despejar poções venenosas a cada
tecla apertada, a cada botão girado
-quem são esses caras que extraem sons oníricos de botões?
"Music: Response", também do
vindouro "Surrender", remete a
robôs setentistas, à ficção científica, que se faz presente e real. Kraftwerk é o primeiro nome que vem à
mente -a essa altura começando
a borbulhar, como num caldeirão-, mas é mais um ingrediente
para a mistura. DJs vomitam toda
a história do pop de uma vez só.
Todos pulam loucamente, o som
(que som!), tão alto quanto perfeito, e as imagens lisérgicas e dementes anabolizam a experiência.
"Doesn't Matter" e "Chemical
Beats" ficam mais ácida, mais densa. "Life Is Sweet" transforma a vida num doce ensurdecedor. "Private Psychedelic Reel" é gigante.
Nada pára. As imagens de santos,
manchas disformes, alquimistas-duendes, cores em profusão, luzes
esquizofrênicas, tudo parece epiléptico demais, apesar de certo
progressivismo. A alma desaba em
queda livre com a espetacular "Setting Sun". Todos com as mãos para
o alto, o êxtase e o remix dos corpos são inevitáveis -os Brothers
estavam apenas "working it out".
O cenário é tão desolador quanto
apaixonante em "Leave Home". A
música literalmente entra por um
ouvido e sai pelo outro e assola
qualquer coisa que ainda permaneça no cérebro.
Os Chemical Brothers, clássicos
digitais, fazem de Marinetti mais
atual do que nunca neste mundo
de máquinas e sonhos. Em 1999, o
discurso pop é ficcional, caótico e
quase supérfluo, como a orelha nas
costas do camundongo -e daí?
Avaliação:
O colunista
José Simão está em férias.
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